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Abono salarial, seguro-desemprego e BPC deveriam entrar no ajuste fiscal

Seguro-desemprego e abono salarial poderiam ser revistos - Getty Images/iStockphoto
Seguro-desemprego e abono salarial poderiam ser revistos Imagem: Getty Images/iStockphoto
do UOL

Colunista do UOL

11/11/2024 13h51

Há setores do próprio governo que parecem jogar contra o planejamento da área econômica para o corte de gastos. Particularmente, preocupam-se com alterações que prejudiquem benefícios sociais antigos, a exemplo do BPC (Benefício de Prestação Continuada), do Abono Salarial e do Seguro-Desemprego. Comento, a seguir, como viabilizar politicamente mudanças com efeito fiscal relevante nesses temas. Para legitimá-los, será preciso também pôr o dedo nos fabulosos gastos tributários.

O BPC custou R$ 107 bilhões no acumulado em 12 meses até setembro de 2024, segundo dados do próprio Tesouro Nacional. No mesmo mês de 2023, também para o acumulado em 12 meses, a despesa do BPC havia sido de R$ 87,7 bilhões. Já o Abono Salarial representou, nas mesmas bases e períodos: R$ 28,4 bilhões e R$ 25,4 bilhões. Finalmente, as despesas do Seguro-Desemprego totalizaram, respectivamente: R$ 51,6 bilhões e R$ 45,8 bilhões.

Como se vê, esses três programas levaram, juntos, R$ 187 bilhões, até setembro de 2024. No mesmo mês de 2023, para o acumulado em 12 meses, o gasto conjunto dessas três rubricas havia totalizado R$ 159 bilhões. Para fins de comparação, o Programa Bolsa Família, nos dois períodos e na mesma base de cálculo, somou R$ 168,3 bilhões (set/24) e R$ 146,4 bilhões (set/23).

A diferença entre os três custosos programas e o Bolsa Família é sua eficácia. Enquanto este é um programa bem avaliado, apesar dos exageros promovidos desde 2022, na esteira das eleições, os outros três programas sociais guardam uma série de problemas. De fraudes a regras ruins, gastam-se bilhões sem o devido monitoramento e sem a adequada avaliação periódica dessas despesas.

O Abono Salarial já havia sido modificado, em 2015 (Lei nº 13.134), na gestão do Ministro da Fazenda Joaquim Levy, para tornar-se proporcional ao tempo trabalhado no ano-base usado para calcular o benefício. Por exemplo, se o empregado com até dois salários-mínimos tiver trabalhado por 12 meses ao longo do ano-base, então terá direito ao salário-mínimo integral (Abono Salarial). Se tiver trabalhado, por exemplo, por apenas seis meses, fará jus à metade.

Mesmo assim, tem-se mostrado um programa custoso. Em 2014, o Abono Salarial custou R$ 16,7 bilhões, no ano, ou 0,3% do PIB. O acumulado em 12 meses até setembro de 2024 (R$ 28,4 bilhões) representa alta de 70% no período. A inflação, tomando-se a variação do IPCA, foi de 74% no período.

Trata-se de um benefício caro e destinado, ao contrário do Bolsa Família, para quem está empregado, com carteira assinada, e recebendo remuneração superior à média da população brasileira. Dois salários-mínimos representam, sim, uma referência baixa para as necessidades de consumo e tendo em vista a busca por acesso a bens e serviços mínimos para uma boa qualidade de vida.

O problema é que o país ainda sustenta um baixo nível de renda per capita e uma desigualdade elevada. Isso só será resolvido com políticas que permitam elevar mais rapidamente o crescimento econômico, o que dependerá de juros mais baixos, aumento do investimento e das exportações. Para tanto, o ajuste fiscal é peça central.

O Abono Salarial está previsto na Constituição Federal, no parágrafo 3º do artigo 239: "Aos empregados que percebam de empregadores que contribuem para o Programa de Integração Social ou para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, até dois salários mínimos de remuneração mensal, é assegurado o pagamento de um salário mínimo anual, computado neste valor o rendimento das contas individuais, no caso daqueles que já participavam dos referidos programas, até a data da promulgação desta Constituição."

