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OPINIÃO

Controlar riscos para crescer

do UOL

Colunista do UOL

04/12/2023 04h00

Na Warren Investimentos, projetamos um cenário de inflação benigno. O IPCA deverá apontar uma variação geral de preços de 4,5% e 4,4%, respectivamente, em 2023 e 2024. Sem o efeito do El Niño, projetamos 3,8% de inflação para o ano que vem, um patamar confortável.

As expectativas da Pesquisa Focus, realizada junto ao mercado e atualizada semanalmente, indicam que, para 2025 e 2026, o IPCA deverá rodar em 3,5% ao ano. Assim, o caminho para o Banco Central continuar a reduzir os juros básicos está pavimentado.

Entretanto, há dois riscos a acompanhar de perto. De um lado, a questão fiscal, com a qual estamos sempre lutando. De outro, o risco externo, que se relaciona aos desdobramentos das duas guerras em curso e ao desempenho econômico dos Estados Unidos.

Do lado fiscal, o advento do novo arcabouço, com a Lei Complementar nº 200/2023, trouxe certa calmaria aos mercados. Mas, recentemente, novas turbulências apareceram. O plano de reduzir o atual déficit público a zero, no ano que vem, embute estimativas muito otimistas para as receitas públicas. Além disso, as tentativas de alargar o espaço para gastos têm sido frequentes. Até aqui, venceu a posição do Ministério da Fazenda. Que bom!

O arcabouço não é uma regra simples, mas avalio como um programa positivo para balizar as contas públicas. Possui dois eixos: uma regra para o limite de despesas da União e outra para o chamado resultado primário (receitas menos despesas sem contar os juros da dívida pública). Eles estão ligados por uma boa inovação da LC 200: sempre que a meta de resultado primário for descumprida, deve-se apertar o cinto na despesa.

Não se trata de reduzir gastos, mas de diminuir a taxa de crescimento da licença para gastar. Por exemplo, para o ano que vem, o limite de gastos, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), deverá crescer 1,7% em termos reais. Esse percentual foi calculado pela seguinte conta: 70% vezes a taxa de variação real da receita líquida constatada em junho de 2023 (acumulada em 12 meses).

Há uma banda, ainda, a ser respeitada, de 0,6% a 2,5%. Como se vê, o limite de gastos crescerá acima do mínimo de 0,6% em 2024. Mas, por proposta de emenda ao Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), legislação que prepara o orçamento propriamente dito (PLOA), tentou-se aplicar a tal banda para a despesa efetivamente realizada. Seria um equívoco, contrariando a própria regra da LC 200. Uma coisa é a programação orçamentária. Outra, a despesa executada.

É importante que o governo tenha mecanismos para contingenciar gastos não obrigatórios, notadamente quando essas despesas ditas discricionárias estão em patamar bastante elevado, no PLOA, de R$ 211,9 bilhões. É claro que, na linha da própria LC 200, deve-se preservar o funcionamento da máquina pública e estabelecer programações de investimentos robustas. Afinal, trata-se de um gasto que, se bem executado, pode ter multiplicador elevado sobre a economia.

Mas isso não exime o Executivo de seu compromisso com o equilíbrio fiscal, hoje materializado nas novas regras aprovadas pelo Governo Lula.

Por ora, entendo que o risco de flexibilizar as regras aprovadas já no nascedouro foi afastado. Vínhamos mostrando que a Fazenda venceria essa queda de braço, em razão da própria lógica do processo orçamentário, que não ensejaria uma saída técnica à altura, por exemplo, para mexer na meta fiscal do ano que vem neste momento.

O compromisso com o déficit zero não é uma bala de prata, mas funciona como espécie de âncora para ajudar na agenda de aprovação de medidas de elevação de receitas, a exemplo da MP nº 1.185, alvo da minha última coluna aqui no UOL. A chamada MP das Subvenções corrige um erro crasso na concessão de benesses tributárias.

Abandonar a meta representaria jogar pela janela uma oportunidade de ouro para corrigir esta e outras questões em matéria de tributação, como no caso dos chamados fundos exclusivos. Com isso, não estou ignorando o lado das despesas, para o qual sempre chamei a atenção. A agenda da revisão e avaliação de gastos e programas orçamentários precisa decolar. Daí a importância do que, no início do ano, denominei "Agenda Tebet", no bojo das iniciativas tomadas no Ministério do Planejamento e Orçamento, que discutirei futuramente.

Se o governo conseguir ficar bem firme junto ao mastro do navio e não se deixar levar pelo canto das sereias, dará a segurança necessária ao Banco Central para seguir diminuindo a Selic, com efeitos benéficos ao consumo, ao investimento e ao crescimento econômico. Afinal, os indicadores de inflação são muito bons e, quanto às expectativas dos agentes econômicos, me parecem ancoradas em patamar baixo (3,5%).

O risco externo, segunda pedra no sapato para a trajetória de queda dos juros, também está domado neste momento. Os Estados Unidos não vão elevar juros e, no ano que vem, poderão começar a diminuí-los. Isso é central para o Brasil, porque, quando o país que emite a moeda de reserva internacional - o dólar - indica estabilidade da sua própria taxa de juros e, em horizonte de médio prazo, mostra que poderá até reduzi-la, a Selic pode, tudo o mais constante, surfar essa onda.

Para ter claro, se o diferencial entre o juro doméstico e externo é elevado, atraímos dólares, o que ajuda a apreciar o real frente ao dólar, colaborando para o controle da inflação interna. Se esse diferencial diminui muito rapidamente, por exemplo, com o Federal Reserve aumentando as taxas lá fora, a atratividade ao capital externo despenca e o dólar sobe, dificultando a vida da autoridade monetária para domar os preços internos.

Vale dizer, o balanço de pagamentos brasileiro é, hoje, bastante saudável. Balança comercial robusta e expressiva, com balança de serviços e rendas e conta capital e financeira também fortalecidas. Isso se soma ao nível elevado de reservas internacionais para resultar em uma certa tranquilidade, também, contra eventuais escaladas nas mencionadas guerras. Elas poderiam afetar mais fortemente preços de petróleo e fluxos de comércio e de capitais, afetando taxa de câmbio, inflação, juros e PIB, no limite.

A verdade é que o Brasil tem a faca e o queijo na mão para crescer por um bom período, mesmo com um PIB potencial limitado por questões estruturais, como a baixa produtividade da economia. É aproveitar o bom momento do ciclo, manter controlado o risco fiscal, e trabalhar para avançar numa agenda positiva que ajude a elevar investimentos em infraestrutura, melhorar a regulação dos mercados e a qualidade do nosso investimento em educação.

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