Tribunal Europeu de Direitos Humanos decide que países podem penalizar clientes de prostitutas
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) decidiu nesta quinta-feira (25) que um Estado pode penalizar a compra de relações sexuais, validando a lei francesa que criminaliza os clientes. Trabalhadores do sexo haviam recorrido ao tribunal contra a medida estabelecida na França em 2016.
"A decisão do TEDH valida a posição abolicionista da França. Os corpos das mulheres não estão à venda. O desejo não pode ser comprado", celebrou a ministra francesa da Igualdade entre mulheres e homens, Aurore Bergé.
Em 2016, a França aprovou um modelo abolicionista de regulação da prostituição, que busca a erradicação da atividade, criminalizando tudo o que estiver relacionado ao seu exercício, independentemente de haver ou não consentimento.
"As vítimas do sistema de prostituição serão sempre protegidas", sublinhou Bergé em uma mensagem enviada à AFP, e todos os que incitam ou lucram com a prostituição "serão sempre processados".
A secretária-geral do Mouvement du Nid, uma associação de apoio a pessoas que se prostituem, Lenaïg Le Fouillé, disse que era um "forte sinal de que a TEDH reforça a lei francesa".
"Países abolicionistas como a Suécia e a Irlanda observaram com interesse esta decisão da TEDH", sublinhou. Agora, "esperamos que grandes campanhas nacionais mudem a forma como a sociedade vê os clientes, como acontece atualmente durante as Olimpíadas, com exibições na cidade lembrando as pessoas da lei que penaliza os clientes e a compra de atos sexuais é proibida", completou Le Fouillé.
Por sua vez, Sarah-Marie Mafessoli, representante do trabalho sexual na ONG Médicos do Mundo França, que acredita que a lei coloca as prostitutas em situação precária, expressou decepção.
"Estamos desapontados porque o Tribunal reconhece que a penalização dos clientes tem um impacto negativo sobre os trabalhadores do sexo (...) mas recusa-se a condenar a França", reagiu ela.
Prostitutas contra criminalizarão dos clientes
O TEDH foi contactado por 261 prostitutas e trabalhadores do sexo de diferentes nacionalidades que exercem atividades de prostituição legal na França, denunciando o impacto da lei de 13 de abril de 2016 em suas condições de vida e de trabalho.
A nova regulação revogou o crime de "solicitação", que penalizava as prostitutas que buscavam clientes, e o substituiu pela criminalização dos clientes, agora passíveis de multa de € 1.500 (R$ 9.150) e € 3.750 (R$ 22.966) em caso de reincidência, ainda que raramente sejam processados ??na prática.
A lei foi considerada um grande avanço pelas associações abolicionistas.
Mas os requerentes, apoiados por cerca de 20 associações, sublinham que a medida empurrou as prostitutas para a clandestinidade, as expondo ainda mais a ataques e infecções sexualmente transmissíveis.
"Como tenho menos clientes, minha possibilidade de escolha foi reduzida. E desde esta lei, sou obrigada a aceitar práticas (e preços) que antes tinha a possibilidade de recusar", testemunhou em anonimato A.M., sublinhando sua "grande dificuldade, até mesmo uma impossibilidade, de imposição do preservativo".
"Eu poderia classificar e escolher o cliente, depois dessa lei, como passaram a ser raros, corro riscos", relatou também anonimamente S.T., citada na resolução do TEDH. "Alguns colegas foram agredidos e roubados e isso nunca tinha acontecido antes."
Os requerentes apresentaram um pedido perante o Tribunal de Estrasburgo em 2019. Os profissionais do sexo salientaram que a lei de 2016 violava o direito ao respeito pela vida privada, protegido pelo artigo 8.º da Convenção dos Direitos Humanos, incluindo o direito à autonomia pessoal e à liberdade sexual.
Dificuldades e riscos inegáveis
Em sua resolução, o TEDH sublinha que está "plenamente consciente das dificuldades e dos riscos - inegáveis ??- a que as prostitutas estão expostas no exercício da sua atividade", incluindo os riscos para a saúde e a segurança.
A instância indica, no entanto, que estes "fenômenos já estavam presentes e observados antes da adoção da lei" de 2016, "tendo os mesmos efeitos negativos sido atribuídos no passado à introdução do crime de solicitação no direito francês".
"Não há unanimidade sobre a questão de saber se os efeitos negativos descritos pelos requerentes são diretamente causados ??pela medida que constitui a criminalização da compra de atos sexuais, ou de sua venda, ou são inerentes e intrínsecos ao fenômeno da prostituição enquanto tal ou que seriam o resultado de todo um conjunto de fatores sociais e práticas comportamentais", indica o Tribunal.
Considerando que "as autoridades francesas alcançaram um equilíbrio justo entre os interesses concorrentes em jogo" e não "excederam a (sua) margem de apreciação", o TEDH decidiu que não houve violação do artigo 8.º.
No entanto, convida as autoridades nacionais a "manterem sob constante revisão" sua abordagem nesta matéria "de forma a poder matizá-la" de acordo com a evolução da sociedade.
Com informações da AFP