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15 dias

Pesquisadores de diferentes países assinam carta aberta contra Musk e declaram apoio ao Brasil

Taylor Swit foi alvo de comentário sexista feito por Elon Musk - Reprodução/Instagram
Taylor Swit foi alvo de comentário sexista feito por Elon Musk Imagem: Reprodução/Instagram

17/09/2024 20h05

Nesta terça-feira, 17, mais de 50 intelectuais de diversos países, entre eles - Argentina, França, EUA, Austrália, Reino Unido, Espanha, Suíça e Itália - assinaram uma carta aberta se posicionando contra as pressões de Elon Musk em relação ao Brasil. No documento, convidam "todos os que defendem valores democráticos" a apoiarem o País. A carta conta com a participação de nomes internacionalmente importantes que atuam no campo das pesquisas sobre tecnologia, economia e Big Techs.

Os participantes da carta relatam situação de alerta sobre a soberania digital brasileira e se mostram preocupados em como as gigantes da tecnologia podem 'governar' perante a ausência de regulamentação internacional sobre suas diretrizes.

Na carta, eles apontam que o caso do X contra o judiciário brasileiro se tornou a principal batalha entre uma grande plataforma de tecnologia e a criação de um espaço democrático na internet.

"A disputa do Brasil com Elon Musk é apenas o mais recente exemplo de um esforço mais amplo para restringir a capacidade de nações soberanas de definir uma agenda de desenvolvimento digital livre do controle de megacorporações sediadas nos EUA", disse o documento.

"Mais do que advertir o Brasil, suas ações enviam uma mensagem preocupante para o mundo: que países democráticos que buscam independência da dominação das big techs correm o risco de ter suas democracias perturbadas, com algumas big techs apoiando movimentos e partidos de extrema direita", continuou.

Quem são os intelectuais que assinaram a carta?

Mais de 50 nomes do mundo inteiro se reuniram para tornar esse protesto possível. Entre as personalidades internacionais, estão os economistas franceses Gabriel Zucman, Julia Cagé e Thomas Piketty. A filósofa norte-americana, professora de Harvard e escritora da obra 'A Era do capitalismo de vigilância' também esteve presente na elaboração do documento, juntamente com o ex-ministro da economia argentina Martín Guzmán e Daron Acemoglu, professor turco-americano do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Em 2023, um dos intelectuais que endossam a carta, o bielorusso Evgeny Morozov, concedeu uma entrevista ao Estadão em que analisou a atuação das empresas de tecnologia em relação às carências dos sistemas governamentais.

"A lente por meio da qual se deve olhar para as Big Techs é a seguinte: no curto prazo, elas claramente preenchem um determinado nicho, que pode existir porque o Estado falhou e negligenciou o investimento na criação de alternativas robustas."

Entre os pesquisadores brasileiros presentes no documento estão José Graziano, ex-diretor-geral da FAO, extensão da ONU no combate à fome, e acadêmicos como Helena Martins, da Universidade Federal do Ceará, Marcos Dantas, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e Sérgio Amadeu da Silveira, da UFABC (Universidade Federal do ABC).

Um dos responsáveis pela articulação da carta, o brasileiro Edemilson Paraná, professor da LUT University, na Finlândia, e pesquisador na área de economia digital, disse ao Estadão que a mobilização entre os pesquisadores foi um processo orgânico e natural.

"O documento trata-se de uma articulação independente de intelectuais e acadêmicos que trabalham com esse tema. Meus colegas acreditam que isso não é uma situação específica do Brasil, todas as grandes democracias estão passando por isso", explicou.

Também destaca a urgência mundial sobre o que está acontecendo no País.

"Nós acreditamos que essa questão precisa ser tratada em perspectiva mundial. No Brasil, tendemos a ver esses acontecimentos pela lente da política interna. É compreensível. Mas os signatários, que estudam a sério a questão, têm muita clareza sobre o caráter global dessa situação e dos problemas aos quais ela se relaciona", complementou.

Também em entrevista ao Estadão, Amadeu, da UFABC, disse que todos os envolvidos na carta aberta trabalham essa temática há muitos anos.

"O que Musk fez foi a confirmação da postura das Big Techs. Ele exagerou ao se colocar como líder político enfrentando o judiciário brasileiro", disse.

Além disso, destacou a urgência democrática sobre o tema.

