A Polícia Federal prendeu nesta quinta-feira (12) quatro pessoas suspeitas de espalhar mentiras nas eleições de 2024.
Sim, a notícia é essa. E sim, não teve quem não leu a história e não ligou para algum parente no Rio, base da ação, para saber se o tio estava bem.
A preocupação é justificável. Se começarem a prender quem espalha lorota em ano eleitoral, o sistema prisional brasileiro explodiria e não teria mais piada do pavê no Natal (não em regime aberto).
Mas calma lá. O esquema desbaratado pela PF envolvia pessoas que recebiam dinheiro (cerca de R$ 2.000 por mês) para fazer o que nossos parentes fazem de graça desde 1989: falar mal do político que detestam em praça pública.
No caso, pontos de ônibus, padarias, filas de bancos, bares e mercados.
O nome da operação não poderia ser mais adequado: Teatro Invisível.
Funcionava assim: sujeito estava lá em Mangaratiba tomando seu pingado às seis da manhã, ouvia uma conversa ao lado sobre algum candidato satanista, correia para avisar a família e, sem perceber, derrubava a quarta parede que separava a encenação da plateia.
A arte de fato contamina.
Mangaratiba era só uma das cidades onde os atores infiltrados atuavam. As outras eram Paraty, São João de Meriti, Cabo Frio, Guapimirim, Carapebus, Paracambi, Itatiaia, Araruama, Itaguaí, Miguel Pereira, Belford Roxo e Saquarema.
De acordo com a PF, o grupo político investigado contratava e instruía os atores amadores para difundir mentiras diversas sobre diferentes postulantes a prefeito. (os cases não foram detalhados).
A ideia, claro, era beneficiar os candidatos contratantes.
O elenco tinha uma razão extra para dar a vida no palco.
Se o diretor da trama fosse eleito, os atores poderiam ocupar funções estratégias nas administrações municipais.
Alguns já estavam lá desde outros carnavais eleitorais. Quando a campanha começava, eram exonerados e substituídos por laranjas. Poderiam, assim, se debruçar sobre o roteiro, a seleção e o preparo do elenco. Fátima Toledo não iria tão longe.
O esquema contava com relatórios diários das atividades, como numa bilheteria. Em vez de ingressos vendidos, os atores planilhavam detalhes sobre eleitores abordados por dia e o número de convertidos.
Millenials e representantes da geração Z talvez fiquem um pouco assombrados com o modo artesanal de produzir fake news em plena era dos robôs de redes sociais — a PF não confirma (nem desconfirma) se o fim do X, o antigo Twitter, tem a ver com a migração dos atores para o velho palco das ruas.
Não imaginam que o esquema é mais velho do que andar para trás.
O amigo Xico Sá recorda que um antigo assessor de Fernando Collor, Egberto Baptista, durante anos foi suspeito de mobilizar esquema parecido para alvejar Lula e Brizola nas eleições de 1989.
Contava, para isso, com uma suposta rede de vendedores em domicílio (tipo os da Avon), taxistas e até feirantes.
Por meio deles jorravam histórias como a de que Lula colocaria famílias pobres para morar nos imóveis maiores da classe média. Ou de que ele, e não o possível mandante, confiscaria a poupança caso eleito (risos).
"No Nordeste ficou famoso o boato de que o então candidato petista pintaria de vermelho a estátua do Padre Cícero", lembra Xico. O fantasma do comunismo já assombrava por aí. Debaixo do lençol furado sempre tem um dublê de ator.
O próprio Egberto Baptista nega, mas ele ainda hoje é apontado como o responsável pelo episódio Míriam Cordeiro em 89 — quando a ex-namorada de Lula foi levada pelos adversários à TV para dizer que o petista havia pedido que ela abortasse quando ambos eram namorados. Lula teve que levar a própria filha à campanha para desmentir a história.
Embora localizada, a operação Teatro Invisível, serviu para ligar o alerta a quem costuma ouvir histórias estranhas sobre candidatos na fila do mercado.
Os testemunhas de relatos do primo da cunhada do irmão podem ser só atores (mal) remunerados para criar mocinhos e vilões e mudar o roteiro das eleições.
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