Busca por bem estar faz crescer vendas de cosméticos no Brasil durante a pandemia
Sem festas, nem cinema, restaurantes ou exposições. A Covid-19 diminuiu o lazer e as interações sociais. Mas nem por isso a pandemia significou um ano ruim para o setor de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (HPPC) no Brasil. Uma das razões é a busca pelo bem estar, em tempos de crise sanitária. A alta do dólar e o fim das viagens também influenciaram, assim como o crescimento do comércio online.
Apesar das restrições, esse ramo da indústria cresceu 5,8% em 2020, em relação a 2019. As maiores altas foram nos produtos de cuidados com a pele (+21,9%), perfumaria (+8,4%) e shampoo (+7,9), revelam os números da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, entre janeiro e dezembro de 2020.
Menos circulação não significa menos vaidade, lembra a psicoterapeuta Petrúcia Finkler, 45 anos. "Não temos eventos onde a gente vá, mas eu faço muitas lives e como psicoterapeuta e astróloga, eu atendo muitos clientes online, então tenho que estar apresentável, sem olheiras, e me sinto bem em me arrumar para ficar em casa", diz.
O autocuidado combina com a quarentena, de acordo com Fernanda Rol, diretora de Marketing da Natura. "Cresce tudo aquilo que é referente a bem estar. Eu estar bem comigo, dentro do meu corpo, sentindo que estou me cuidando", afirma. "A gente divulgou, recentemente, o resultado do quarto trimestre de 2020 da Natura e tivemos um crescimento de 21,8% na nossa receita líquida, em relação ao mesmo período de 2019. E tivemos um aumento de 82% nas nossas vendas online", revela. "E o que fez esse resultado tão positivo foi que continuamos focando muito forte na nossa rede de relações", acrescenta.
A executiva reforça que aromas e essências ajudaram os brasileiros a suportar a crise. "Em 2020, a primeira mudança que notamos foi um aumento significativo em categorias de higiene pessoal. Porque as pessoas passaram a, dentro de casa, investir muito mais nos seus rituais de beleza. Então, a gente vê categorias como shampoo, condicionador, cremes para o corpo e sabonetes crescendo muito, em detrimento de maquiagem, que as pessoas usam para sair de casa e estar em contato com o outro", diz Fernanda.
Além de fechar lojas, a crise sanitária também esvaziou aeroportos, obrigando brasileiras como a consultora de estilo Ana Gaiga a se voltarem para o mercado nacional. "Por ser comissária de voo internacional, eu ia muito para a Europa e os Estados Unidos e adquiri o hábito de comprar cosméticos e maquiagem fora do Brasil. E devido à pandemia, os voos sendo cancelados para lá, eu tive que me adaptar com os cosméticos do Brasil e tive uma grata surpresa quando comecei a pesquisar muitas marcas e testar e descobri produtos muito bons com preço acessível", diz.
Petrúcia Finkler acrescenta o motivo econômico. "O que aconteceu foi que depois dessa subida maluca do dólar, eu parei de fazer essas compras viajando".
Com o visto para a China cancelado e viagem anulada, Daiana Janaína, 45, gerente de Operações Internacionais de uma empresa do ramo de produtos esportivos, busca novas soluções. "Muita coisa assim de tratamento de pele, cabelo, eu sempre comprei fora. Sempre investi em maquiagem de marcas boas, base para pele e produtos com ácido, vitaminas D e E", conta. Mas "fui numa dermatologista e estou migrando para fazer manipulados, ao invés de recorrer para a farmácia, que não tem muita alternativa e os preços são bem maiores," compara.
Foco no mercado doméstico
Com menos clientes viajando, a filial no país da francesa L'Oréal, número 1 do mundo no ramo de beleza, direcionou o foco ao mercado doméstico. "Num cenário de restrição de viagem internacional, pegamos como missão de nos comunicarmos com esses consumidores e de mostrar para eles que comprar nossos produtos no Brasil era mais vantajoso em termos de preço e condições de pagamento, com parcelamento", explica Patrick Sabatier, diretor de Relações Institucionais e Comunicação da empresa no Brasil.
Em momentos de crise, ele diz, produtos de higiene e beleza "cumprem um papel de autoestima" para o consumidor. "A beleza é muito importante para o brasileiro. Não devemos esquecer que o Brasil é o quarto maior mercado de beleza do mundo e a sensação de se cuidar, de se sentir bem consigo mesmo cumpre um papel muito importante nas rotinas cotidianas das brasileiras e dos brasileiros. E nesse momento de pandemia, não poderia ser diferente", afirma.
"Sobre o balanço do ano, o que podemos dizer é que em relação ao negócio no Brasil, a L'Oréal acelerou no segundo semestre em termos de investimentos e inovação e fechou o ano com um crescimento duplo, de dois dígitos, em 2020", comemora.
