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Incesto: Ex-diretora da Anistia Internacional francesa revela ter sido estuprada pelo pai aos 5 anos

23/02/2021 15h29

"Isso é extremamente violento", diz, com emoção palpável e a voz tremida, Geneviève Garrigos, ex-diretora da Anistia Internacional da França, em entrevista à RFI nesta terça-feira (23), quando revelou ter sido estuprada pelo pai aos 5 anos de idade. Enquanto diversos testemunhos se multiplicam nas redes sociais da França com a hashtag #MeTooInceste desde janeiro, ela relatou que ainda luta para encontrar palavras para descrever a violência sexual que sofreu, após 40 anos de "amnésia traumática".

Depois de um lento e doloroso trabalho de conscientização, a atual Conselheira da Prefeitura de Paris declarou que "ainda temos que enfrentar o olhar de outras pessoas, ainda mal preparadas para este tabu na França". 

"Há anos que falamos sobre isso. Não se trata apenas de um caso, de uma emoção passageira", insistiu. Garrigos se refere à entrevista do primeiro-ministro francês Jean Castex no canal de televisão France 5, na qual o chefe do governo e fala do incesto como algo "inimaginável", o que irritou a ex-diretora da Anistia Internacional francesa (veja no video abaixo).

Para Geneviève Garrigos, são os debates sobre a reprodução assistida pelo Estado, o casamento para todos ou mesmo sobre o aborto que "despertam as dores do passado e abrandam o apaziguamento". Por meio desses debates, "temos uma idealização da família padrão", explica.

"Numa visão bastante conservadora da sociedade, a família é santificada. Diz-se que a família é amorosa, e se o filho não tem pai e mãe, ele é mal preparado. E então, para os filhos como eu, que foram construídos dentro de uma família onde havia violência, onde o pai não era aquele que eles esperavam, quando a gente cresce e ouve esse tipo de conversa [de "família padrão"] , é totalmente violento. "

"Para a vítima de incesto, isto parece uma monstruosidade", acrescentou, "viramos monstros, pois não temos isso [esta família padronizada]", afirmou Garrigos.

O incesto, um ato patriarcal

Na França, uma em cada 10 crianças seria vítima de violência sexual dentro da família. De acordo com dados do Observatório Nacional de Proteção à Criança, 8.000 crianças foram estupradas em 2018 no país, o equivalente a uma por hora.

Diante da escala do fenômeno francês, a ideia de que o agressor incestuoso seria um monstro, um pervertido ou um paciente não se sustenta mais. O estupro de crianças dentro de suas próprias famílias é tão comum que, na maioria dos casos, é um "estupro esperado", como explicou a antropóloga Dorothée Dussy ao site da rádio France Culture

O estuprador de crianças é um homem em 96% dos casos: muitas vezes um tio, um irmão, um pai ou um avô que não é exatamente um sociopata, mas que, não sendo denunciado pela família nem pelos amigos, pode continuar a desfrutar de uma criança-objeto com impunidade. Para Dussy, o incesto é o "paroxismo da dominação masculina". "É uma questão de poder masculino, que a unidade familiar incorpora e que então molda a submissão de qualquer indivíduo dessa unidade familiar a outras submissões, a outros homens de poder", explicou a especialista.

"La Familia Grande"

Na esteira da publicação do livro "La Familia Grande", em janeiro, denunciando o incesto cometido por um famoso cientista político na França, o movimento contra o abuso ganha força e mobiliza milhares de pessoas na França. Nesse final de semana, a hashtag #MeTooInceste foi compartilhada milhares de vezes nas redes sociais, revelando testemunhos que quebram o silêncio no país contra os culpados.

O livro "La Familia Grande", escrito pela jurista Camille Kouchner, foi lançado em 7 de janeiro. No texto, ela acusa o padrasto, Olivier Duhamel, de ter agredido sexualmente seu irmão gêmeo quando ele tinha 14 anos, no final dos anos 1980.

Depois da publicação, a Procuradoria de Paris abriu uma investigação por "estupro e agressão sexual" contra o cientista político de 70 anos, que participava com frequência de programas de TV e congressos e era professor da renomada escola Science Po de Paris. O livro é o mais vendido nas livrarias francesas atualmente. Ele gerou um grande escândalo e deu início a um movimento inédito contra o incesto.

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