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Primeira brasileira doutora em Direito Espacial detalha os desafios da gestão do espaço sideral

18/10/2020 09h01

Tatiana Ribeiro Viana mantém seu jeito pacato de mineira até para contar que é a primeira mulher brasileira doutora em Direito Espacial. Nascida em Belo Horizonte e crescida nas barrancas do rio São Francisco, no norte de Minas Gerais, vive há 15 anos em Roma. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Montes Claros, especializada em Direito Internacional Pu?blico e Privado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ela obteve em 2019 o importante título de PhD em Direito Espacial na Universidade Sapienza de Roma. 

Com este currículo, Tatiana trabalha para agências espaciais e governos e faz consultoria para o Instituto Ítalo Latino Americano, com sede na capital italiana. 

Em uma conversa com a RFI em Roma, ela conta um pouco sobre a "regulamentação" do Universo. "O Tratado do Espaço de 1967, considerado a Constituição do espaço, regulamenta no artigo 1° que o espaço não é propriedade de nenhum país: é bem de toda a humanidade. No espaço sideral é o Direito Internacional quem comanda." 

Ela detalha que o Direito Espacial, ramo do Direito Internacional, regulamenta as atividades de Estados, atores privados e organismos internacionais, e começou com o lançamento do primeiro satélite artificial Sputnik, em 4 de outubro de 1957, pela União Soviética.  

"Não podemos esquecer que aquele era um contexto de Guerra Fria entre as superpotências da época, os Estados Unidos e a União Soviética. O lançamento do Sputnik gerou nos americanos um sentimento quase de impotência e isso acelerou as atividades técnicas, tecnológicas do espaço. Mas grandes perguntas jurídicas surgiram após o lançamento do Sputnik porque lançar um satélite significa possuir um míssil balístico de grande potência intercontinental", lembrou.  

Em 1959, as Nações Unidas criaram o Comitê para o Uso Pacífico do Espaço Exterior, com sede em Viena, para regulamentar as atividades civis, que inclui as atividades comerciais, telecomunicações e sistemas bancários, dependentes de uso de tecnologia de satélite.

Cabe à Comissão do Desarmamento da ONU, sediada em Genebra, se encarregar do uso militar do espaço sideral, com serviços de inteligência, defesa e controle das fronteiras, observação da Terra e do território nacional pelos próprios países.

As mil e uma utilidades da pesquisa espacial 

"Aqui na Terra os benefícios das tecnologias espaciais são tantos que nós mesmos nem percebemos. Por exemplo, os painéis solares, o forno micro-ondas, as panelas teflon, as tecnologias do celular, GPS entre outras coisas", explicou Tatiana, que aponta ainda que a medicina foi um dos campos da ciência que mais se beneficiou das tecnologias dos satélites, com os aparelhos de radiografia e a robótica.

"Lembramos também das questões humanitárias, pois os campos de refugiados se beneficiam das comunicações para os atendimentos médicos, psiquiátricos, psicológicos", frisa.

O lixo espacial      

Há cerca de 60 anos, quando o Comitê para o Uso Pacífico do Espaço Exterior foi aberto, poucos países tinham capacidade de exercer atividade espacial, devido ao custo e risco altíssimos. Nas últimas duas décadas, houve uma entrada em massa de empresas privadas no setor. Tatiana adverte que todas as elas devem ser regulamentadas pelos respectivos países. 

"Não existe atividade do privado no espaço. Existe um privado que exerce uma atividade no espaço com aprovação e fiscalização do Estado responsável. Isso aumentou os lançamentos, que quase quadruplicaram nos últimos tempos, o que gerou um fenômeno chamado dos lixos espaciais", sublinha.

Os detritos deixados no espaço representam um perigo, além de ainda não haver uma legislação internacional que trate deste entulho. Não há uma definição jurídica, mas sim técnica.

Tecnicamente, o lixo espacial é todo objeto não ativo. Porém, essa definição não é juridicamente aceitável porque um objeto de uso militar inativo pode ter um valor legal para seu proprietário, ou seja, o Estado proprietário deste satélite, explica a especialista. "Por outro lado, este objeto é um elemento perigoso para satélites ativos porque eles aumentam os riscos de colisões. Tivemos várias colisões entre detritos e satélites, o que prejudica as atividades espaciais  - além do perigo de destruir um satélite ativo, que vale milhões de dólares, estão em risco vidas humanas", indica. "Temos que pensar nos astronautas na Estação Espacial Internacional, que constantemente precisam fazer manobras para evitar colisões com detritos."

Por isso, observa Tatiana, o destino do lixo espacial representa um desafio tanto jurídico, quanto técnico. "As técnicas de remoção do lixo espacial estão ainda em desenvolvimento, e não temos ainda uma regulamentação obrigatória ou um tratado sobre o tema. Temos só as linhas guias para os países para mitigar os detritos. É importante ter um espaço sustentável que mantenha as atividades atuais e garanta também benefícios para as futuras gerações", destaca. 

 

 

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