A multinacional ainda aproveita do seu bom posicionamento no mercado interno, após ter adquirido, recentemente, as marcas nacionais Niely e Colorama, de tinturas para o cabelo e esmaltes para unhas, respectivamente. "São marcas mais populares da divisão L'Oreal, produtos de grande público. Trabalhamos muito com essas marcas a proximidade com o consumidor. Por exemplo: numa marca como Cor & Ton, da Niely, de coloração, trabalhamos com grandes influenciadoras para propor conteúdos tutorias para colorir os cabelos em casa", diz Sabatier.
Fernanda Rol, da Natura, acha que "há espaço tanto para as marcas estrangeiras quanto para as marcas nacionais". Para ganhar terreno, a maior multinacional brasileira de cosméticos aposta no diferencial das matérias-primas do Brasil. "Quanto mais destacamos os benefícios dos nossos produtos nacionais, que são tão bons, equivalentes e até diferentes dos produtos internacionais, vemos que tem um crescimento enorme e a Natura se destaca nisso por trabalhar com ingredientes raros", acrescenta.Fim do "efeito batom"
Uma maneira curiosa de medir o impacto da Covid-19 sobre as vendas de determinados produtos de beleza, especialmente a linha de maquiagens, é o chamado efeito batom. A executiva da Natura no Brasil compara o período da pandemia com outros momentos de crise.
"Algo que impacta bastante a categoria de maquiagem é que grande parte dessa categoria era muito baseada no segmento boca, em batom", explica. "Em vários momentos de crise havia aquela expressão 'efeito batom', ou seja, quando a gente estava em crise econômica, a gente vendia muito batom porque as mulheres não podiam comprar coisas mais caras e o batom funcionava como uma indulgência. E quando a economia ia bem, elas compravam mais porque havia variedade. E a gente vê que esse efeito batom acaba durante a pandemia. Mudaram hábitos que impactaram até isso", observa Rol.
Tendências duradoras: e-commerce
Ao acelerar certas transformações da sociedade, a pandemia obrigou as empresas a investirem em novas formas de trabalho e, principalmente, em digitalização.
"Estamos numa transformação digital profunda da sociedade e não vai parar aí", afirma Patrick Sabatier, da área de Relações Institucionais e Comunicação da L'Oréal Brasil, marca que viu suas vendas no comércio online dobrarem em 2020. "O e-commerce foi muito importante durante essa pandemia para nos aproximar dos consumidores, com conteúdo mais personalizado, com experiência de compra diferenciada", diz.
"Hoje, somos líderes no e-commerce no segmento de beleza e estamos inovando em termos de serviços para acompanhar as necessidades dos consumidores, com investimentos em realidade aumentada e inteligência artificial. Uma experiência que permite, por exemplo, ver o impacto de um batom ou de uma coloração. E temos ferramentas de diagnósticos da pele que permite ao consumidor formar sua opinião", afirma.
Fernanda Rol também aposta numa "nova relação digital" com os clientes. "Vemos um crescimento grande das vendas online e dessa relação online. E isso também vem para ficar", diz a representante de comunicação da Natura. "A gente aumentou bastante os nossos investimentos em digitalização, principalmente o que a gente chama de social selling, que é dar as ferramentas para a nossa venda direta poder ter mais acesso à consumidora via redes sociais e isso fez com que a gente aumentasse as vendas", revela.
Ações de solidariedade
Entre os desafios enfrentados durante a pandemia de Covid-19, houve a necessidade de "proteger os salões de beleza pequenos, prorrogando prazos de pagamentos e fazendo ações para preparar uma reabertura segura", acrescenta Patrick Sabatier, da L'Oréal Brasil.
A pandemia também foi uma oportunidade para a marca demonstrar sua solidariedade. "Aqui no Brasil, decidimos fazer uma produção massiva de 190 toneladas de álcool em gel para doações de mais de 800.000 unidades de álcool em gel e produtos de higiene e cuidados pessoais para pessoas vulneráveis e profissionais de saúde", acrescenta.
Pós Pandemia
E quando a pandemia passar? Será que brasileiras e brasileiros retomarão os mesmos hábitos de antes quanto ao uso de cosméticos e produtos de beleza?
"Eu aposto que a gente vai viver polaridades. Vai haver momentos em que a gente vai querer sair e extravasar e se 'montar', se maquiar e usar fragrâncias opulentas, mas logo a gente vai se cansar e lembrar desse aconchego, esse tempo que virou o próprio corpo", acredita Fernanda Rol.
Outra virada importante tem a ver com as exigências do consumidor quanto aos valores das empresas, prevê Patrick Sabatier. "O propósito é uma grande tendência. Estamos vendo uma acentuação do desejo de propósito, do engajamento das novas gerações e consumidores em relação às marcas. A busca por produtos seguros, transparência na fabricação e sustentabilidade, isso é cada vez mais vivo para os consumidores", analisa. "Para nós, a beleza do futuro será mais diversa, inclusiva, responsável, sustentável e ética", conclui.
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