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'Mulher da casa abandonada' deixou imóvel após tiro em janela, diz irmã

A casa que virou ponto turístico com o sucesso do podcast "A Mulher da Casa Abandonada" - Reinaldo Canato/UOL
A casa que virou ponto turístico com o sucesso do podcast 'A Mulher da Casa Abandonada' Imagem: Reinaldo Canato/UOL
do UOL

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

13/07/2022 13h04

Margarida Bonetti, que ficou conhecida como "a mulher da casa abandonada", tema de podcast produzido pelo jornalista Chico Felitti para a Folha de S.Paulo, deixou a mansão onde morava em Higienópolis, bairro nobre da capital paulista, após a janela do imóvel ter sido atingida por um tiro.

A versão foi dada por Rosa Vicente de Azevedo, irmã de Margarida, em depoimento ao qual o UOL teve acesso. Inquérito instaurado pela Polícia Civil de São Paulo investiga se Margarida foi vítima de abandono de incapaz e se teria algum distúrbio psiquiátrico.

De acordo com o relato da irmã, houve uma escalada de violência em frente à mansão após o sucesso do podcast. Inicialmente, as pessoas que passam diariamente pelo local xingavam e até atiravam objetos no imóvel. "Em certo dia, ocorreu um disparo de arma de fogo que atingiu uma das janelas", disse Rosa em depoimento no dia 11 deste mês.

Segundo Rosa, a irmã não se feriu no ataque e deixou a casa após o incidente. "Margarida não se encontra mais na residência, pois está temerosa pela sua vida e integridade física", complementou.

Questionada pelos investigadores, ela negou que Margarida possua 'problema de ordem mental" e se apresentou como responsável pelo sustento da irmã, incluindo alimentação, vestuário, calçados, dinheiro para compras e locomoção.

Sem saneamento básico e situação precária

A Polícia Civil de São Paulo informou ter aberto investigação após receber ligações da vizinhança com relatos de que residia no imóvel "uma pessoa com problemas de saúde mental, e que estaria necessitando de ajuda". Há duas décadas, Margarida mora no imóvel, hoje coberto por "vasta vegetação" e sem saneamento básico, segundo o boletim de ocorrência que deu início ao inquérito.

"Ela [Margarita Bonetti] vive em uma casa sem água, sem esgoto e em situação precária. Se está lá dentro nessas circunstâncias, supostamente houve abandono por parte da família. É importante que se apure se houve abandono de incapaz", relatou o delegado Roberto Monteiro, da Seccional Centro.

O delegado confirmou a história contada pelo podcast "A Mulher da Casa Abandonada", citando o contato restrito com os vizinhos e reclamações relacionadas ao corte de árvores na rua. "Ela tinha pouco contato com a vizinhança. Quando tinha, inventava uma história complexa sobre um suposto complô para cortar as árvores."

Margarida foi acusada nos Estados Unidos de ter mantido uma funcionária em condições análogas à escravidão entre o fim da década de 1970 e o começo dos anos 2000. Condenado em 2001 a seis anos e meio de prisão, o engenheiro brasileiro Renê Bonetti, marido de Margarida, cumpriu pena pelo crime nos Estados Unidos.

Muro de mansão em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo onde reside Margarida Bonetti, foi pichado após o podcast "A Mulher da Casa Abandonada", do jornalista Chico Felitti, que revelou investigação contra ela por condição análoga à escravidão nos Estados Unidos - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
Muro de mansão em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo onde reside Margarida Bonetti, foi pichado após o podcast "A Mulher da Casa Abandonada", do jornalista Chico Felitti, que revelou investigação contra ela por condição análoga à escravidão nos Estados Unidos
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

'Indícios de processo delirante'

A reportagem conversou com profissionais da área da saúde que ressaltam que não tiveram contato com Margarida —por isso, fizeram apenas uma análise com base em relatos que ouviram.

O psicanalista Christian Dunker vê sinais de transtornos mentais em ações atribuídas a Margarida Bonetti. "Há indícios de um processo delirante. Isso pode acontecer em vários transtornos mentais", avalia.

Margarida, protagonista do podcast 'A Mulher da Casa Abandonada' - Instagram/@amulherdacasaabandonada - Instagram/@amulherdacasaabandonada
Margarida, protagonista do podcast 'A Mulher da Casa Abandonada'
Imagem: Instagram/@amulherdacasaabandonada

No caso de Margarida, Dunker cita o isolamento dela na mansão como uma forma de "proteção" em meio a um delírio, onde ela pensa estar sendo vítima de perseguição.

A casa vira uma espécie de bunker [como são chamadas estruturas no subsolo de imóveis para resistir a projéteis de guerra] para uma pessoa que pensa que tem sempre algo ou alguém querendo prejudicá-la. Quem entra, vai trazer veneno ou vai mexer naquela ordem delirante que está ali."
Chrtistian Dunker, psicanalista

"Ela é uma pessoa inacessível. Qualquer um que se aproximar, seja um médico, um psicólogo ou o próprio familiar, vai assumir o lugar do 'perseguidor'", complementa.

O psicanalista acredita na possibilidade de que Margarida não sabia que estava cometendo um crime nos Estados Unidos, em episódios que envolviam puxões de cabelo e até uma sopa quente jogada contra o rosto da vítima.

Mansão em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo onde reside Margarida Bonetti, virou ponto de visitação após o podcast "a mulher da casa abandonada", do jornalista Chico Felitti - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
Mansão em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo onde reside Margarida Bonetti, virou ponto de visitação após o podcast "a mulher da casa abandonada", do jornalista Chico Felitti
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

A psicóloga Julia Bongiovanni, que atua na área de saúde mental e acompanha o podcast "A Mulher da Casa Abandonada", concorda.

"Não parece ser só a perversão de uma infratora da lei. Parece ser o caso de uma pessoa que não consegue responder pelos próprios atos. Pelo que consta nos episódios, há indícios de que ela [Margarida] estaria em sofrimento psíquico e de que precisa de cuidados de saúde mental, principalmente pela situação de insalubridade onde ela vive."

Dunker entende, ainda, que a narrativa dela de que havia um esquema de corrupção envolvendo o corte de árvores deu continuidade ao "delírio". "Provavelmente, os funcionários da Prefeitura de São Paulo entraram no lugar do 'perseguidor'. Ela vê no outro um potencial perseguidor, e está lutando contra esse inimigo imaginário."

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