'Prestígio' de Tarcísio de Freitas não leva verba à infraestrutura
André Shalders
28/02/2021 16h00
O montante disponível para investimentos no Ministério da Infraestrutura segue estagnado desde o começo da gestão Bolsonaro. Tanto em comparação com o disponível para a área no governo anterior, de Michel Temer (MDB), quanto em proporção do total investido pelo Executivo. Enquanto bilhões de reais de fundos ligados ao ministério são retidos (contingenciados) para diminuir o déficit da União, áreas como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), autarquia ligada ao ministério, reclamam de falta de verbas para pagar fornecedores.
Desde que Tarcísio de Freitas assumiu a Infraestrutura, a pasta nunca recuperou completamente o volume de recursos que teve durante as gestões de seus antecessores, Maurício Quintella Lessa (2016-2018) e Valter Casimiro Silveira (2018-2019), quando o órgão se chamava Ministério dos Transportes.
Em 2020, a pasta empenhou R$ 8,1 bilhões em investimentos. A despeito da pandemia do novo coronavírus, é um valor maior que o empenhado em 2019 (R$ 7,8 bilhões). É menos, porém, do que os valores empenhados antes da chegada de Jair Bolsonaro ao poder: em 2018, foram R$ 10,6 bilhões em investimentos; e R$ 13,1 bilhões em 2017. Em 2016, ano marcado pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) e pela troca de comando no governo, o montante fechou em R$ 9,9 bilhões.
Os valores foram levantados pela reportagem usando a ferramenta Siga Brasil, do Senado, e corrigidos pela inflação. Esses índices e valores foram apresentados ao ministério para comentários. A pasta não questionou os dados e destacou que tem buscado "otimizar" o uso dos recursos públicos.
Assim como no Ministério da Infraestrutura, o total destinado aos investimentos no Executivo como um todo vem caindo desde 2016 em valores reais. Mesmo assim, sob Bolsonaro, a pasta foi responsável por uma fatia menor desse dinheiro. Em 2017 e 2018, o orçamento autorizado para investimentos no antigo Ministério dos Transportes correspondeu a 19% do total do Poder Executivo. Já na gestão atual, em 2019 e 2020, o porcentual ficou em 17,5% e 18,1%, respectivamente.
O Ministério da Infraestrutura só assumiu este nome em 2019 - antes, era chamado de Ministério dos Transportes. A configuração atual da pasta surgiu em 2016, já sob Temer, quando ela absorveu as antigas secretarias de Portos e de Aviação Civil (a reportagem analisou números a partir daquele ano, quando estava consolidada a estrutura atual da pasta). No governo Dilma, as duas secretarias tinham status de ministério.
Na hora de usar os recursos disponíveis, Tarcísio de Freitas se sai bem: em 2020, a pasta empenhou 96,5% da verba disponível para investimentos. No ano anterior, foi de 96%. A marca, entretanto, não difere tanto daquela dos antecessores, que poderiam reivindicar o título de "rei do asfalto". Em 2018, foram empenhados 96% do total disponível. Em 2017 e 2016, o porcentual ficou em 91,9% e 83,5%, respectivamente.
O índice que o ministério costuma apresentar é de 99,8% de execução em 2020. A diferença de números se deve ao fato de a pasta considerar todas as verbas discricionárias, enquanto a reportagem levou em conta apenas as verbas discricionárias de investimentos, que são identificadas com o código GND 4.
Pavimentação
Em tom de brincadeira e elogio, Bolsonaro disse, em lives, que, se deixar, Tarcísio asfalta até o gramado do Palácio da Alvorada. A capacidade de "tocador de obras" e a fama de "entregar muito" se limitam a obras de pavimentação. Além da estagnação nas verbas, a pasta da Infraestrutura viu fundos públicos ligados ao órgão sofrerem uma grande redução nos recursos aplicados em 2020 - caso do Fundo Nacional de Aviação Civil e do Fundo da Marinha Mercante. A redução ocorreu por causa da decisão da equipe comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de reter o dinheiro para a chamada "reserva de contingência", isto é, para amenizar o rombo nas contas públicas.
Em 2020, o Fundo Nacional da Aviação Civil teve uma queda de 93% no volume empenhado, em relação a 2019. O valor caiu de R$ 1,85 bilhão para R$ 126 milhões, 93% a menos. O mesmo aconteceu com o Fundo da Marinha Mercante, que financia projetos da indústria naval. No FMM, a redução foi de 71% em relação a 2019. No Fundo da Aviação Civil, ficaram "guardados" R$ 5,24 bilhões em 2020, ante R$ 1,9 bilhão em 2019. Ainda no FMM, R$ 1,3 bilhão foi para a reserva de contingência em 2020. O dinheiro ajudou a amenizar o déficit de R$ 702 bilhões do governo do ano passado (esses recursos dos fundos não estão nos porcentuais acima).
O Fundo da Aviação Civil, especialmente, é alvo de reclamações constantes de Guedes, que o considera "engessado". A reportagem do Estadão apurou que o próprio Tarcísio se queixa de não poder usar os recursos do fundo para outras áreas, como reparos em estradas. A limitação é determinada em lei.
Recursos
Ao mesmo tempo em que há dinheiro represado nos fundos, outras áreas do ministério reclamam de falta de recursos. No dia 3 de fevereiro, a diretora substituta de administração de finanças do Dnit, Fernanda Gimenez Machado Faé, enviou ofício ao ministério alertando sobre a "situação constrangedora de inadimplência" da autarquia.
Naquele momento, a dívida acumulada pelo órgão com empresas somava R$ 499 milhões, segundo um ofício publicado pela agência Infra cuja autenticidade foi confirmada pelo Estadão. Embora esta parcela tenha sido paga, o risco de paralisação nas obras não foi afastado totalmente: no documento, a diretora do Dnit estima que precisará de R$ 1,5 bilhão até março "para que se evitem paralisações de obras e futuras ações judiciais".
Cenário é de restrição orçamentária, diz pasta
O Ministério da Infraestrutura afirmou em nota que o País vive um "cenário de restrições orçamentárias" e, por isso, tem tentado otimizar o uso do dinheiro público. Segundo a pasta, isto é feito priorizando obras consideradas estratégicas, a conclusão de projetos inacabados e aquelas que precisam de manutenção para que o patrimônio público seja preservado.
A pasta ressaltou que o ministro Tarcísio de Freitas tem se reunido com congressistas para direcionar emendas às obras tocadas pelo ministério - o que significou R$ 2,3 bilhões no ano passado, e o dinheiro, segundo a pasta, ajudou a viabilizar "a entrega de 92 obras, incluindo 1.430 km de rodovias recuperadas nas cinco regiões do País".
O ministério afirmou ainda que o objetivo do governo é "transferir o máximo de ativos para a iniciativa privada, para que os investimentos aconteçam de forma mais rápida". "De 2019 até aqui, foram concedidos 40 ativos, que estão resultando em R$ 44,33 bilhões em investimentos privados para qualificar os aeroportos, ferrovias, portos e rodovias brasileiros." Segundo a pasta, a meta é fechar mais de R$ 250 bilhões em contratos para investimentos privados até 2022.
Sobre o Dnit, o ministério destacou a liberação de R$ 538 milhões para a autarquia em fevereiro, o que evitou a paralisação de obras e serviços. "Com a aprovação da LOA (Lei Orçamentária Anual, em discussão no Congresso), o Dnit poderá realizar novos empenhos. Cabe ressaltar que a Infraestrutura mantém diálogo permanente com o Ministério da Economia para a liberação de recursos para garantir a execução dos cronogramas planejados."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.