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França quer assumir espaço deixado por EUA na guerra da Ucrânia e obrigar Rússia a negociar

27/02/2024 13h01

Ao final de uma cúpula improvisada para debater o apoio à Ucrânia, na segunda-feira (26), em Paris, o presidente francês Emmanuel Macron não descartou, pela primeira vez desde o início do conflito, o envio de tropas ocidentais para o país em guerra. A posição de Macron e a mudança de tom em relação à Rússia surpreendeu e fez reagir chefes de Estado e de governo europeuus e a Otan, que não se mostraram favoráveis às declarações de Emmanuel Macron. 

O envio de tropas significaria a entrada da França na guerra, levando provavelmente com ela outros países ocidentais. 

Os primeiros-ministros holandês, Mark Rutte, e o sueco, Ulf Kristersson, garantiram que essa opção estava fora de cogitação, sem, no entanto, deixá-la definitivamente de lado. Já o chanceler alemão, Olaf Scholz afirmou na terça-feira (27) que "nenhum soldado" seria enviado à Ucrânia por países europeus ou da Otan, como havia sido "decidido desde o início".

Em entrevista à BFMTV, Jean-Pierre Maulny, diretor-adjunto do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), disse que por trás desta "ambiguidade estratégica" está um "objetivo de dissuasão".

Ao se referir ao envio de tropas terrestres, o chefe de Estado francês quis mostrar à Rússia "que estamos unidos, sólidos", disse Maulny. Além da ajuda militar enviada à Ucrânia, a ideia deixar claro que "o próximo passo será ir para o front e vocês não têm condições de vencer", acredita o especialista em defesa. 

Essa também seria uma forma de "levar a Rússia para a mesa de negociações", acrescenta, sublinhando que não seria a primeira vez que o presidente francês diz que "não exclui nada". Essa é uma retórica que, segundo o especialista, "foi utilizada diversas vezes no contexto deste conflito".

A postura francesa também pode ser explicada pelo declínio gradual do apoio dos Estados Unidos à Ucrânia, que se tornaram um "elo fraco" na coligação internacional por "razões políticas internas", explicou Dorota Dakowska, professora de Ciência Política na Science Po Aix, e especialista na Europa Central e Oriental, ao site da BFMTV.

A ajuda americana, crucial para Kiev, está bloqueada no Congresso pelos republicanos partidários de Donald Trump. Para a especialista, a França estaria assumindo um lugar deixado pelos americanos. 

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Mudança de posição de Macron

A mudança de posição de Macron não passa despercebida. No início da guerra, o presidente queria fazer da França "uma potência mediadora". Mas pouco a pouco, juntamente com os aliados ocidentais, o país começou a enviar tanques, aviões e mísseis de longa distância à Kiev. 

"Sua mudança de posição foi, na verdade, progressiva. A verdadeira transição veio durante o discurso de Bratislava (em 31 de maio de 2023), quando ele abandonou a ideia de um diálogo com a Rússia", analisa Jean-Pierre Maulny. "Desta vez, trata-se de uma mudança em termos de intensidade no discurso mais do que em termos de conteúdo", diz. 

No entanto, de acordo com Guillaume Ancel, ex-oficial do Exército francês e especialista de questões militares, "é necessário se preparar para tudo", disse em entrevista à rádio France Inter.

"Eu acho que o presidente Emmanuel Macron tem razão, sobretudo não devemos excluir nada a partir do momento em que Vladimir Putin lançou seu Exército contra um país livre, um país europeu", diz.

"Eu acho que se queremos realmente pensar em ganhar essa guerra, é necessário pensar em combater também de outras formas, que podem ser variadas. Não é obrigatoriamente o Exército francês que será mobilizado, mas talvez um corpo expedicionário internacional, por exemplo, mas eu acho totalmente lógico que o presidente diga que, para ganhar uma guerra, é necessário se envolver além do simples envio de armas", afirma o ex-militar.

Ele reconhece que "a guerra se tornou algo impensável na França há décadas e, claro, dá medo entrar em uma guerra contra a Rússia, uma potência nuclear. Mas se paramos devido ao medo, perdemos a guerra. Como podemos imaginar ganhar a paz sem lutar?", defende. 

Segundo o ex-coronel Peer de Jong, vice-presidente do Instituto Político Themis,"hoje, não há nenhum plano sobre o envio de tropas terrestres à Ucrânia, até porque seria necessário que vários países estivessem de acordo", pondera.

"Simplesmente, o chefe de Estado quis reafirmar sua postura firme relação à ofensiva russa. Vemos que a França, de certa maneira, toma a liderança dessa construção de uma Europa da defesa. Não podemos negar que o presidente Macron quer se destacar nesse papel", analisa o militar. 

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