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Contratação de PcD ainda é gargalo no Brasil; confira bons exemplos

Capacitação em LIBRAS para funcionários da Natura - Divulgação/Natura
Capacitação em LIBRAS para funcionários da Natura Imagem: Divulgação/Natura
do UOL

Nicolas Brandão

Do UOL, em São Paulo

11/08/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Brasil tem 486.756 pessoas com deficiência trabalhando formalmente, o que representaria menos de 1% dos empregados.
  • PL do governo federal apresentado em novembro pode alterar lei de 1991 que prevê cotas obrigatórias para PCDs
  • Empresas com quadro de funcionários mais diversos podem ter ganho de receita de até 21%, segundo pesquisa
  • Natura, IBM e RD são algumas das empresas brasileiras com melhores iniciativas para a inclusão de PCDs

Ainda são poucas as empresas brasileiras que alcançam o percentual de 5% de pessoas com deficiência (PcD) em seu quadro de funcionários - conforme exigência da lei nº 8.213/91, que completa 30 anos em 2021. Segundo a última Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), de 2019, há 486.756 PcD trabalhando formalmente no país, o que representaria menos de 1% dos empregados.

A situação pode se tornar ainda mais complicada caso seja aprovado o Projeto de Lei 6.159/19, que permite que a contratação seja substituída pelo pagamento equivalente a dois salários mínimos a uma conta da União, que abastecerá um programa de reabilitação física e profissional. Apresentado em 26 de novembro pelo governo federal, o PL ainda está em tramitação na Câmara dos Deputados.

"Esse valor é muito baixo. A multa atual para quem não cumpre a lei pode ter um impacto significativo no balanço financeiro", avalia Ivone Santana, fundadora do Instituto Modo Parités, voltado à inclusão social, especialmente de pessoas com deficiência. "A contratação da pessoa com deficiência não deve ser vista como um ônus, e sim como uma correção de uma exclusão histórica.

Ivone Santana, do Instituto Modo Parités - Divulgação/Instituto Modo Parités - Divulgação/Instituto Modo Parités
Ivone Santana, do Instituto Modo Parités: "PcD não deve ser visto como um ônus"
Imagem: Divulgação/Instituto Modo Parités
Ivone ressalta que a empresa não está fazendo caridade: está contratando um profissional que irá contribuir com a sua força de trabalho. E que poderá impactar positivamente os resultados. Um estudo de 2019 da consultoria de RH Michael Page mostra que empresas que constituem quadros de funcionários inclusivos veem um aumento de 19% em suas receitas. Outra pesquisa, da Mckinsey & Company, em 2017, aponta um valor parecido: cerca de 21%.

Algumas organizações já entenderam o recado. Três empresas que aceleraram seus projetos de inclusão conversaram com o UOL Economia sobre suas iniciativas mais bem-sucedidas.

Na Natura, aulas de LIBRAS para colegas ouvintes

A Lei 8.213/91 reserva diferentes porcentagens de vagas para PcD de acordo com o tamanho da empresa. As que têm entre 101 e 200 funcionários precisam cumprir uma cota de 2%. Entre 201 e 500, 3%. Entre 501 e 1000, 4%. E, acima de 1000, 5%.

A Natura se encaixa na última categoria, mas foi bem além: já está em 7,2% (cerca de 350 colaboradores) e quer alcançar 8% até o fim do ano. Em seu centro de distribuição em São Paulo, pessoas com deficiência auditiva ou intelectual já representam 20% dos colaboradores.

"Sabemos que para garantir a inclusão, a capacitação dos colaboradores deve ser constante", afirma Milena Buosi, responsável pelas iniciativas de diversidade e inclusão. Um exemplo é seu programa de apadrinhamento de deficientes auditivos, em funcionamento desde 2000: funcionários recebem treinamentos e aulas de LIBRAS para melhor integrar seus colegas com deficiência auditiva à rotina da empresa.

Milena reforça que a preocupação com a inclusão não pode existir apenas no momento da contratação. Ela conta com uma equipe dedicada integralmente à questão, que supervisiona, por exemplo, os projetos de novos espaços físicos da empresa.

O empenho tem dado certo: no ano passado, a Natura ela foi a quarta colocada no ranking mundial de Companhias Mais Diversas e Inclusivas, elaborado pela consultoria financeira Refinitiv, dos EUA.

Na RD, foco no potencial individual

Para Fernando Braconnot, consultor de desenvolvimento e diversidade do grupo RD, formado pelas redes de farmácia Raia e Drogasil, é importante também flexibilizar a carga horária e as tarefas assumidas pelos PcD, respeitando suas particularidades e seus talentos.

"Se a pessoa se mostra habilidosa em atender os clientes, privilegiamos essa função e a ajudamos a desenvolver essa habilidade. Se ela demonstra ter preferência por atividades mais operacionais, privilegiamos a alocação e treinamento para funções que exigem mais foco e repetição", explica.

Fernando Braconnot, do grupo RD - Divulgação/RD - Divulgação/RD
Fernando Braconnot, do grupo RD: "Não basta só contratar"
Imagem: Divulgação/RD

A RD criou, em 2012, um programa específico para acelerar suas metas de inclusão e atingir a cota de 5% de PcD. Hoje, são 2.085 funcionários, dos quais 89% trabalham diretamente nas lojas. Cerca de 49% são pessoas com deficiência intelectual.

Braconnot ressalta que esse tipo de inclusão só funciona se toda a empresa estiver preparada. "Não basta simplesmente contratar. É preciso desenvolver a cultura organizacional apropriada", aconselha. Alguns pontos críticos, por exemplo, são o processo de seleção, que precisa ser adaptado à realidade dos PcD; a oferta de recursos de acessibilidade (como rampas, leitores de tela, etc); e a capacitação de gestores para compreender as necessidades do novo funcionário.

Quando falta esse tipo de atenção, a performance das PcD pode ser gravemente afetada, estimulando o mito de que "não dá certo" contratá-las. Mas a experiência de Braconnot tem se provado o oposto. "O importante é respeitar a capacidade de cada um e entender que sem diversidade não há inovação", afirma.

Na IBM, intercâmbio entre executivos e PcD

Para que os executivos brasileiros conheçam de perto a realidade de PcD, a IBM instituiu a chamada "mentoria reversa". "É uma ação de muito impacto sobre a cultura da empresa, porque utiliza storytelling para narrar os desafios e oportunidades que essas pessoas tiveram em sua vida pessoal e profissional", explica Adriana Ferreira, líder de diversidade e inclusão para a América Latina.

A gigante de tecnologia já tem uma tradição consolidada na área. "No Brasil, podemos considerar que ações mais efetivas em prol da inclusão de PcD começaram em 2003. Mas o profissional com deficiência que está há mais tempo na IBM já tem 41 anos de carreira conosco", comenta Adriana.

A IBM não divulga números de funcionários, e portanto não expõe seu percentual de PcD. Porém, em 2018 foi contemplada pelo governo do estado de São Paulo com o prêmio Melhores Empresas para Pessoas com Deficiência.

O Prêmio Lugares Incríveis para Trabalhar é uma iniciativa do UOL e da Fundação Instituto de Administração (FIA) que vai destacar as empresas brasileiras com os mais altos níveis de satisfação entre os seus colaboradores. Os vencedores serão definidos a partir dos resultados da pesquisa FIA Employee Experience, que vai medir o ambiente de trabalho, a cultura organizacional, a atuação da liderança e a satisfação com os serviços de RH. As inscrições estão abertas até o dia 12/9 e podem ser feitas, gratuitamente, no site da pesquisa FIA Employee Experience.

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