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Pais usam rastreadores em crianças: 'Entrou na multidão e desapareceu'

Guilherme Borges Cunha com a filha (à esquerda) e os filhos de Juliana Zerbinatti utilizando o AirTag como pulseira (à direita) - Arquivo pessoal
Guilherme Borges Cunha com a filha (à esquerda) e os filhos de Juliana Zerbinatti utilizando o AirTag como pulseira (à direita) Imagem: Arquivo pessoal
do UOL

Do UOL, em São Paulo

04/04/2024 04h00

Depois de fazer sucesso nas malas de viajantes, o AirTag, dispositivo de rastreamento da Apple, tem chamado atenção de pais preocupados com a segurança de seus filhos. O dispositivo tem sido utilizado acoplado na roupa ou ainda como uma pulseira, tornando-se uma ferramenta adicional aos cuidados com as crianças. Nas redes sociais, há vários vídeos que orientam pais sobre o uso do rastreamento. No entanto, há também quem alerte que o uso é ineficaz.

'Entrou no meio da multidão e desapareceu'

O analista de sistema Guilherme Borges Cunha, 30, decidiu comprar um AirTag para a filha dele de 7 anos depois que ele perdeu ela de vista em um evento na rua no Dia das Crianças.

Ela pediu para ir até um brinquedo que estava logo a nossa frente, mas ela entrou no meio de uma multidão e desapareceu. Ficamos uma hora procurando por ela, acionamos a guarda municipal e a polícia, mas no final eu mesmo a encontrei. Quando voltamos para casa, a primeira coisa que fizemos foi procurar na internet um AirTag para comprar.
Guilherme Borges Cunha

Na filha de Guilherme, o AirTag é usada como pulseira. "Funciona muito bem, ela mostra a localização em tempo real. Porém, tem algumas limitações, ela não tem conexão com a internet e nem GPS."

O uso do dispositivo tranquilizou os pais durante uma excursão da escola da filha. "Já utilizamos para rastrear quando ela foi a uma excursão da escola e mostrava em tempo real onde o ônibus estava, tanto na ida como na volta da excursão. Felizmente, nunca precisei utilizar novamente numa situação onde ela realmente se perdeu."

É como um seguro de vida, a gente espera nunca precisar usar, mas quando precisar você vai querer ter. Me sinto mais seguro. Porém, acho que estar presente e supervisionar sua criança ainda é a melhor medida de segurança. Trato o AirTag como último recurso se todo o resto falhar.
Guilherme Borges Cunha

'Veio para acrescentar'

A influenciadora digital Juliana Zerbinatti, 40, também adotou o AirTag como uma ferramenta adicional para a segurança dos filhos. Mãe de um menino de 7 anos e uma menina de 12, as crianças utilizam o dispositivo em uma pulseira no braço, especialmente em lugares cheios.

Veio para acrescentar. Uma criança pequena não tem celular, então não tem como entrar em contato com ela, por exemplo. É uma segurança a mais caso aconteça alguma coisa.

O AirTag já foi utilizado em Parques da Disney e excursões de escola. "Consegui verificar em tempo real a hora que chegaram, quando saíram. Funciona muito bem. Também utilizamos em hotel quando as crianças estão na monitoria, em festa infantil", diz ela.

Para a mãe, o AirTag traz uma sensação de segurança. "É para quando a gente tá em lugares de mais gente, que eu não tô perto deles."

'Localização não estava certa'

A advogada Rachel Serour, 37, passou momentos de tensão quando o AirTag que colocou na mochila do filho de 1 ano e 4 meses mostrou uma localização que não condizia com a realidade. Moradora do Rio de Janeiro, o dispositivo apontava que o bebê estava na casa da avó. No entanto, ao chegar lá, a criança já tinha ido embora com a babá.