As mudanças promovidas em 2015 não alteraram esse dispositivo. Na verdade, acabaram por regulamentá-lo, conforme expliquei anteriormente. Minha sugestão é proceder da seguinte maneira: primeiro, alterar a Constituição para extinguir o programa; e, em segundo lugar, ampliar o Bolsa Família à razão de 50% dos efeitos fiscais calculados com base no Orçamento previsto para o Abono. A mudança poderia render, em 2025, algo como R$ 20 bilhões.

Essa é apenas uma opção politicamente palatável, inclusive, porque seria acompanhada de um incremento no Orçamento do Bolsa Família. Vale dizer, este teria de passar, independentemente, por processos constantes de avaliação, monitoramento e combate a fraudes, dada inclusive a dimensão alcançada em relação aos seus padrões originais. Estaria, na linha da Lei Complementar nº 200/2023 (Novo Arcabouço Fiscal), sujeito aos limites de gastos. Para ter claro: o Abono-Salarial, conforme números apresentados acima para 2023 e 2025, está crescendo mais de 7% em termos reais. O limite de gastos permite um crescimento real de no máximo 2,5% para o conjunto das despesas.

O BPC é mais difícil de ser modificado, em certo aspecto, apesar de depender de alterações na LOAS - Lei Orgânica de Assistência Social, e não na Constituição. Ocorre que o BPC é como uma previdência garantida aos que possuem renda familiar muito baixa e são idosos. Seria preciso alterar as regras de elegibilidade, garantindo que todo beneficiário enquadrado em condições de pobreza e miséria fossem recepcionados no Bolsa Família. Dependendo das mudanças e do ritmo de concessão dos novos fluxos de benefícios, seria possível economizar algo como R$ 15 bilhões nesse programa, já considerando a compensação via Bolsa Família.

No Seguro-Desemprego, entendo que as mexidas são complexas, também, sobretudo pelo caráter simbólico que o programa possui. Entretanto, a dotação orçamentária do programa poderia se sujeitar, particular e especificamente, ao limite de gastos do Novo Arcabouço Fiscal.

A taxa real de crescimento, da ordem de 8%, não é sustentável. O próprio limite criado pelo governo Lula só autoriza, repito, 2,5% para o conjunto dos gastos. A definição desse Orçamento ajustado para o Seguro-Desemprego já representaria um grande avanço. No curto prazo, talvez uma economia de pelo menos R$ 5 bilhões.

Essas três frentes renderiam R$ 40 bilhões em economia ao Erário em termos anualizados. Trata-se de um cardápio possível, politicamente, e relevante, do ponto de vista econômico e fiscal. Ele não anula, mas complementa as ideias que já defendi neste e em outros espaços. O que não falta é cardápio.

Do ponto de vista dos gastos tributários, entendo que seria fundamental acabar com os abatimentos de gastos médicos no IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física). A economia potencial é de pelo menos R$ 25 bilhões. Por que sustentar um benefício que não vai para os mais pobres, mas para as camadas mais ricas da sociedade? Não é correto. Para mudar as regras dos benefícios sociais, como propus acima, é preciso também mexer no andar de cima.

Muito já foi feito, por exemplo, com as nove medidas tributárias aprovadas em 2023, pelo governo, e que foram alvo de discussões nas minhas colunas neste espaço. Mas o volume de renúncias tributárias é gigantesco e só faz crescer. O DGT (Demonstrativo de Gastos Tributários) que acompanha o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2025 indica surreal cifra de mais de meio trilhão de reais.

Vamos admitir ao menos R$ 25 bilhões adicionais de economia por meio de uma tesourada em todos os outros gastos tributários (além do abatimento de despesas médicas da base do IRPF). Sendo assim, as medidas que sugiro neste artigo renderiam R$ 90 bilhões anualizados. Seria uma grande colaboração. Estrutural, permanente e capaz de conduzir o país a juros mais baixos, investimentos mais altos e até mesmo espaços crescentes para políticas sociais de boa qualidade.

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