Mulher pagou enterro de morador de rua morto em padaria: 'Poupar a família'
O morador de rua Carlos Eduardo Pires de Magalhães, que morreu na manhã da última sexta-feira (27) após ser ignorado enquanto pedia socorro em uma padaria de Ipanema, na zona sul do Rio, teve um enterro digno em razão da solidariedade de uma moradora do bairro.
A pesquisadora Julia Koiller Schnoor arcou com as despesas do sepultamento, ocorrido na quarta-feira (2) no cemitério Olinda, em Nilópolis, na Baixada Fluminense. "Fiz isso para poupar a dor dessa família", relatou ao UOL. Em contraste com o descaso dos clientes da Confeitaria e Lanchonete Ipanema, que não interromperam o café da manhã enquanto o corpo do morador de rua permanecia no chão do estabelecimento coberto por um saco plástico, o ato foi reconhecido pela família de Carlos Eduardo.
Ela pagou pelo caixão, remoção do corpo e até pela coroa de flores. E não escolheu o mais barato. Ela quis o melhor para ele
Mariluce Alves Sampaio, uma das irmãs do morador de rua
Após a morte de Carlos Eduardo, houve uma corrida contra o tempo para que ele não fosse enterrado como indigente, já que não havia documento de identidade para garantir a liberação do corpo, levado ao Hospital Municipal Miguel Couto, na Gávea.
No bolso da bermuda dele, foi encontrado um papel com o seu nome completo e o nome da mãe. Mas isso não foi o suficiente para checar a sua identidade com as autoridades, segundo a família.
Na terça-feira (1º), quatro dias depois da morte, ainda não havia a certeza de que seria possível fazer o enterro gratuito. A família precisaria procurar por um cemitério com vaga disponível e obter uma declaração em cartório.
Mas havia dificuldades porque a irmã que tentava liberar a documentação não tinha o mesmo sobrenome de Carlos Eduardo. Foi quando Julia decidiu pagar pelos gastos do enterro (o valor foi mantido sob sigilo a pedido dela).
Quantos dias iriam se passar até resolver a situação? Foi quando acionei a funerária. Na hora, nem perguntei quanto iria custar. Essa família não poderia esperar mais. Queria que fosse um enterro digno
Julia Koiller Schnoor, moradora de Ipanema
'Eles precisam ser reconhecidos por rosto e nome'
Julia não estava sozinha. Foi formada uma espécie de rede de apoio, com contatos com a Polícia Civil e a Defensoria Pública. "Teria sido muito mais difícil se eu não tivesse tido ajuda. As pessoas ajudaram para fazer um papel que deveria ter sido do estado", criticou.
A funcionária pública Mariana Miranda e a pesquisadora Fernanda Taveira, idealizadoras do projeto social 'O bem me quer', também ofereceram suporte à família.
Moradoras de Ipanema, elas fazem parte de uma iniciativa que surgiu na pandemia do novo coronavírus, quando começaram a ajudar pessoas em situação de rua na região. "Eles não precisam só de comida. Eles precisam ser reconhecidos por rosto, nome e sobrenome", diz Mariana.
Elas também nutriam uma relação de amizade com Carlos Eduardo. É Fernanda quem aparece nas fotos afixadas em frente a uma agência bancária, onde ele costumava dormir. "As pessoas que criticam o que aconteceu, em vez de apenas julgarem a padaria, poderiam ajudar as pessoas em situação de rua no dia a dia."
Ela relembra de uma noite chuvosa em que levou cobertores para ele. Em troca, recebeu uma flor.
"Eu dizia: 'Não quero te ver morrer na rua'"
A pesquisadora Julia Koiller Schnoor diz ter conhecido Carlos Eduardo no auge do isolamento social, quando começou a caminhar pelas ruas vazias de Ipanema para ajudar quem precisava de comida. E acabaram desenvolvendo uma relação de amizade.
Ele era inteligente, articulado. Fazia reflexões, usava palavras pouco usuais e falava com um português correto. Gostava de filosofar sobre os sentimentos e sobre as coisas da vida. Aprendi muito com ele
Julia Koiller Schnoor, pesquisadora
Ela o chamava de Cadu. Ele se referia a ela como Dona Julia, que ficou conhecida nas redondezas como "a madrinha" após colocar os dois cães de Carlos Eduardo em um abrigo quando ele estava internado em decorrência da tuberculose. "Ele não tinha a carteira de identidade. Só guardava na mochila uma caderneta de vacinação dos cachorros e uma Bíblia", lembra.
Julia chegou até a dar um celular para que ele se comunicasse com a família. Para ela, a maior preocupação era com o estado de saúde dele, agravado pelo uso de drogas. "Eu dizia para ele: 'Não quero te ver morrer na rua'. Infelizmente, o vício falou mais alto."
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