'Vi sangue e percebi que tomei tiro': ela perdeu o olho após disparo de PM
Daiane Santos, 34, estava sentada na frente da lanchonete da família, na Cidade Tiradentes, bairro da zona leste de São Paulo, quando escutou um barulho de tiro. Se assustou e sentiu uma dor no ouvido.
Abaixei a cabeça, vi o sangue e percebi que tinha tomado um tiro.
Daiane Santos
O tiro que atingiu Daiane saiu da arma do policial militar Leonardo da Conceição Gomes, que fazia uma patrulha na região, em dezembro de 2023, segundo o inquérito policial.
Ao puxar uma corda que estava pendurada ao lado do local onde a vitima estava sentada, o revólver disparou "acidentalmente", de acordo com a investigação, atingindo Daiane no rosto e uma segunda mulher no pé.
Em nota enviada ao UOL, a corporação informou que um inquérito foi instaurado na Justiça Militar para apurar o ocorrido e que aguarda o relatório final "para aplicação de eventuais punições, caso sejam cabíveis".
O policial que fez o disparo e o outro, que o acompanhava na patrulhava e dirigia o carro, seguem exercendo suas atividades.
Daiane perdeu a visão do olho direito devido ao trauma na região e entrou com uma ação exigindo que o Estado custeie todo o tratamento dela, além de exigir que o policial seja processado por lesão corporal.
Sem emprego, vivendo de doações de cesta básica, ela conta ao UOL como sua vida mudou depois do acidente que ocorreu há 9 meses.
'Não sabia que tinha tomado tiro'
"Estava na lanchonete da minha família, na Cidade Tiradentes, sentada na frente do estabelecimento. Tinha acabado de chegar do trabalho e minha mãe pediu que eu ficasse ali por alguns minutos, porque ela precisava comprar bebidas.
Os policiais chegaram e desceram do carro. Deram boa noite e ficaram do lado da lanchonete, que fica coberta por um toldo.
Foi quando escutei um barulho, mas não sabia que tinha tomado um tiro. Senti uma dor no ouvido, mas pensei que era o impacto do som. Quando abaixei a cabeça, vi o sangue e percebi que tinha tomado um tiro.
Pedi para os policiais me socorrerem, mas eles disseram que não tinham preparo, e que eu devia esperar pelo resgate.
Comecei a pedir ajuda, gritar pedindo socorro para as pessoas e elas me pegaram e jogaram dentro do carro para irmos ao hospital [os policiais acabaram levando Daiane].
Quando cheguei lá, expliquei o que tinha acontecido, que não tinha ocorrido troca de tiro. Estava consciente de tudo e respondia às perguntas dos médicos que fizeram os primeiros socorros.
'Perdi visão do olho direito'
Fui levada para outro hospital porque precisava de um oftalmologista, fiquei internada e, 4 dias depois, fiz a cirurgia na região do olho direito. A bala atravessou e saiu pela bochecha.
Agora, não consigo enxergar do olho direito. Perdi totalmente minha visão porque tiveram de retirá-lo. Alguns ossos da região da boca também estouraram e fiquei com problemas para abri-la.
Foram 4 meses comendo apenas papinha. Não conseguia falar direito e nem me alimentar. Com o tratamento da fisioterapia, só agora consegui voltar a comer e falar melhor.
'Vivo de cesta básica para me sustentar'
Sempre fui independente, tenho 34 anos e uma filha de 11, mas, devido ao que aconteceu, estou afastada do meu trabalho.
Recebi meu auxílio pelo INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] por 3 meses e, quando chegou ao fim, me mandaram voltar ao trabalho como ajudante em um comércio, mas não consigo mais.
Sem a visão do olho, não enxergo as escadas [que são escuras], fico com medo de sofrer um acidente.
Conversei com a minha chefe, e tive de voltar ao INSS, mas meu pedido está em análise há 2 meses.
Não consigo pagar mais minhas contas e voltei a morar com meus pais. Dependo deles para sustentar minha filha e de cestas básicas. Tive muito impacto na parte psicológica.
Daiane Santos
Faço tratamento com psicólogo e psiquiatra do SUS e passo na assistência social. Tudo isso ajuda, mas é muito difícil porque não consigo aceitar que isso aconteceu comigo.
Isso me desencadeou uma crise de ansiedade e problemas para dormir. Sem meus remédios, por exemplo, não durmo.
Não pedi para isso acontecer comigo e gostaria de receber um recurso melhor, uma ajuda, mas ninguém me procurou, ninguém deu atenção nenhuma, ninguém me ofereceu ajuda. Estou sem respostas.
Estou parada. Minha vida parou. Isso não é justo: a minha vida parar e a dele [policial] não. O despreparo foi dele, que ele tenha as consequências disso. Só quero justiça.
As coisas já estão difíceis, e agora também recebo ligações de telefones desconhecidos, com vozes me ameaçando. Falam que 'o tiro não foi suficiente', que o que aconteceu 'foi pouco'."
Entenda o caso
No dia 6 de dezembro de 2023, Daiane foi atingida por um tiro no olho direito enquanto estava sentada na frente da lanchonete da família. Ela só percebeu o ocorrido porque sentiu uma dor no ouvido e viu o sangue no chão.
Ela foi levada ao hospital e precisou ser operada. Daiane perdeu o olho direito e fez fisioterapia para voltar a abrir a boca —devido ao tiro que saiu pela região— e para comer corretamente.
Policiais dizem que faziam um patrulhamento na região quando viram um suspeito na "prática de tráfico de drogas", de acordo com documento da Polícia Judiciária Militar. Pela câmera acoplada no colete do soldado Leonardo da Conceição Gomes Ferreira, é possível ver um homem saindo do local assim que o veículo da PM passa por ele.
Na sequência, o policial foi até o local, ao lado de onde Daiane estava sentada, e puxou uma corda que, supostamente, seria usada para repassar a droga de um lugar para outro. Neste momento, o soldado segurava a arma na mesma mão e fez o disparo.
Além de Daiane, uma outra mulher foi atingida na região do pé. Ela foi operada e liberada depois de atendimento médico.
O inquérito policial diz que houve "tiro acidental" do soldado, após análise das imagens da perícia. Câmeras corporais dos policiais foram analisadas e fundamentais no processo.
O advogado de Daiane, Bruno Cerqueira Gomes, informou que eles entraram com uma ação indenizatória, exigindo que o Estado custeie todo o tratamento da vítima, incluindo pensão vitalícia devido aos danos morais e estéticos.
A defesa também exige que o policial seja processo por lesão corporal, por meio do Ministério Público de São Paulo.
Em nota, a PM disse que o inquérito policial militar foi instaurado e que os agentes seguem trabalhando. A corporação informou ainda que aguarda o relatório final da Justiça Militar para aplicação de "eventuais punições, caso sejam cabíveis".
O UOL tentou contato com a defesa dos dois policiais, mas não teve retorno até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto.
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