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França: Dilema sobre aliança com extrema direita racha a direita tradicional

13/06/2024 11h10

O fracasso nas eleições europeias e a dissolução da Assembleia francesa expõem em praça pública o racha da direita conservadora, representada pelo tradicional partido Os Republicanos (LR, na sigla em francês), quanto à possibilidade de aliança com a extrema direita. As discórdias assumiram um tom cômico depois que o presidente do partido, Eric Ciotti, chegou a se trancar a chave na sede do partido, na tentativa de evitar a expulsão do cargo, exigida por correligionários e parte da militância.

Sem consenso interno, Ciotti se antecipou já no dia seguinte à convocação de eleições legislativas antecipadas no país para defender uma aliança com o partido de extrema direita Reunião Nacional (RN). Na França, a sigla foi a grande vitoriosa das eleições europeias, disputadas em toda a União Europeia para renovar o Parlamento do bloco.

Mas essa união com o partido de Marine Le Pen está longe de ser consenso dentro dos Republicanos. Caciques do LR, como o o presidente do Senado, Gérard Larcher, a ex-candidata à presidência, Valérie Pécresse, e os ex-ministros Laurent Wauquiez e Xavier Bertrand, recusam se associar ao partido de extrema direita e defendem uma linha "independente".

Na manhã de quarta-feira, os dirigentes do LR anunciaram a intenção de expulsar Éric Ciotti - mas o presidente da sigla se apega, literalmente, ao posto.

Trancado na sede do partido

No início da tarde desta quarta-feira (12), Ciotti se trancou na sede do partido "para garantir a segurança dos funcionários" - que deixaram, aos poucos, o imóvel. Ninguém atendeu mais ao interfone, nem o próprio político ao telefone, durante boa parte da tarde.

Por volta das 17h, a secretária-geral dos Republicanos, Annie Genevard, usou uma cópia da chaves para reabrir o portão, diante de militantes que filmavam a cena, incrédulos.

Dentro do prédio, Ciotti permanecia trancado em sua sala. A maior parte de sua equipe o abandonou: "Ele não consultou ninguém. Escondeu isso até de nós", disse um aliado que pediu demissão. "Ele ainda tem dois colaboradores."

O deputado Aurélien Pradié ironizou: "Estamos entre os loucos. Vamos ligar para Jordan Bardella [líder do Reunião Nacional] para tirá-lo do escritório". A seu lado, a vice-presidente do LR, Florence Portelli, pergunta se não seria melhor "ligar para o Samu".

Líder chama presidente de 'traidor'

"Não há espaço para traidores e golpes", afirmou Valérie Pécresse.

Após o anúncio oficial da exclusão do presidente da sigla, decidida por unanimidade no partido, Ciotti garantiu que a decisão era "ilegal" e iria "permanecer como presidente". A batalha jurídica sobre a interpretação dos estatutos e regulamentos da LR promete ser dura.

"É totalmente irresponsável iniciar este debate 18 dias antes de uma eleição, quando temos 60 deputados a defender os seus postos nas suas zonas eleitorais", queixou-se o senador Philippe Tabarot. "É surreal."

"Está uma confusão, não sei para onde vamos, não temos informações", confirma um assessor de um deputado que acaba de perder o mandato, com a dissolução da Assembleia.

O primeiro turno das eleições legislativas antecipadas acontecerá em 30 de junho e o segundo, uma semana depois, em 7 de julho. "Estamos todos atordoados", preocupa-se Marie-Christine Dalloz, deputada pelo departamento do Jura e que já planeja fazer campanha sem partido. "Prefiro perder a eleição com os meus valores do que ganhar abrindo mão deles", disse.

Almoço com Jordan Bardella

Nesta quinta (13), as manobras políticas continuam. Eric Ciotti retornou ao seu gabinete na sede republicana e disse que abriria um processo judicial para se manter no cargo. Depois, almoçou com o candidato da extrema direita Jordan Bardella, para afinar como pretende estabelecer a aliança entre as duas siglas.

Ele garantiu que "várias dezenas" de deputados republicanos serão "apoiados pelo Reunião Nacional". Fontes do LR, entretanto, alegam que o número é "exagerado". "Os republicanos apresentarão candidatos aos franceses com clareza e independência", assegurou a secretária-geral, Annie Genevard.

Segundo fontes do partido, dentro da sede do LR, Ciotti constatou nesta manhã que apenas quatro dos 50 funcionários ainda obedeciam às suas ordens. A rede de internet do prédio foi cortada antes da chegada do presidente deposto.

Longe do imóvel, os líderes da sigla convocaram um novo escritório político, para "legitimar perante os tribunais" a exclusão do presidente. Em um breve comunicado à imprensa, a liderança republicana disse estar convencida de que "executivos, militantes e membros não apoiam um acordo com o RN". "O fim está próximo" para Ciotti, acrescenta a nota.

Entretanto, o eurodeputado François-Xavier Bellamy, que encabeçou a lista do LR nas eleições europeias, afirmou que votaria no RN em caso de segunda turno contra a aliança formada à esquerda, a Frente Popular.

"Farei tudo para evitar que A França Insubmissa chegue ao poder", declarou Bellamy na emissora Europe 1, acrescentando que recusa que "a França caia nesta aliança de extrema esquerda".

Há dois anos, 60 deputados de direita obtiveram um assento na Assembleia Nacional, após o desastre das eleições presidenciais, nas quais o partido teve menos do que 5% dos votos.

(Com AFP)

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