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Vacina não precisará ser obrigatória pois todo mundo quer, dizem médicos

Foto ilustrativa da CoronaVac, desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan - Cadu Rolim/Fotoarena/Estadão Conteúdo
Foto ilustrativa da CoronaVac, desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan Imagem: Cadu Rolim/Fotoarena/Estadão Conteúdo
do UOL

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

19/10/2020 17h51

No Brasil, parte das vacinas é obrigatória e regulada pelo Programa Nacional de Imunizações. O fator compulsório foi acrescido em lei em 1975, assinada pelo então presidente Ernesto Geisel. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) também tornou obrigatória a vacinação de crianças.

Quem não cumpre com o calendário de vacinas não pode se matricular em qualquer instituição de ensino, ser contratado em regime CLT, fazer alistamento militar ou obter benefícios do governo. Em relação à vacina contra a covid-19, no entanto, não há regulamentação —a "Lei do Coronavírus", de fevereiro deste ano, diz que a "vacinação e outras medidas profiláticas" poderão ser adotadas, sem especificar detalhes.

Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que, em situação de crise de saúde pública, é possível que haja obrigatoriedade, inclusive porque a legislação abre essa perspectiva. Mas eles acreditam que a vacinação compulsória não será necessária, pois a população quer se imunizar.

A médica infectologista Joana D'Arc, que atuou na linha de frente do combate à covid-19 em Brasília, afirmou que o tema é "controverso" e que, caso a vacina seja eficaz e segura, "não haverá necessidade de obrigatoriedade, a busca será voluntária e volumosa". "Não faltarão candidatos, mas possivelmente faltarão vacinas", diz.

"O Brasil tem um excelente programa de imunizações, que geralmente distribui os insumos segundo os grupos mais vulneráveis. É muito cedo para falar sobre a disponibilidade e obrigatoriedade de vacinas. Primeiro precisamos saber se as que estão sendo propostas serão eficazes em nossa população que está exposta por um período prolongado, dando a chance do vírus produzir milhões de mutações."

A médica Lessandra Michelín, que tem trabalhado junto ao Ministério da Saúde auxiliando com informações referentes às vacinas que estão em desenvolvimento, acha difícil uma obrigatoriedade e cita que as pessoas tomarão a vacina voluntariamente.

"Obrigar uma pessoa a se vacinar, esse tipo de atitude nunca foi prerrogativa nacional, sempre de ofertar e explicar a importância."

Com todo o impacto que as pessoas estão vendo dessa doença no mundo inteiro e também o quanto ela restringiu a vida, duvido que uma pessoa vai se recusar a tomar uma vacina, é muito egoísmo
Lessandra Michelín, médica infectologista

Ela afirma, no entanto, que todas as decisões de políticas públicas referentes à vacinação contra covid-19 dependem das aprovações e dos testes. As falas de autoridade e a rusga política em torno das vacinas, segundo a médica, atrapalham os trabalhos. "É uma pena que isso aconteça, as pessoas colocam interesses pessoais contra algo que é coletivo, é uma tremenda irresponsabilidade."

Bernadete Perez Coelho, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), afirma que "a obrigatoriedade [de determinadas vacinas] já é prevista em lei, muito para além na Constituição".

"A saúde pública é direito das pessoas, é dever do Estado. Existem previsões legais de vacinação compulsória. É claro que a obrigatoriedade, na minha visão, tem que ser trabalhada com a população. Ou seja, já é previsto legalmente. Também há leis contra propagar doenças", diz ela ao UOL.

Coelho afirma que a discussão sobre a obrigatoriedade é uma cortina de fumaça que acaba escondendo problemas mais profundos decorrentes da pandemia.

A gente teve uma disputa de narrativas na pandemia, inclusive narrativas diversas científicas, o próprio negacionismo, que está entremeado com a narrativa política desde o início. (...) As narrativas chegam de diversas formas, inclusive com uma comunicação muito torta. Não fosse a aliança da academia com a mídia, a gente estaria em uma situação muito mais grave
Bernadete Perez Coelho, médica sanitarista

Questões políticas envolvendo as medidas de prevenção à covid-19 e a prórpia cavina também são citadas pelo infectologista Leonardo Weissmann, um dos diretores da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). "Vivemos uma seríssima crise de saúde pública. Está muito claro que uma grande parcela da população não respeita as recomendações para prevenir a transmissão e conter a velocidade de propagação do vírus. Mesmo com mais de 150 mil óbitos no país, ainda existe a absurda cultura do negacionismo", diz.

Para ele, o cenário que se instaurou no país a partir da negação da gravidade da pandemia faz com que seja "aconselhável que a vacinação contra a covid-19 seja compulsória".

Discussão política

Hoje, mais cedo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a afirmar que a vacina contra a covid-19 não será obrigatória e criticou indiretamente o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). "Meu ministro já disse claramente que não será obrigatória essa vacina e ponto final. Tem um governador aí que está se intitulando o médico do Brasil dizendo que ela será obrigatória. Repito que não será."

Doria já disse que, caso aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a vacina será compulsória no estado. Rebatendo o presidente, em entrevista coletiva, o governador afirmou "confiar nos médicos e na ciência para todas as medidas que adotamos na proteção a vidas e agora na vacina". "O que mais precisamos, nesse momento, no Brasil, é de paz, união e vacinas."

Nos bastidores, a corrida pela vacina é considerada uma disputa entre Doria e Bolsonaro, de olho na eleição de 2022.

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