No Arizona, uma clínica de aborto resiste em meio às eleições americanas
Em Phoenix, o Acacia Women's Center é uma das últimas clínicas no estado do Arizona a praticar o aborto, cujo acesso é objeto de um referendo iniciado pelos cidadãos num momento em que os Estados Unidos escolhem o novo presidente.
François-Damien Bourgery, correspondente especial da RFI em Phoenix
Do lado de fora, parece um bunker. Mas embora o direito ao aborto no Arizona seja regularmente ameaçado, a clínica do Dr. Ronald A. Yunis não se parece em nada com estes edifícios fortificados. Aqui não há segurança nem porta blindada. Até entramos sem tocar a campainha. No balcão, Irma recebe os pacientes com uma voz gentil. "Primeiro tenho que explicar-lhes onde está a legislação. Desde a revogação da decisão de Roe v. Wade (de 1973, quando cada estado era livre para autorizá-los ou não) muitos pensam que o aborto é proibido neste estado", observa ela.
Localizado à beira de uma ampla avenida nos arredores da cidade de Phoenix, o Acacia Women's Center recebe todos os meses cerca de 200 mulheres que desejam interromper a gravidez. Nesta manhã de novembro, são apenas duas esperando a sua vez, indiferentes à gigantesca tela de televisão que transmite um drama no volume máximo. Uma delas veio pedir a pílula abortiva.
Irma lembra a regra: "É obrigatório um período de reflexão de 24 horas entre a primeira consulta e o procedimento, seja cirúrgico ou medicamentoso". Um limite entre tantos outros que fazem do Arizona um dos estados americanos mais restritivos no acesso ao aborto, segundo o Instituto Guttmacher, referência no assunto.
Uma votação fundamental
Desde a decisão histórica da Suprema Corte que tornou cada estado livre para proibir a interrupção voluntária da gravidez, o Arizona autoriza o uso do aborto até a 15?ª semana de gestação, exceto em caso de emergência médica. No entanto, não prevê nada em caso de estupro ou incesto. Mas a equipe médica espera ver tudo isso mudar em breve.
Num canto da sala de espera, uma placa dá o tom: "Vote sim à proposição 139". A medida, submetida a referendo ao mesmo tempo que as eleições, pretende consagrar na Constituição local o direito fundamental de qualquer indivíduo de abortar até que o feto seja viável, ou seja, 24 semanas de gravidez. Também são consideradas exceções "para proteger a vida ou a saúde mental e física" da gestante.
O "Estado do Grand Canyon" não é o único a votar sobre o acesso ao aborto: cerca de dez outros, como Colorado, Flórida, Maryland e Dakota do Sul, também deverão deliberar por referendo sobre o assunto. Mas no Arizona poderá ser decisivo no resultado das eleições presidenciais. Os democratas, por iniciativa da proposta, esperam mobilizar o eleitorado feminino para inclinar este estado crucial para o lado de Kamala Harris, que fez do direito ao aborto um dos principais temas da sua campanha para a Casa Branca. Segundo as pesquisas, quase 60% dos eleitores do Arizona seriam a favor da medida.
Em seu escritório repleto de fotos de família, o Dr. Ronald A. Yunis se recusa a aparecer como um defensor ferrenho do aborto. Na sua carreira de 30 anos, afirma ele, ajudou a dar à luz quase 10 mil crianças. A proposição 139 não o agrada. "Ninguém ganha se o lado adversário não tiver nada. Você tem que fazer concessões. Acho que permitir o aborto até 16 ou 17 semanas teria sido uma boa opção. Mas foi isso que os extremistas de direita obtiveram ao recusar qualquer concessão", denuncia o obstetra-ginecologista.
Sendo um alegado libertário, ele espera, no entanto, uma vitória massiva do "sim" em 5 de novembro. A mensagem, insiste ele, deve ser clara: a saúde das mulheres não deve continuar a ser uma questão política e religiosa.
"Trata-se de permitir que os médicos operem sem ter que chamar primeiro o advogado, simplesmente porque um político idiota decidiu abordar o assunto por razões puramente eleitorais. Em muitos estados como o Texas, vimos mulheres em perigo de morte porque os médicos não sabiam o que fazer. Isto não é aceitável", aponta o médico.
Um medo "indescritível"
Mesmo antes da revogação da decisão de Roe v. Wade, o Arizona já era conhecido pela severidade na questão do aborto, lembra a União Americana pelas Liberdades Civis. Mas desde 24 de junho de 2022, as restrições aumentaram. Em abril passado, o mais alto tribunal local decidiu que era aplicável uma lei de 1864 que proibia praticamente qualquer interrupção voluntária da gravidez a partir do momento da concepção. O texto foi finalmente revogado um mês depois por 16 votos a 14 pelo Senado Republicano em terceira leitura.
Mas estas múltiplas reviravoltas legislativas, acompanhadas por recursos legais quase sistemáticos, apenas acrescentam confusão a um clima já tenso. "Na época de Roe v. Wade, recebíamos dezenas e dezenas de ligações a cada hora de pessoas perguntando. Foi uma loucura. Não queremos passar por isso de novo", insiste o doutor Yunis. Sem falar nas repercussões financeiras.
Como resultado, o número de clínicas que realizam abortos no Arizona está em queda livre. Em 12 anos, cinco delas fecharam. O estado tem agora apenas sete, a maioria localizada em Phoenix, para uma população de 1,6 milhão de mulheres em idade fértil. Com dados demográficos comparáveis, o estado de Washington - muito mais liberal nesta questão - tem 38, segundo dados do Instituto Guttmacher. Por outro lado, estão em ascensão os "centros de crise da gravidez", estes estabelecimentos financiados por grupos religiosos onde tudo é feito para desencorajar as mulheres grávidas a fazerem um aborto. O "Grand Canyon State" lista 44, espalhados por todo o território.
O próprio Ronald Yunis admite não estar tranquilo. "Como podemos não nos sentir ameaçados quando vemos ativistas antiaborto assassinando médicos e incendiando clínicas? Se houvesse mais cuidadores praticando interrupções voluntárias de gravidez, essa ameaça seria menos grave", argumenta. Desistir não é uma opção, no entanto. "Faço aborto porque esse procedimento é de difícil acesso para as pacientes e eu preciso que não seja", finaliza, combativo.