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Brasileiros levam produtos típicos e de terras indígenas a evento do Slow Food na Itália

23/09/2022 09h56

Pequenos produtores de alimentos de mais de 100 países, entre eles o Brasil, participam da 14ª edição da Terra Madre, promovido pelo movimento Slow Food em Turim, na Itália. Agricultores, pescadores, pecuaristas, cozinheiros e acadêmicos debatem sobre o presente e o futuro da alimentação saudável.

Gina Marques, correspondente da RFI em Turim

Slow Food significa "comida devagar", em oposição ao fast food, "comida rápida". O movimento foi fundado em 1986 pelo italiano Carlo Petrini que protestava contra a abertura, em Roma da primeira lanchonete da maior cadeia mundial do gênero.

Nestes 36 anos, o movimento cresceu e conquistou o mundo. Hoje, o Slow Food conta com uma rede de representantes em 130 países. O princípio básico do movimento é que o alimento tem que ser bom, limpo e justo. O Slow Food incentiva a tomada de consciência quanto aos valores dos pequenos produtores e a preservação dos alimentos locais, alguns em risco de extinção porque não resistem à competição com os gigantes do agronegócio.

O Slow Food promove o evento bienal da Terra Madre que, este ano, tem como tema a regeneração: regenerar a terra, empobrecida por monoculturas ou produtos químicos; regenerar as montanhas, os rios, os mares; regenerar o homem e os alimentos que comemos. O evento, com duração de cinco dias, se encerra na segunda-feira (27).

Participação do Brasil

A rede Slow Food Brasil é uma das mais ativas da América Latina e a delegação brasileira na Terra Madre é composta por cerca de 30 pessoas. Diversos agricultores e produtores familiares trouxeram seus produtos, como Socorro de Almeida, da cidade de Bragança no interior do Pará.

"Vim aqui para falar principalmente sobre os alimentos a base de farinha de mandioca, que é a nossa maior riqueza alimentar ancestral, quilombola e ribeirinha, que há muito tempo está se perdendo por conta dos alimentos processados", lamenta Socorro. "Porém estamos em um resgate muito forte para que estes alimentos voltem a estar nas nossas mesas, afinal a farinha de mandioca é servida de norte a sul do Brasil."

Socorro conta que a tradicional farinha de Bragança é produzida artesanalmente por pequenos produtores da agricultura familiar da região e confeccionada com técnica indígena. Existem mais de 50 tipos de mandioca (Manihot esculenta), somente na região Bragantina, e a farinha vem embalada em um paneiro, cesta feita com folhas de guarimã típica da região.

"Essa forma natural de embalagem é mais durável e sustentável. É também objeto bonito, que você pode usar na decoração" diz a paraense, enquanto mostra o paneiro. A técnica ancestral mantém, por meio de fibras naturais e recicláveis, a farinha intacta e perfeita para consumo pelo período de até dois anos. Entretanto, a cesta tem sido substituída há cerca de 20 anos por embalagens de plástico, que abalam o caráter sustentável do produto.

Variedades brasileiras

O paulistano Antônio Augusto, conhecido como Toninho, vive há muitos anos na cidade de Imaruí, no estado de Santa Catarina. Ele trouxe biscoitos, marmeladas, sucos e licores a base de butiá: "É um fruto de uma palmeira brasileira, que tem uma incidência maior no sul da América é Brasil, Uruguai e Argentina. No Cerrado tem o nome de coquinho azedo", explica. "Nós lançamos um livro com mais de 120 receitas e com participação de chefs do Slow Food e dos cozinheiros."

Elenisa representa o povo Tabajara, do Sertão dos Inhamuns. Ela vive na aldeia de Fidélis, no município de Quiterianópolis, Ceará, e faz parte da organização da articulação das mulheres indígenas do Estado.

"Para nós do povo Tabajara e a população indígena, é primordial a nossa Mãe Terra porque ela que nos dá o alimento. Então nós temos um respeito muito grande pela natureza", ressalta. "Quando entrou no nosso território, o Slow Food veio fortalecer ainda mais a nossa alimentação cultural, que vem desde dos nossos ancestrais. Nos fortaleceu porque nos ensinou a sustentabilidade, a preservar o nosso alimento, principalmente aqueles que já estavam quase sumindo da nossa mesa, que os nossos ancestrais fizeram para a gente", afirma.

Uso de agrotóxicos

Na abertura da Terra Madre, aconteceu um profundo debate sobre a presença de agrotóxicos na alimentação. "Os agrotóxicos no Brasil tem afetado muito a infância. Mais de 500 bebês entre 0 e 12 meses foram intoxicados nos últimos 10 anos e, se a gente considera subnotificação no Brasil, pode ser que nós tenhamos tido mais de 27 mil bebês intoxicados", advertiu a professora Larissa Bombardi, do departamento de Geografia da Universidade Estadual de São Paulo e especialista em agricultura.

Ela ressalta que a maior parte da comida consumida pelos brasileiros, 70%, é produzida por pequenos produtores. "A pequena agricultura tem um papel essencial no Brasil e no mundo. Se a gente for olhar para o volume de agrotóxicos comercializado no Brasil, mais de 50% é destinado para soja, seguido de cana-de-açúcar, milho e algodão. Então 80% do volume de agrotóxicos consumidos no Brasil vão para essas commodities e não necessariamente para alimentação cotidiana da população brasileira", pondera.

Nos próximos dias, estão marcados eventos com a presença da blogueira e chef Bela Gil e da ativista Bel Coelho. Até segunda-feira, quando termina esta edição da Terra Madre, estão previstas diversas atividades como aulas de culinária e laboratórios gustativos.

Carlo Petrini quer uma mudança de geração no comando do movimento. Recentemente o italiano, originário da região do Piemonte, deixou a presidência do Slow Food. Quem assumiu o cargo é Edward Mukiibi, agricultor, educador e empreendedor social nascido em Uganda em 1986, mesmo ano em que Petrini fundou o movimento na cidade de Bra.

Esta edição da Terra Madre acontece em um local inédito e altamente simbólico: o Parque Dora, um espaço pós-industrial situado na periferia de Turim, onde até a década de 1990 se encontravam grandes fábricas da região. A área agora é o centro de uma transformação e requalificação urbana. Nas ruínas das antigas fábricas, hoje se debate sobre agricultura, políticas ambientais, educação, biodiversidade e, sobretudo, regeneração.

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