Fim do mundo: é correto ligar catástrofes e doenças ao livro de Apocalipse?
Incêndios florestais que consomem vastas áreas, pandemias globais, terremotos devastadores e conflitos armados em várias partes do mundo: para muitos religiosos, esses eventos não são apenas desastres isolados, mas sinais do cumprimento das profecias descritas na Bíblia, especialmente no livro de Apocalipse, o último da Bíblia cristã.
Com suas visões de pragas, guerras, destruição e presença de símbolos difíceis de serem interpretados, o Apocalipse continua a ser um ponto de referência para aqueles que acreditam que estamos vivendo os últimos dias. Mas por que, exatamente, tantos veem nas catástrofes modernas um reflexo das previsões bíblicas?
Para explorar essa conexão, o UOL ouviu Cacau Marques, pastor batista e professor de história e teologia, e o católico Paulo Nogueira, doutor em teologia e professor na PUC-Campinas, para entender as diferentes interpretações do Apocalipse e como elas se relacionam com os eventos atuais.
Por que conectar catástrofes ao Apocalipse?
A conexão entre os desastres modernos e o Apocalipse surge, em parte, da busca humana por significado em tempos de crise. Tanto Cacau Marques quanto Paulo Nogueira destacam que, independentemente da interpretação, o Apocalipse oferece uma narrativa poderosa de luta contra o mal e a promessa de redenção.
Para aqueles que veem o mundo em um estado de turbulência constante, o Apocalipse serve como um lembrete de que a tribulação é temporária e que, no fim, há uma promessa de vitória divina.
O Apocalipse, portanto, continua a ser um texto relevante, não apenas como uma advertência ou um relato de eventos futuros, mas como uma fonte de esperança e reflexão para os fiéis. Mesmo que suas visões de destruição possam parecer assustadoras, tanto Marques quanto Nogueira concordam que o verdadeiro objetivo do livro é inspirar e fortalecer a fé, oferecendo uma visão de um mundo celestial onde o bem triunfa sobre o mal.
Além disso, Paulo atribui essa incorreta ligação do livro com tragédias por conta do fundamentalismo religioso. Para o professor, "só podem dar valor a um texto altamente simbólico como o Apocalipse caso ele se refira a fatos concretos". Ainda segundo Nogueira, um grande equívoco é aplicar uma "interpretação literal das narrativas do Apocalipse como fatos futuros", tendo em vista que as profecias tinham ligação com o tempo em que foram escritas.
Interpretação protestante: entre o futuro e o passado
No protestantismo, há uma diversidade de interpretações sobre as profecias do Apocalipse. Segundo Cacau Marques, "há várias linhas de interpretação, que vão desde as preteristas (que acreditam que a maior parte dessas profecias já se cumpriu), até as futuristas (que defendem que todas, ou a maioria das profecias ainda vão se cumprir)". É essa vertente futurista que frequentemente conecta as catástrofes atuais ao texto apocalíptico.
Marques explica que "há uma tendência frequente de relacionar eventos atuais com o cumprimento dessas profecias". Por exemplo, ele menciona o reconhecimento do Estado de Israel no século passado como um evento que impulsionou a popularização da teologia dispensacionalista, que vê as profecias bíblicas como previsões específicas de eventos modernos. Para muitos, pandemias como a covid-19 e desastres naturais são vistos como sinais dos tempos finais descritos no Apocalipse.
Contudo, Marques adverte que "as frequentes 'frustrações' de previsões na história acabam por levantar desconfiança sobre qualquer tentativa mais específica de relacionar acontecimentos atuais com as profecias do Apocalipse". Ele enfatiza que a mensagem principal do Apocalipse deve ser de esperança:
Acima de tudo, o Apocalipse é uma carta que anuncia a vitória de Cristo sobre poderes que oprimiram as igrejas do cristianismo antigo. É um livro para dar esperança, não medo.
Cacau Marques
A visão católica: uma abordagem simbólica
Para a Igreja Católica, conforme explica Paulo Nogueira, o Apocalipse não é um conjunto de profecias específicas a serem cumpridas na história.
A interpretação bíblica acadêmica e tradicional, católica ou evangélica, não lê o Apocalipse como um conjunto de profecias particulares a serem cumpridas na história da humanidade", diz Nogueira. Em vez disso, o livro é visto como uma reflexão das experiências das comunidades cristãs primitivas que enfrentavam opressão.
Nogueira observa que o Apocalipse deve ser entendido como um "desvelamento" do mundo celestial e da entronização de Cristo e reforça o problema da interpretação fundamentalista do texto.
É um erro de muitas interpretações contemporâneas, algumas de corte fundamentalista, tentar decifrar com absoluta precisão esses símbolos e imagens, como se o Apocalipse fosse uma espécie de mapa secreto do futuro.
Paulo Nogueira
Para ele, a melhor forma de se aproximar deste texto é o entendendo como um convite à meditação sobre o mundo divino em conexão com a vida atual.
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