"Essa carta demonstra que a concentração descomunal de poder nos oligopólios digitais é uma preocupação das democracias de todo o planeta. As Big Techs operam com sistemas algorítmicos invisíveis para a população. Elas modelam as interações e monetizam todas as interações sociais que ocorrem em suas plataformas. Querem moldar o debate público conforme seus interesses econômicos e políticos. Por isso, tantos intelectuais estão preocupados com os ataques de Elon Musk à democracia brasileira", concluiu.

Confira a íntegra da carta abaixo:

Carta Pública Contra o Ataque das Big Techs à Soberania Digital

Nós, os abaixo-assinados, desejamos expressar nossa profunda preocupação com os ataques em andamento por parte das Big Techs e seus aliados contra a soberania digital do Brasil. A disputa do Judiciário brasileiro com Elon Musk é apenas o mais recente exemplo de um esforço mais amplo para restringir a capacidade das nações soberanas de definir uma agenda de desenvolvimento digital livre do controle de megacorporações sediadas nos Estados Unidos.

No final de agosto, o Supremo Tribunal Federal brasileiro baniu a plataforma X do ciberespaço brasileiro por não cumprir as decisões judiciais que exigiam a suspensão de contas que instigaram extremistas de direita a participar de motins e ocupar os palácios Legislativo, Judiciário e Governamental em 8 de janeiro de 2023.

Posteriormente, o presidente Lula da Silva deixou claro a intenção do governo brasileiro de buscar independência digital: diminuir a dependência do país de entidades estrangeiras para dados, capacidades de IA e infraestrutura digital, além de promover o desenvolvimento de ecossistemas tecnológicos locais. De acordo com esses objetivos, o estado brasileiro também pretende forçar as Big Techs a pagar impostos justos, cumprir as leis locais e ser responsabilizadas pelas externalidades sociais de seus modelos de negócios, que muitas vezes promovem violência e desigualdade.

Esses esforços foram recebidos com ataques do proprietário da X e de líderes de direita que reclamam sobre democracia e liberdade de expressão. Mas precisamente porque o espaço digital carece de acordos regulatórios internacionais e democraticamente decididos, grandes empresas de tecnologia operam como governantes, decidindo o que deve ser moderado e o que deve ser promovido em suas plataformas.

Além disso, a plataforma X e outras empresas começaram a se organizar, junto com seus aliados dentro e fora do país, para minar iniciativas que visam a autonomia tecnológica do Brasil. Mais do que um aviso ao Brasil, suas ações enviam uma mensagem preocupante ao mundo: que países democráticos que buscam independência da dominação das Big Tech correm o risco de sofrerem interrupções em suas democracias, com algumas Big Techs apoiando movimentos e partidos de extrema direita.

O caso brasileiro tornou-se o principal front no conflito global em evolução entre as corporações digitais e aqueles que buscam construir um cenário digital democrático e centrado nas pessoas, focado no desenvolvimento social e econômico.

As empresas de tecnologia não apenas controlam o mundo digital, mas também fazem lobby e operam contra a capacidade do setor público de criar e manter uma agenda digital independente baseada em valores, necessidades e aspirações locais. Quando seus interesses financeiros estão em jogo, elas trabalham alegremente com governos autoritários. O que precisamos é de espaço digital suficiente para que os estados possam direcionar as tecnologias colocando as pessoas e o planeta à frente dos lucros privados ou do controle unilateral do estado.

Todos aqueles que defendem os valores democráticos devem apoiar o Brasil em sua busca pela soberania digital. Exigimos que as Big Techs cessem suas tentativas de sabotar as iniciativas do Brasil voltadas para a construção de capacidades independentes em inteligência artificial, infraestrutura pública digital, governança de dados e serviços de nuvem. Esses ataques minam não apenas os direitos dos cidadãos brasileiros, mas as aspirações mais amplas de todas as nações democráticas de alcançar a soberania tecnológica.

Também pedimos ao governo do Brasil que seja firme na implementação de sua agenda digital e denuncie as pressões contra ela. O sistema ONU e os governos ao redor do mundo devem apoiar esses esforços. Este é um momento decisivo para o mundo. Uma abordagem independente para recuperar a soberania digital e o controle sobre nossa esfera pública digital não pode esperar. Há também uma necessidade urgente de desenvolver, dentro do marco da ONU, os princípios básicos de regulamentação transnacional para o acesso e uso de serviços digitais, promovendo ecossistemas digitais que coloquem as pessoas e o planeta à frente dos lucros, para que esse campo de provas das Big Techs não se torne uma prática comum em outros territórios.

*Mariana Cury é estagiária sob supervisão de Bruno Romani

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