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Kamala Harris: Quebrar barreiras "pode ser doloroso, mas valerá a pena"

28/10/2020 14h50

Beatriz Pascual Macías, Washington, 28 out (EFE).- A senadora Kamala Harris, que daqui a apenas uma semana pode se tornar a primeira mulher a ser vice-presidente dos Estados Unidos, acredita que quebrar barreiras às vezes é "doloroso" e pode fazer "sangrar", mas que é algo que "valerá a pena cada vez que isso acontecer".

Em entrevista à Agência Efe por e-mail, Harris disse sentir uma grande responsabilidade de falar com "voz forte" em nome daqueles que ainda são excluídos e prometeu que, se chegar à Casa Branca, lutará pela igualdade para todos os americanos.

A política de 56 anos e nascida em Oakland, no estado da Califórnia, também falou na entrevista sobre sua carreira e a influência de sua mãe, indiana, e revelou quais políticas serão adotadas por um governo democrata de Joe Biden em questões como asilo para refugiados centro-americanos e nas relações com Cuba, União Europeia (UE) e Otan.

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Confira a entrevista:.

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Agência Efe: Se Joe Biden ganhar a eleição presidencial, qual será a primeira medida que tomará para combater o coronavírus? Alguém em seu círculo familiar ou de amigos foi afetado pela pandemia?

Kamala Harris: O desrespeito imprudente do presidente Donald Trump pelo bem-estar do povo americano permitiu que o vírus causasse mais de 220 mil mortes. Mais de 8,4 milhões de pessoas foram infectadas, 23 milhões de pessoas estão desempregadas. Muitas pessoas, incluindo eu mesma, conhecem e amam alguém cuja vida foi afetada pela pandemia.

O presidente Trump sabia em janeiro o quão prejudicial era o vírus, mas mentiu e encobriu a situação. Oito meses se passaram, e ele ainda não tem nenhum plano para conter o vírus.

Joe Biden tem um plano desde março para combater a Covid-19. Ele e eu vamos ouvir os especialistas em saúde pública e confiar na ciência. Pediremos a todos os americanos que usem uma máscara em público. Forneceremos testes e tratamento gratuitos para todos e priorizaremos o desenvolvimento e distribuição de uma vacina segura e gratuita.

Efe: O que faria um governo democrata para reverter as políticas que Trump adotou em relação a Cuba? Defenderia o fim do bloqueio?

Harris: A política de uma administração Biden e Harris em relação a Cuba seria regida por dois princípios: primeiro, os americanos, especialmente os cubano-americanos, são os melhores embaixadores da liberdade em Cuba. Em segundo lugar, capacitar o povo cubano para determinar seu próprio futuro é vital para os interesses da segurança nacional dos EUA.

Trump está deportando centenas de cubanos de volta à ditadura e de volta a uma repressão ao regime que só aumentou sob sua presidência. Há quase 10.000 cubanos que estão definhando nos acampamentos ao longo da fronteira com o México por causa da agenda anti-imigração de Trump. E ele está separando as famílias cubanas através de restrições às visitas e remessas das famílias.

Vamos reverter as políticas fracassadas de Trump. E como fez anteriormente como vice-presidente, Joe Biden também exigirá a libertação dos presos políticos e tornará os direitos humanos uma peça central da relação diplomática.

O embargo é lei. É preciso um ato do Congresso para suspendê-lo, ou é preciso um presidente para determinar que um governo democraticamente eleito esteja no poder em Cuba. Não esperamos que nenhuma dessas coisas aconteça em breve.

Efe: Que ações um governo democrata tomaria para desmantelar as políticas de imigração de Trump? Especificamente, que ações tomaria com o programa "Permanecer no México" e os acordos de "país terceiro seguro" com El Salvador, Honduras e Guatemala? O que a senhora diria às crianças desses países que foram separadas de seus pais?

Harris: Joe Biden sabe que a imigração é uma fonte de força para o país. Como presidente, Joe Biden terminará o trabalho de construir um sistema de imigração justo e humano. A administração Biden e Harris protegerá nossa fronteira, garantindo a dignidade dos migrantes e defendendo seu direito legal de buscar asilo, incluindo o fim do programa "Permanecer no México" e acordos de "país terceiro seguro" com as nações da América Central.

Aplicaremos nossas leis sem ir contra as comunidades, violando seu direito ao devido processo ou despedaçando famílias, e ele (Biden) garantirá que nossos valores estejam diretamente no centro de nossas políticas de imigração.

Donald Trump sempre tem um bode expiatório e demoniza imigrantes, separando pais de seus filhos, desperdiçando recursos dos contribuintes em soluções ineficazes e desumanas e virando as costas para o sonho americano. E acabamos de descobrir através de relatos (da imprensa) que 545 crianças ainda estão separadas de seus pais devido à cruel política de "tolerância zero" da administração Trump. Isto é uma atrocidade.

