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Por que, apesar de avanços, ricos e empresas continuam a sonegar bilhões de impostos pelo mundo

23/10/2023 13h07

Um trilhão de dólares, cerca da metade do PIB do Brasil, é o valor que multinacionais continuam a sonegar de impostos pelo mundo, graças a manobras fiscais que as permitem contornar as cobranças, como o registro dos lucros em paraísos fiscais.

A informação é de um relatório inédito realizado por uma vasta equipe de pesquisadores da Paris School of Economics, sob o comando do economista Gabriel Zucman, discípulo de Thomas Piketty. O relatório Evasão Fiscal Global em 2024, divulgado nesta segunda-feira (23) pelo Observatório Fiscal Europeu, faz um balanço dos avanços que foram promovidos no tema desde a crise financeira de 2008, mas aponta que o caminho rumo à transparência continua nebuloso - inclusive dentro da Europa.

"A evasão das empresas representa, hoje, cerca de US$ 1 trilhão de lucros que são registrados nos paraísos fiscais, mas que aconteceram na verdade na França, na Alemanha ou nos Estados Unidos. E o mais interessante é que essa evasão em massa não se passa em Macau ou no Panamá, mas sim na própria Europa", explicou Zucman à emissora France Inter. "São a Microsoft ou a Apple que registram dezenas de bilhões de dólares de lucros na Irlanda, mas que na realidade foram realizados na França", apontou, ressaltando que uma menor arrecadação significa menos investimentos dos Estados em saúde, educação ou no combate às desigualdades.

O montante também faz falta num momento em que os países ao redor do mundo buscam cobrir a explosão dos gastos dos Estados com a pandemia de coronavírus - e que levou muitos a se endividarem em patamares perigosos, como a própria França.

Imposto mínimo de 15% ainda tem falhas

O economista salienta que, desde 2017, a cooperação internacional entre os organismos fiscais deu um salto, sob o impulso de decisões do G20 e da OCDE. A maior transparência permitiu dividir por três as riquezas detidas em paraísos fiscais. Em 2021, 140 países concordaram com a aplicação de uma taxa mínima de 15% sobre os lucros no exterior, algo inédito. Entretanto, as grandes empresas e o bilionários continuam encontrando novas fórmulas para escapar dos impostos.

"Infelizmente, desde 2021, uma série de desonerações a essa regra foram introduzidas. A mais importante e a mais problemática é uma chamada de 'desoneração por substância', que significa que quanto mais uma empresa está implantada num paraíso fiscal, mais ela poderá excluir lucros da cobrança da taxa mínima de 15%", assinala Zucman à France Inter. "Ou seja, é um convite para enviar ao máximo a atividade para os paraísos fiscais como Irlanda, Suíça ou Holanda."

Embora o fim do sigilo bancário e os impostos mínimos sobre as sociedades tenham encerrado décadas de concorrência entre países por menores taxas de impostos, alguns ativos ainda escapam da cobrança, sinaliza o relatório. O documento afirma que a alíquota média paga pelos bilionários oscila apenas entre 0 e 0,5% da fortuna, graças às manobras fiscais que, quase sempre, utilizam empresas de fachada.

2% de imposto mundial para os 3 mil mais ricos

"Não gosto de usar casos individuais, mas vou dar um exemplo só para explicar o fenômeno: o da família Arnault, que em 2023 ganhou € 3 bilhões em dividendos graças aos lucros da sociedade LVMH em 2022. Para um acionista normal, teria uma taxa de 30% que se aplicaria aos dividendos. Mas a família Arnault não pagou € 900 milhões em impostos", afirma Zucman. "Pagou zero, ou quase isso, porque os dividendos são transferidos a holdings, que não são sujeitas ao imposto de renda de pessoas físicas."

O relatório Evasão Fiscal Global em 2024 propõe seis medidas para o combate ao problema, entre elas um imposto global de 2% sobre a fortuna dos bilionários. A cobrança recairia sobre menos de 3 mil pessoas, alegam os pesquisadores, e resultaria US$ 250 bilhões a mais de arrecadação ao ano para os países.

Se a proposta fosse estendida às multinacionais, o valor dobraria. "Para dar uma ideia das magnitudes envolvidas, estudos recentes estimam que os países em desenvolvimento precisam de 500 bilhões adicionais por ano para enfrentar os desafios das mudanças climáticas", salienta o documento.

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