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Argentina restringe acesso ao dólar e induz empresas ao calote

Imagem ilustrativa com notas de peso argentino e dólar - Enrique Marcarian
Imagem ilustrativa com notas de peso argentino e dólar Imagem: Enrique Marcarian

16/09/2020 12h08

O Banco Central argentino anunciou medidas que encarecem e que restringem ao máximo o acesso de pessoas físicas e jurídicas à moeda estrangeira, além de forçar as empresas ao calote como forma de reestruturarem as suas dívidas no exterior.

As medidas visam conter ainda mais a saída de dólares das escassas reservas do Banco Central e dificultar que os dólares saiam da Argentina num contexto de perda generalizada de credibilidade e de valor do peso argentino.

"A Diretoria do Banco Central tomou medidas para promover uma mais eficiente distribuição de divisas, para evitar operações de investidores não-residentes que irrompam no mercado financeiro e para assentar as diretrizes para uma renegociação da dívida privada externa", anunciou o Banco Central, através de uma nota.

A partir de hoje, as compras de bens e de serviços realizadas no exterior, através de cartões de crédito e de débito, terão seu montante reduzido da cota de US$ 200 (R$ 1.050) mensais que cada argentino tem para comprar dólares em bancos e casas de câmbio.

No país onde as pessoas usam o dólar como reserva de valor e unidade de poupança em lugar do peso argentino desvalorizado, as pessoas físicas podiam comprar até US$ 200 por mês. Além disso, podiam comprar de forma ilimitada através de cartões de crédito e de débito.

A partir de agora, o limite total será de US$ 200 mensais (ou o seu equivalente em outras moedas). Se uma compra superar esse limite, automaticamente será descontada das sucessivas cotas mensais.

Se, por exemplo, uma pessoa gastar, através do cartão de crédito, US$ 20 (R$ 105) em serviços como NetFlix ou Spotify, só terá US$ 180 (R$ 940) disponíveis para adquirir a moeda estrangeira.

Desvalorização encoberta

Também haverá uma retenção de 35% para quem quiser comprar dólares. Essa retenção vai funcionar como o pagamento antecipado de imposto de renda e, eventualmente, poderá ser deduzida um ano depois, sem nenhum tipo de correção monetária, num país com inflação anual próxima de 50%.

Esse novo imposto de 35% soma-se ao anterior de 30%, vigente desde dezembro quando o presidente Alberto Fernández assumiu o governo.

Atualmente, o dólar vale, no câmbio oficial, 79,25 pesos argentinos. A esse valor, soma-se o imposto vigente de 30%, elevando o valor a 103 pesos na prática. A partir de agora, será ainda somada a retenção de 35%, deixando o valor do dólar em 131 pesos para quem quiser comprar dentro do limite de US$ 200 mensais.

"A iniciativa propõe desestimular a demanda de moeda estrangeira que as pessoas físicas realizam com fim de entesouramento e despesas com cartões", indicou o Banco Central.

"O governo não quer mostrar a realidade: a de que a moeda argentina não vale o que o governo diz que vale. Por um lado, o governo quer manter o valor do peso artificialmente baixo, mas isso implica uma perda enorme de reservas do Banco Central. Então, em vez de definir o valor verdadeiro do peso, restringe as operações", explica o economista Fausto Spotorno, diretor da consultora Orlando Ferreres.

"É de se esperar que a cotação do paralelo suba porque o mercado oficial fica ainda mais restrito. E a distância entre as cotações do dólar oficial e paralelo alimentam a inflação. Portanto, são medidas que não resolvem nenhum problema. Apenas tornam a perda de reservas mais lenta e adiam o problema", avalia Spotorno.

Empresas sob restrição

No campo financeiro empresarial, quem comprar dólares no mercado, não poderá operar na bolsa de valores e os não residentes não poderão mais operar através de determinados instrumentos financeiros, responsáveis por metade da compra de dólares. As medidas visam impedir o envio de moedas estrangeiras ao exterior.

"Essa medida é perigosa porque a empresa que quiser trazer dólares à Argentina, terá de trocar esses dólares no mercado local a 79 pesos, mas, se os quiser comprar, pagará 131 pesos. Obviamente, que isso não é negócio. Essas empresas terão de financiar perdas", adverte Spotorno.

"Quem em plena faculdade mental pode trazer dinheiro ao país por 79 pesos e pagar 131 depois para o retirar? As casas matrizes vão dar ordem às filiais para se virarem como puderem. Não vão mandar dinheiro. E as filiais vão reduzir a sua estrutura local para pagar as contas", prevê.

Convite ao calote

As dificuldades para as empresas adquirirem dólares incluem uma estratégia para reestruturarem suas dívidas no exterior. A partir de agora, as empresas que tiverem vencimentos mensais de dívida acima de US$ 1 milhão (R$ 5,25 milhão), só poderão comprar dólares pelo equivalente a 40% da sua dívida. Pelos 60% restantes, as empresas deverão apresentar um plano de refinanciamento da dívida ou serão obrigadas ao calote. Esse plano deve incluir um período de carência no qual a empresa não deve pagar nada.

"Convidamos as empresas do setor privado a manterem o processo de redução da dívida em moeda estrangeira a um ritmo que seja compatível com as necessidades de divisas da economia e da estabilidade cambial", aponta o Banco Central.

"O governo está, praticamente, obrigando as empresas ao calote. Além disso, essa medida vai cortar o acesso ao crédito internacional das empresas", alerta Fausto Spotorno.

A estratégia oficial é que as grandes empresas consigam, por sua conta, financiamento para as suas exportações, permitindo que o pouco crédito local fique para as pequenas e médias empresas exportadoras.

As reservas do Banco Central argentino somam US$ 42,5 bilhões (R$ 220 bilhões), mas desse montante apenas cerca de US$ 6 bilhões (R$ 41 bilhões) estão disponíveis, um valor considerado exíguo para o atual ritmo de compras da moeda. Desde julho, saíram das reservas US$ 2,6 bilhões (R$ 14 bilhões), apesar de todas as restrições à aquisição de moeda estrangeira e ao movimento de capitais.

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