Tenho defendido que a reforma mais urgente é a orçamentária. Hoje, no Conselho de Altos Estudos em Finanças e Tributação da Associação Comercial de São Paulo, vamos discutir o assunto, sob a coordenação do professor Luís Eduardo Schoueri. O Orçamento proposto para 2025 só reforçou o conjunto de evidências de que a situação não é mais sustentável.
O Brasil tem um arcabouço constitucional e legal do tipo colcha de retalhos. Um emaranhado de regras para o funcionamento das contas públicas, por vezes até bastante rigorosas, mas não sem uma legislação consolidada para lidar com algo fundamental: o processo orçamentário, isto é, a forma de alocação do dinheiro arrecadado da sociedade.
A lei n.º 4.320/1964, ainda do governo João Goulart, continua a funcionar como Lei Geral de Finanças Públicas. Ela fora recepcionada pela Constituição de 1988, sob o compromisso de se avançar, logo, com uma nova legislação complementar a substituí-la. Desde então, o projeto que mais chegou perto disso foi o do ex-senador Tasso Jereissati, com colaboração de figuras importantes no tema, como o especialista Hélio Tollini.
A apresentação do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) para o ano que vem, no último dia 30, nos serve para reanimar o debate a respeito da reforma. Sim, porque os problemas da peça orçamentária submetida pelo Executivo ao Congresso são múltiplos e, neles, verificamos as consequências de um sistema cada vez menos eficiente e pouco efetivo.
O PLOA 2025 trouxe um compromisso fiscal alinhado às diretrizes orçamentárias conhecidas desde abril. Trata-se de uma meta de resultado primário (receitas menos despesas sem contar os gastos com juros) igual a zero. Isto é, as receitas devem ser iguais às despesas.
Mesmo que isso ocorresse, não custa lembrar, a dívida pública em relação ao PIB seguiria crescendo, porque é necessário, dados os juros e o crescimento econômico atuais, produzir superávit primário considerável para se obter as condições de sustentabilidade da dívida.
Não bastasse a insuficiência da meta, ela poderá ser abatida em R$ 44,1 bilhões em precatórios excedentes ao antigo subteto criado para esse tipo de despesa pelo governo anterior e abolido por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Também há uma banda inferior, na meta estipulada, de R$ 31 bilhões. Assim, de saída, está autorizado um déficit de até R$ 75,1 bilhões, sem que isso possa configurar rompimento da meta fiscal.
Do lado das receitas, há um bolo de R$ 168,3 bilhões em arrecadação extraordinária, atípica ou condicionada à aprovação de medidas em tramitação no Legislativo. Boa parte dela não vai acontecer, provavelmente.
A virtual reoneração completa da folha de salários, por exemplo, entra colaborando com R$ 26 bilhões nas estimativas do PLOA. Ao mesmo tempo, medidas ainda distantes do consenso, no Congresso, como a subida da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e o aumento da alíquota de tributação dos JCP (Juros sobre Capital Próprio), contribuiriam com R$ 18 bilhões (líquidos das transferências a estados e município).
Ora, se o PLOA contempla a reoneração completa da folha, por que ele considera também estimativas de arrecadação referentes a medidas que foram defendidas a título de, justamente, compensar o custo com a desoneração da folha? Ou uma coisa ou outra.
Do lado dos gastos, observa-se, novamente, subestimativa no volume de gastos obrigatórios. A previdência e o benefício de prestação continuada são as rubricas que mais saltam aos olhos. Aposta-se numa espécie de pente-fino nessas despesas para economizar R$ 25,9 bilhões. Trata-se de aplicar a lei e combater fraudes. Diga-se, obrigação do Estado.
Ainda que seja louvável a tentativa de transpor as ideias técnicas e acadêmicas das chamadas "spending reviews" para a letra do Orçamento, a forma como se está propondo deixa dúvidas sobre sua efetividade. Como serão revistos os programas? Se um estudo do governo mostrar que o abono salarial, por exemplo, não funciona para manter empregos ou gerar renda, ele vai ser abolido? Como? E isso vale para qualquer outro gasto obrigatório.
Já, nas emendas parlamentares, ainda segue tudo igual no quartel de Abrantes. Ao menos até este momento. Há quase R$ 40 bilhões em emendas parlamentares impositivas, que prefiro chamar de obrigatórias, previstas na proposta orçamentária de 2025. Além deste impressionante volume, é evidente que o Congresso vai trazer adições.
As emendas de comissão, por exemplo, que ganharam importância no ano passado, apesar de não contarem com o carimbo constitucional da impositividade, tendem a ocupar espaços adicionais aos R$ 40 bilhões já garantidos a título de reserva de contingência, como é chamada essa fatia da proposta orçamentária destinada pelo Executivo para o Legislativo distribuir.
Uma onda de majorações no gasto de pessoal também surgiu no PLOA para o ano que vem. Não seria mais prudente discutirmos, antes, uma agenda de reforma administrativa à altura dos nossos desafios de elaboração e execução de políticas públicas de melhor qualidade? E, antes, as diretrizes para a política de pessoal do Estado brasileiro? Novamente, fizemos o oposto. Primeiro, reajustes e contratações, depois, quem sabe, o resto.
As despesas chamadas discricionárias (não obrigatórias, em geral) estão previstas em R$ 217,5 bilhões, às quais se somam outros R$ 12,4 bilhões dos demais poderes, além do Executivo. Mas no volume de discricionárias já está contemplada a parte das emendas parlamentares, a parte da saúde para completar o mínimo constitucional, as bolsas de pesquisa, a limpeza, o custeio em geral da máquina pública, enfim, gastos essenciais ao funcionamento do Estado.
Ao PAC, principal programa do governo para investimentos, restaram R$ 60,9 bilhões, apenas 2,5% do orçamento total de R$ 2,4 trilhões, sem contar os juros e as amortizações de dívida pública.
Noves fora a tentativa de uma revisão de gastos, mas com foco muito evidente em combate a fraudes, e não necessariamente em reduções baseadas em avaliação e monitoramento de políticas públicas, o Orçamento de 2025 é uma síntese dos problemas estruturais da política fiscal brasileira.
Só uma reforma à altura pode resolver o problema. Se não fizermos essa discussão e o Congresso não topar desengavetar o assunto, é possível antecipar que, no ano que vem, o PLOA para 2026 virá com os mesmos problemas, com uma diferença: agravados.
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