Efe: As relações entre EUA, Otan e UE estão em um nível mínimo histórico. Que ações concretas um governo adotaria para reparar os danos?

Harris: O ex-vice-presidente Biden tem sido um ativo defensor e apoiador da Otan ao longo de sua carreira. Joe Biden acredita firmemente que o Artigo 5 (sobre defesa coletiva) é um vínculo inquebrável entre os EUA e seus aliados. Devido a seus anos de experiência trabalhando com os aliados mais próximos dos Estados Unidos, Joe está bem posicionado para reconstruir a confiança na liderança e no compromisso dos Estados Unidos. (...)

Especificamente, primeiro, uma administração Biden e Harris vai preparar a Otan para novos desafios. Nossa administração se concentrará no fortalecimento das capacidades de dissuasão e defesa em todas as áreas, integrando novas tecnologias, melhorando a mobilidade militar e antecipando futuras ameaças da Rússia e da China que possam comprometer a força militar da Otan.

Em segundo lugar, buscaremos maior cooperação com a União Europeia, trabalhando para melhorar o comércio transatlântico, abordando a mudança climática com pesquisa e desenvolvimento conjuntos em tecnologias de energia limpa e trabalhando juntos para promover padrões democráticos no país e no exterior. A UE deve voltar a ser o parceiro preferencial dos EUA, e não, como Trump chamou, "um inimigo estratégico".

Em terceiro lugar, queremos criar laços mais fortes entre a UE e a Otan. (...) A UE fornece recursos econômicos, diplomáticos e civis que podem tornar os esforços da Otan e dos EUA mais eficazes ou que podem permitir que nossos aliados europeus enfrentem os desafios de segurança sem a ajuda da Otan ou dos EUA.

Efe: Passando ao nível pessoal, qual é o maior obstáculo que a senhora enfrentou como mulher e como? O que aprendeu com essa experiência?

Harris: Isso é o que eu costumo dizer aos jovens aos quais dou conselhos. Quebrar barreiras não significa que você começa de um lado da barreira e apenas aparece do outro. Não funciona dessa forma. Quebrar barreiras envolve quebrar coisas. E quando você quebra as coisas, você pode se cortar. Você pode sangrar. Pode ser doloroso. Mas valerá a pena cada vez que isso acontecer.

Não podemos parar de lutar. E temos sempre que lembrar que, mesmo entrando frequentemente em uma sala e os únicos presentes tenham a mesma aparência que a nossa - seja por gênero, raça ou experiência de vida - não estamos sozinhos naquela sala. Porque, quando entramos naquela sala, o fazemos com todo o poder daqueles que nos ajudaram e que às vezes até nos empurraram para a frente. Por isso, é nossa responsabilidade falar com uma voz forte, com autoridade total, e falar em nome daqueles que ainda não saíram da sala.

Efe: Em agosto, a senhora fez história ao se tornar a primeira mulher afro-americana e a primeira mulher de ascendência indiana a aceitar a indicação do Partido Democrata para concorrer à vice-presidência dos EUA. O que significaria pessoalmente e para outras mulheres uma vitória em 3 de novembro?

Harris: Neste ano, comemoramos o 100º aniversário da 19ª Emenda (que garante o direito de voto das mulheres). E isso é um lembrete de todas as mulheres americanas que não foram incluídas naquela vitória do direito de voto há um século.

Penso nas mulheres negras ativistas que enfrentaram táticas de discriminação, rejeição e supressão do voto e que continuaram a lutar por décadas até que a Lei do Direito ao Voto, de 1965, protegeu o direito ao voto de milhões de eleitores negros.

Penso em meus heróis como Ella Baker e Constance Baker Motley, que mostraram como se libertar do que já aconteceu. É neles que eu me sustento. Portanto, levo a sério minha responsabilidade não apenas de ser um exemplo a ser seguido por outros, mas de usar minha posição para promover a igualdade para todos os americanos. Minha mãe costumava dizer: "Kamala, você pode estar entre os primeiros. Não seja a última". E eu tento viver e ser guiada por essas palavras.

Efe: A senhora acabou de mencionar sua mãe. O que aprendeu com ela? Como influenciou sua identidade?

Harris: Minha mãe foi minha influência mais importante. É impossível resumir tudo o que ela me ensinou em uma única lição. Mas, nestes dias, acordo todas as manhãs pensando em algo que ela costumava dizer à minha irmã Maya e a mim quando reclamávamos de alguma coisa: "Não fique aí sentada. Faça alguma coisa".

Estes últimos quatro anos têm sido um desafio incrível para nosso país. Mas também temos visto pessoas com experiências diferentes que se levantaram para fazer algo sobre questões de desigualdade de renda, injustiça racial, direitos das mulheres e mudança climática. E é isso que continua a me inspirar, e é por isso que estou tão otimista sobre o futuro de nosso país.

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