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PL da delação não deve beneficiar Bolsonaro, mas provavelmente irá ao STF

Informações da delação de Mauro Cid foram usadas em investigações da PF relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Informações da delação de Mauro Cid foram usadas em investigações da PF relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
do UOL

Do UOL, em Brasília

14/06/2024 04h00

O projeto de lei que está em andamento na Câmara e proíbe delações premiadas de pessoas presas não deve beneficiar diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos inquéritos em que ele é investigado, mas provavelmente chegará ao STF (Supremo Tribunal Federal). A avaliação é de especialistas ouvidos pelo UOL.

O que aconteceu

A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (12) a urgência para votação do projeto sobre delações. Com isso, a proposta não precisa passar por comissões e pode ir a votação direto no plenário da Casa. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PL), porém, ainda precisa definir um relator e a data em que o assunto será pautado.

Bolsonaristas esperam que a proposta beneficie o ex-presidente. O projeto proíbe a validação de acordos de delação premiada com pessoas presas. Atualmente, pelo menos três investigações da PF (Polícia Federal) que envolvem Bolsonaro contam com informações da delação de um investigado que estava preso, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.

Para especialistas, a lei não afetaria acordos já homologados, mas se aprovada, deve chegar ao STF. Professores de Direito ouvidos pelo UOL explicam que, por se tratar de uma questão processual, a eventual aprovação da proposta não pode retroagir sobre acordos já homologados pela Justiça, como é o caso de Mauro Cid. Ela só passaria a valer para situações firmadas depois da promulgação.

Não há impacto em delações já homologadas. A lei processual não retroage (não se aplica a atos já realizados) e só mudaria para as próximas colaborações premiadas.
Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio

Existe uma regra básica de processo penal que estabelece que alterações processuais encontram a investigação em processo no estado atual. O que significa dizer que tudo que foi feito antes da vigência da lei é válido. A partir do momento que a lei muda, dali em diante essas normas são aplicáveis. Então todas as delações homologadas pelo poder Judiciário com a vigência da lei da época são válidas.
André Perecmanis, professor de Direito Processual Penal da PUC Rio

Retroação afetaria réus já beneficiados

O advogado Pierpaolo Bottini reforça que a retroatividade da lei também poderia impactar na situação de réus que já colaboraram. Muitos foram tiveram atenuações por causa dos acordos de colaboração. O advogado acredita que esse ponto pode reforçar que a lei, se aprovada, atinja apenas novas delações.

Como é um projeto que restringe o direito do réu, impedindo a colaboração no caso de prisão preventiva, a retroação prejudicaria o réu. Portanto, os efeitos dessa lei não retroagem. (...) Existem muitos réus que estão soltos, mas estão sendo processados, investigados e optaram pela colaboração. Mas com certeza, vai restringir o uso do instrumento.
Pierpaolo Bottini, advogado criminalista e professor de direito penal da USP

Debate no STF

Professor da USP acredita que tema deve ser levado ao Supremo. Para Alamiro Velludo, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo, apesar de haver um consenso de que se trata de uma questão processual, o projeto dá margem para discussões que podem ser levadas ao STF.

Não existe uma determinação específica na legislação sobre eventual efeito retroativo. Não tenho a menor dúvida de que isso vai gerar debate no STF.
Alamiro Velludo Salvador Netto, professor da USP

Na avaliação dele, se for feita uma análise para além do aspecto processual, a revisão de benefício pode ser debatida. Velludo entende que, do ponto de vista do Direito Penal, poderá haver uma discussão se os acordos com pessoas presas tiverem algum "vício", isto é, se ficar entendido que a colaboração só foi firmada porque o réu viu o mecanismo como último recurso.

A lei foi aprovada porque presume algum déficit de voluntariedade para o sujeito que está preso. Na medida em que a pessoa está presa, ela já tem sua vontade um pouco viciada e fica mais vulnerável para aceitar a proposta feita pelo Ministério Público. Essa presunção de vulnerabilidade, se eu considerar que a lei é material, eu poderia em tese criar argumento para a retroatividade.
Alamiro Velludo Salvador Netto, professor da USP

Lava Jato

O projeto debatido na Câmara foi apresentado na esteira da Lava Jato, em 2016. A proposta foi criada pelo então deputado federal Wadih Damous (PT), na época em que a Operação Lava Jato avançava sobre supostos esquemas de corrupção envolvendo o partido e outras siglas do centrão a partir de várias delações fechadas com empresários e ex-diretores da Petrobras que foram presos. Damous hoje comanda a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), vinculada ao Ministério da Justiça.

Lira ressuscitou a proposta com apoio de bolsonaristas e do centrão. O presidente da Câmara retomou o projeto que estava parado na Casa e decidiu pautar a urgência, em um aceno a bolsonaristas.

Mauro Cid ficou preso entre maio e setembro de 2023, por causa das investigações sobre fraude no cartão de vacinação de Bolsonaro. Foi solto depois de fechar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal, homologado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Em março deste ano, ele foi preso novamente, sendo liberado dois meses depois.

Para professor, contexto de hoje é diferente da época da Lava Jato. Thiago Bottino, da FGV, considera que houve avanços nos últimos anos que tornaram mais rigorosos os critérios para se fecharem delações, de forma que não ocorrem situações como as ocorridas na Lava Jato, em que algumas pessoas chegaram a ser denunciadas somente com base em depoimentos de delatores, por exemplo.

No passado talvez fosse levantado esse debate, porque não existiam as garantias que existem hoje (gravação das negociações, acompanhamento por um advogado, impossibilidade de acusar ou prender alguém só com base em delação etc). Mas hoje não vejo riscos de que as prisões ocorram apenas para forçar colaborações como se viu na Operação Lava Jato, por exemplo.
Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio

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