No início da semana, o presidente do Senado e do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco, apresentou um projeto de lei que coloca novos termos para o pagamento das dívidas dos Estados com a União. O pacote de benesses contém um pouco de tudo: aumento nos prazos de quitação do passivo, redução dos juros e pagamento com ativos de qualidade incerta.
Projetos desse teor não são novidade.
Desde que as dívidas estaduais foram assumidas pela União, no longínquo ano de 1997, diversas foram as tentativas de renegociação, sempre com o intuito de garantir a quitação do passivo dos entes subnacionais. Em 2014, por exemplo, o indexador da dívida, que era IGP-DI + 6%, foi trocado para o mínimo entre IPCA + 4% e a Selic. Ainda, a troca na taxa de correção do estoque foi aplicada retroativamente, reduzindo assim o montante devido.
Vale dizer, esse juro real de 4% é bem mais baixo que aquele pago pelo governo federal quando emite dívida no mercado financeiro, de forma que há efetivo subsídio na cobrança das parcelas estaduais.
Outras tratativas se seguiriam à de 2014. Já no governo Temer, foi criado o Regime de Recuperação Fiscal, continuamente burlado por alguns dos que aderiram ao programa. Após cada nova tentativa de renegociar as dívidas, o que por princípio significa criar melhores condições de pagamento, o passivo não é pago.
Como todos sabem, se um devedor não quita seus empréstimos, o saldo devido cresce. No caso em questão, isso leva a que, de tempos em tempos, representantes dos governos regionais voltem a Brasília com o objetivo de aliviar a conta. Dessa vez, com alguma pompa, o mecanismo proposto foi intitulado Propag (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados).
Em linhas gerais, os entes regionais poderiam quitar suas dívidas com uma longa lista de ativos e, a depender da quantia do passivo abatido dessa maneira, teriam uma redução de 1 ou 2 pontos percentuais nos juros. Na sequência, mais 1 ponto percentual incidente sobre a dívida seria repassado para um fundo de equalização.
Não bastasse isso, a parcela de juros excedente à correção inflacionária poderia ser utilizada para uma série de investimentos estaduais. O resultado, na prática, é o juro zero para os estados, com passivos corrigidos apenas pelo IPCA. Ademais, o projeto prevê a quitação da dívida apenas em 30 anos iniciados em 2025.
O problema dessa proposta não é de ordem moral, tampouco desejam os economistas e o governo federal o sufocamento das administrações estaduais. Eventual renegociação, fundamentada na real necessidade dos estados e na capacidade do governo federal em absorver as perdas envolvidas poderia ser construída, mas não é esse o caso da verdadeira bomba fiscal que está sendo plantada a partir do Propag.
O cerne da questão está nos custos da empreitada atualmente encabeçada pelo Senado: caem as receitas financeiras da União, aumentam-se os gastos primários dos entes subnacionais e, em consequência, o governo federal emite dívida pública para cobrir o buraco.
É o curioso caso da solução para a dívida que aumenta a dívida.
Para se ter claro, o custo anual calculado em nota técnica que veiculamos a nossos clientes, na Warren Investimentos, não difere tanto do apresentado pelo senador Presidente Rodrigo Pacheco. Em sua exposição do projeto, atribuiu uma perda para a União de R$ 28 bilhões anuais, enquanto em nossas contas esse valor seria de R$ 33,5 bilhões em 2025.
Porém, a perda para o governo federal se transformará em espaço fiscal para os estados, que promoverão, então, gastos maiores do que fariam na ausência do Propag. O financiamento dessas despesas ampliadas se dá pelo endividamento do setor público como um todo.
A cada ano, há uma nova emissão de dívida para cobrir o déficit gerado, ao mesmo tempo em que os saldos negativos dos períodos anteriores pagam juros aos detentores de títulos públicos, a taxas bastante acima do IPCA, como se sabe.
Nossos cálculos indicam que, até 2033, a dívida bruta seria 2,4 pontos percentuais do PIB maior com a implementação do Propag. Nesse caso, um endividamento que já estaria em nível alto sem a renegociação, 94,1% do PIB e crescendo, chegaria à marca de 96,7% do PIB no referido ano. Ainda, até a quitação desses passivos estaduais, apenas em 2054, o custo em termos de endividamento público seria consideravelmente maior, de 5,4% do PIB, quando comparado a um cenário sem o Propag.
Quanto aos ativos entregues à União, a desconfiança é imediata. Afinal, se fossem bens e direitos de boa qualidade e elevada liquidez, substitutos de alguma forma do pagamento em moeda corrente, os próprios estados poderiam vendê-los, transferindo os proventos para o Governo Federal. Do contrário, os ativos repassados trarão consigo o risco decorrente da incerteza quanto ao seu real valor para a União.
São recentes as turbulências no câmbio e nos juros futuros que se propagaram rapidamente da Faria Lima até Brasília, exigindo firme discurso em defesa do Novo Arcabouço Fiscal pelo presidente Lula e pelo ministro Fernando Haddad. A resposta veio e foi acertada: um compromisso efetivo com as metas e o regime fiscal.
Fundamentados ou não na realidade, tais tremores acompanharam a desconfiança do mercado financeiro quanto à sustentabilidade das contas públicas, com o aumento no prêmio de risco da dívida, alimentando a expectativa de que, no futuro, uma política fiscal mais frouxa precisaria ser compensada pela atuação mais firme do Banco Central.
A tolerância para erros na condução das contas públicas está baixa.
Os esforços necessários à responsabilidade fiscal devem se dividir tanto entre os três poderes como entre as diferentes esferas de governo. Afinal de contas, os custos do endividamento excessivo e da pressão fiscal oriunda do descuido com o resultado primário serão pagos por todos.
O único destino para a proposta do Senado é, portanto, ser desarmada, bomba fiscal que é.
Felipe Salto é economista-chefe e sócio da Warren Investimentos. Foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo.
Gabriel Garrote é economista da Warren Investimentos, Bacharel em Economia pela FEA/USP e Mestre pela FGV/EESP.