Entre inundação e deslizamentos: as vítimas da tragédia na Serra Gaúcha
Beirando a BR-116, o bairro de Galópolis foi o lugar mais devastado em Caxias do Sul pelos eventos climáticos que atingem o Rio Grande do Sul desde o fim de abril. Não bastasse a inundação do arroio Pinhal, a terra pesada das montanhas fez com que ocorressem deslizamentos. Tudo ao mesmo tempo.
De acordo com o Corpo de Bombeiros local, oito pessoas morreram na cidade. Agora, as equipes tentam encontrar uma idosa — ela teve a casa derrubada pelo rio e foi levada pela correnteza. Além disso, cerca de 170 famílias tiveram de sair de suas casas para evitar riscos.
Entre os mortos em desmoronamentos, havia um homem aposentado. Um amigo dele sobreviveu por pouco, ao ser resgatado em cima da hora pelo Exército. João Pinto, 75, é aposentado e tem mais de seis hectares de terra numa área montanhosa que beira do arroio Pinhal, onde mora há 22 anos.
Na tarde de sexta-feira (17), ele acompanhava atônito o trabalho de um trator que retirava lama à beira da rodovia onde fica sua casa e sua quitanda. Ao lado da casa dele, que fica encravada na mata, a parte da esquerda desmoronou. Atrás, há árvores caídas. Na frente, detritos dos deslizamentos.
No mesmo local, atravessando a BR-116, à beira do rio, vive José Carlos Borba, 67, também aposentado. Apesar de serem vizinhos, João foi afetado pelo desmoronamento. Já José foi prejudicado pela inundação causada após a enchente do arroio Pinhal.
O galpão onde José guardava a comida dos animais que criava foi arrastado pela força da água. Dois dos três cachorros desapareceram. Metade das galinhas também.
João e José estão dormindo em casas de parentes. Os dois querem voltar a viver onde sempre moraram — mas disseram que respeitarão recomendações de evacuações, se elas existirem.
Amizade de mais de 40 anos
A poucos quilômetros de distância dali, já na entrada do município de Nova Petrópolis, às margens do rio Caí, outra amizade de longa data chama a atenção. O agricultor Nestor Arrenharte, 66, mora em uma parte alta da região. Não sofreu nem com enchente nem com deslizamento.
Mesmo assim, diariamente, ele tem ultrapassado todos os dias uma ponte em ruínas — interditada pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) desde a noite de 12 de maio sob risco de queda — para ajudar um amigo que teve a casa atingida por um desmoronamento.
"Pegava a bicicleta, passava por cima da barreira [feita pela PRF] e vinha aqui [na casa do amigo] ajudar ele a trabalhar, limpar a casa, essas coisas", disse Nestor à reportagem, enquanto atravessava a ponte interditada. O amigo de longa data é Gilnei Arnaldo Muller, 50, também agricultor.
Juntos, eles contam que a região teve três grandes enchentes na história:
- A primeira ocorreu em 2 de maio de 1941.
- A segunda, em 2000, mas essa não causou riscos à população local.
- E a última ocorreu em 2 de maio de 2024. Exatamente no aniversário de 83 anos da primeira grande cheia do rio Caí.
Desta vez, os amigos dizem que as águas subiram 4,5 metros de altura em 45 minutos.
Ninguém se machucou, graças a Deus. Mas foi por um fio, porque a minha mãe ficou prensada. Ela estava ali no meu quiosque, a terra desceu, levou a casa da minha tia e prensou a minha mãe contra a minha casa com uma mesa.
Gilnei Arnaldo Muller
O terreno dele ficou arrasado. De um lado, a carcaça de um trator; de outro, o eixo com uma roda do mesmo trator. A piscina, que ele sonhou por muito tempo e conseguiu instalar na propriedade havia só um ano, ficou totalmente quebrada.
Seu hortifruti não existe mais. Os gastos para reconstrução, segundo ele, são incalculáveis — seja financeiramente, seja emocionalmente.
Acho que está na hora do ser humano pensar em tudo, né? Na ganância. Tudo é por dinheiro, sem ter hora para nada. Eu acho isso. Só pensa, sabe trabalhar, trabalhar e trabalhar. Não adianta.
Gilnei Arnaldo Muller