Na coluna do dia 20 de novembro, falei sobre a mudança pretendida no texto do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2024. A LDO é a lei que prepara o Orçamento propriamente dito, indicando as bases para a sua elaboração.
Essas mudanças poderiam representar um risco, ao limitar a possibilidade de corte de gastos (contingenciamento). Agora, esse risco se materializa no novo texto do PLDO exarado pelo seu relator, o eminente deputado Danilo Forte.
A preservação da meta fiscal é muito importante e trata-se de uma vitória do ministro Fernando Haddad. Em contexto de possível restrição ao contingenciamento, como indicado no novo texto do PLDO, torna-se ainda mais relevante preservar a meta anual.
Para ter claro, a incorporação dessa novidade nas regras do contingenciamento piora as perspectivas para o resultado primário em 2024 (receita menos despesa sem contar os juros da dívida). Comentarei em seguida como se pretende promover essa limitação para os cortes orçamentário.
Mudar a meta fiscal seria ainda mais grave nesse contexto
Cabe lembrar que o risco de mudança de meta reaparecerá no ano que vem. A saber, a meta fiscal foi definida em zero para 2024. Vamos partir de um déficit elevado, em 2023, da ordem de R$ 134,1 bilhões, sem contar o pagamento (correto) dos precatórios acumulados nos últimos anos.
Esses precatórios representam a tal bola de neve sobre a qual falei, em dezembro de 2021, na entrevista ao Programa Roda Viva, quando ainda dirigia a Instituição Fiscal Independente (IFI). A partir da recente decisão do STF sobre a inconstitucionalidade do limite para os precatórios, a despesa acumulada até aqui, de quase R$ 100 bilhões, será saldada ainda neste ano, por meio de crédito extraordinário ao Orçamento.
O fato é que zerar o déficit é uma missão praticamente impossível, em tão pouco tempo, dadas as projeções para as receitas e despesas. Entretanto, é fundamental preservar esse objetivo, por uma razão simples. O novo arcabouço fiscal (Lei Complementar nº 200/2023) determina que, no caso de rompimento de regras, os gatilhos do lado do gasto sejam acionados.
Portanto, essa hipótese já está prevista na lei. Não se deve dar uma sinalização errada de desvio dessa previsão legal, sob pena de enorme prejuízo à credibilidade do governo. É preciso manter a meta e buscar cumpri-la, como vem defendendo o Ministério da Fazenda.
Caso não seja possível entregar o resultado zero, que se acionem as medidas de ajuste contidas no próprio arcabouço aprovado pelo Governo Lula. Para ter claro, o momento de verificação do cumprimento ou não da meta zero (com banda de -0,25% do PIB) será o último dia de janeiro de 2025, quando da divulgação do resultado dito "abaixo da linha" (calculado pela variação da dívida pública entre 2023 e 2024) pelo Banco Central.
O que mudou no PLDO de 2024?
Não bastasse esse complexo cenário para a meta fiscal, o novo texto do PLDO divulgado na última quinta-feira trouxe um dispositivo para amarrar as mãos do governo quanto ao contingenciamento orçamentário. Na verdade, o arcabouço fiscal é claro sobre esse ponto. A meta fiscal só poderá ser descumprida se o governo realizar o contingenciamento máximo permitido por lei.
Mas qual é esse máximo?
É calculado por 25% das despesas discricionárias (não obrigatórias) previstas no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2024. Isto é, R$ 52,7 bilhões (25% vezes R$ 211,9 bilhões), no caso do Executivo, sem contar os outros Poderes. Esse percentual foi fixado no arcabouço fiscal tendo em vista o objetivo de preservar despesas essenciais ao funcionamento da máquina pública.
Limite de gastos, e não despesa executada, é que deve crescer no mínimo 0,6%
A inovação do PLDO (artigo 71, parágrafo 18, inciso II) é muito ruim, nesse sentido, porque limitará os cortes. Propõe-se que a despesa executada, no ano que vem, não cresça abaixo de 0,6%, em termos reais. Esse piso para a taxa de variação, contudo, foi fixado, na Lei Complementar nº 200/2023 (arcabouço), para o limite de gastos, e não para a sua execução.
O resultado prático é que o governo terá uma limitação para cortar gastos em acréscimo ao comando da lei complementar. Isto é, poderá contingenciar apenas R$ 22,3 bilhões, pelas nossas contas, a fim de que a despesa executada cresça a 0,6% em termos reais em relação a 2023. Considerando que haverá uma suplementação baseada na inflação mais alta deste ano, o corte chegaria à casa de R$ 28 bilhões.
Se a LDO for aprovada e promulgada dessa maneira, a situação de descumprimento de metas, em 2024, ficará ainda mais evidente. Se hoje já projetamos, na Warren, 0,7% do PIB de déficit primário, passaríamos a estimar patamar próximo a 1% do PIB. Nesse cenário, uma eventual mudança da meta seria um desastre.
Por quê?
Porque, com um corte de gastos menor, já de saída, e um resultado esperado pior, no ano que vem, a alteração da meta seria um tiro no coração do arcabouço, sob a lógica que expliquei anteriormente. Ou seja, o governo não só entregaria um déficit primário provavelmente maior, como também colocaria a perder a fórmula do arcabouço fiscal, que está baseada justamente na ideia de acionar gatilhos para conter o crescimento da despesa (e não reduzir, atenção!).
É assim que o texto do PLDO piorou minha avaliação sobre o quadro fiscal prospectivo. Espero que siga valendo a essência do arcabouço, mesmo em um cenário de maior restrição para o corte de gastos. Caso contrário, todo o louvável esforço do governo para aprovar uma regra fiscal bastante razoável escoaria pelo ralo. Não aposto nesse cenário pessimista, mas acendo o sinal amarelo.
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