Quando a gente precisa saber onde está uma criança em tempo real, ele não funciona.
Rachel Serour

A situação fez com que Rachel repensasse o uso do AirTag. "No dia não conseguia falar com a babá que fica com ele e usei o AirTag para saber onde eles estavam. Eles ficam muito pelo bairro porque moro perto da praia, então às vezes ele vai à orla, tem o playground e tem os avós também. Eles fazem muita coisa a pé. Aí quando atualizei no aplicativo de buscar o dispositivo vi que a última localização era a casa da minha mãe, que tem iPhone. Só que essa atualização tinha sido feita há 40 minutos. Fui até lá achando que estariam, mas não estavam. Fiquei um tempo procurando em lugares conhecidos durante uns 20 minutos, mas só encontrei porque consegui contato por telefone", conta ela, que agora quer deixar um celular para facilitar a localização do filho.

Continuo usando [o AirTag] ainda, mas acho que vou deixar um celular com ele, aí vou rastrear pelo celular. Preciso desse controle, pois trabalho fora e tenho que deixar meu filho com outras pessoas.
Rachel Serour

Como funciona?

AirTag - Divulgação - Divulgação
Apple AirTag
Imagem: Divulgação

Os AirTags usam conexão via Bluetooth. O dispositivo envia um sinal que pode ser detectado por aparelhos próximos com sistema operacional da Apple. Eles são os responsáveis por enviar a localização do AirTag para o dono do dispositivo.

Não é preciso estar conectado com a internet. Uma vez configurado, o AirTag exibe em tempo real a localização no aplicativo de mapas do iPhone - e de outros produtos da marca, como iPad e notebooks.

O recurso funciona a partir de iPhones 11. Modelos anteriores já são obsoletos para a função.

Apple fez um alerta sobre o uso do dispositivo em pessoas. Em um comunicado em 2022, a empresa soltou uma nota informando que o "AirTag foi projetado para ajudar as pessoas a localizar seus pertences pessoais, não para rastrear pessoas ou propriedades de outras pessoas". No comunicado, a Apple rechaça o "uso malicioso do serviço", em alusão a situações que o uso do dispositivo pode ser considerada criminosa, como o roubo de carros ou ainda casos perseguição de pessoas nos Estados Unidos.

Mas o uso em crianças é saudável?

A introdução da tecnologia tem que ser baseada na confiança, explica especialista. "Se os pais estão monitorando e o filho está sabendo, está tudo bem. O localizador não pode trabalhar como um espião e os pais precisam entender que não podem rastrear o filho até a idade adulta", explica Andréa Jotta, psicóloga especialista em cyberpsicologia.

O rastreamento dos filhos deve diminuir com o passar do tempo. "Esse rastreamento vai diminuindo conforme eles podem confiar mais nessa criança ou adolescente. Isso é levado como uma fase de transição porque estamos em um mundo muito violento onde você sabe que os filhos são importantes e quer cuidar deles. Isso vale para qualquer classe social, já que muitas vezes o rastreamento não é feito com um dispositivo tecnológico, mas com ligações, mensagens que devem ser respondidas."

Educação com a tecnologia é a chave para uma relação saudável com dispositivos — sejam eles AirTag ou celular. "Quando você dá um dispositivo para uma criança é um trabalho a mais para educá-la na tecnologia. E nesse sentido tem que educar que há momentos de diversão e também de obrigações. As crianças quando estão entrando na tecnologia pagam qualquer preço para poder usá-la", explica a psicóloga.

"Nesse primeiro momento tem que explicar que ela vai ser rastreada, que não é brinquedo de criança. No caso de celulares, é necessário falar que existem sites que não podem ser acessados, por exemplo. A base de uma relação é a confiança. E tem que haver abertura com os pais para conversar. Mas também é saudável entender que os pais não terão controle sobre tudo, porque faz parte do processo de construção de indivíduo, mas isso acontece já por volta dos 16 anos. Aí os pais terão que confiar na educação que deram."

Existe um limite entre a dependência saudável e a independência que quer correr risco além do que pode dar conta. E esse limite quem dá é a confiança.
Andréa Jotta, psicóloga especialista em cyberpsicologia

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