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Compensação justa ou conhecimento livre: genes sequenciados entram sorrateiramente na COP16

30/10/2024 12h23

Grande parte da baunilha que hoje dá sabor a sorvetes e sobremesas é artificial, derivado do genoma de uma planta antes conhecida apenas por uma comunidade indígena mexicana.

A informação genética sequenciada da planta foi utilizada como base para um novo aromatizante sintético que hoje compete com a baunilha cultivada em vários países, principalmente por pequenos agricultores.

Pouco ou nenhum benefício do lucrativo avanço científico chegou às comunidades de onde saiu a planta em primeiro lugar.

"Os recursos genéricos silvestres e os produtos farmacêuticos são um negócio bilionário. É evidente que são rentáveis e isso não se discute", disse à AFP Charles Barber, do grupo de reflexão Instituto de Recursos Mundiais (WRI).

"Uma grande quantidade de informação realmente valiosa foi encontrada no sistema procedente da pesquisa e utilização de recursos genéticos silvestres, em sua maioria de países em desenvolvimento. Atualmente, não há nenhum mecanismo para compensar as pessoas pela origem dessas informações na forma de dados sequenciados digitalmente", acrescenta.

Grande parte da informação vem de países pobres.

O compartilhamento equitativo dos benefícios derivados dos dados de sequenciamento genético é uma dor de cabeça para os negociadores da cúpula de biodiversidade COP16, que entrou em sua segunda semana em Cali, Colômbia, na segunda-feira.

Na última conferência, que ocorreu em Montreal em 2022, 196 países-membros da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) da ONU acordaram em criar um "mecanismo multilateral para a distribuição dos benefícios derivados do uso de informações de sequência digital (DSI) sobre recursos genéticos, incluindo um repositório global".

Dois anos depois, questões básicas como quem paga, quanto, para qual fundo e para quem ainda precisam ser resolvidas.

- Barato e rápido -

A questão é complexa. A troca de dados genéticos em plataformas de acesso aberto é fundamental para o progresso humano, por exemplo, na medicina e no desenvolvimento de vacinas.

No entanto, é possível quantififcar o valor da informação? E, além disso, como o conhecimento daqueles que descobriram a utilidade de uma planta pode ser compensado?

"A tecnologia de sequenciamento avançou tanto que é possível chegar com um dispositivo portátil um pouco maior do que um telefone celular e literalmente sequenciar um genoma em uma ou duas horas e enviá-lo para a Internet à medida que é sequenciado", disse à AFP Pierre du Plessis, especialista em DSI e ex-negociador dos países africanos na CDB.

Essas sequências genéticas são carregadas em bancos de dados que a inteligência artificial pode explorar para obter possíveis pistas para o desenvolvimento de produtos.

Estima-se que o valor da DSI seja de centenas de bilhões de dólares por ano. 

"Uma vez que a sequência é inserida em um banco de dados público, geralmente não se aplicam obrigações de compartilhamento de benefícios", disse à AFP Cali Nithin Ramakrishnan, pesquisador da Third World Network, uma ONG de defesa de países em desenvolvimento.

"Quando as informações sobre a sequência do sândalo estão disponíveis em um banco de dados, não importa se a Índia quer ou não compartilhar seu sândalo com uma empresa de cosméticos".

Isso "elimina a capacidade da Índia de regular o acesso ao sândalo e lucrar com ele", acrescenta Ramakrishnan.

- Obrigatório -

Um ponto de discórdia em Cali é a exigência dos países em desenvolvimento de que o pagamento pelo uso de dados genéticos digitais seja obrigatório, talvez por meio de uma taxa de 1% sobre os lucros.

Eles também querem garantias de benefícios não monetários, como o acesso a vacinas produzidas a partir de informações genéticas obtidas de vírus e outros agentes patogênicos.

"Queremos um entendimento real e específico do setor sobre os benefícios não monetários a serem compartilhados e queremos que o sistema seja obrigatório: os usuários devem ter algum tipo de obrigação de compartilhar os benefícios", diz Ramakrishnan.

Outro ponto problemático é o acesso dos povos indígenas e das comunidades locais aos fundos da DSI.

Os países em desenvolvimento querem que as informações nos bancos de dados genéticos sejam rastreáveis e "respondam aos governos", diz Ramakrishnan.

No entanto, as nações ricas e muitos pesquisadores se opõem a esse modelo, que eles temem ser muito caro e ter o potencial de sufocar as atividades científicas para o benefício de toda a humanidade.

Com pontos de vista tão divergentes, os observadores duvidam que a COP de Cali seja concluída com decisões firmes sobre essa questão.

A World Wide Fund for Nature (WWF) afirma que "muitas outras rodadas de negociações" sobre a DSI "parecem necessárias".

"Não acho que tudo será resolvido aqui", acrescenta Barber.

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© Agence France-Presse

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