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Justiça nega liminar que obriga Testemunha de Jeová a receber transfusão

Hospital Giselda Trigueiro - Divulgação
Hospital Giselda Trigueiro Imagem: Divulgação
do UOL

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Recife

07/08/2020 16h58Atualizada em 07/08/2020 18h04

A Justiça do Rio Grande do Norte negou ontem o pedido de liminar de urgência solicitada pelo governo do estado para obrigar um paciente com covid-19, internado em estado grave, a receber transfusão de sangue, no hospital Giselda Trigueiro, em Natal.

O homem está consciente e se nega a autorizar a transfusão de sangue indicada pelos médicos durante tratamento da doença por ser Testemunha de Jeová. A doutrina religiosa não aceita transfusão de sangue em seus seguidores com base em interpretações da bíblia.

No pedido de liminar, o estado destaca a situação crítica de saúde do paciente, alertando que a transfusão de sangue é necessária para resguardar sua vida, pois ele corre risco de morrer por apresentar redução significativa do nível de hemoglobina no corpo. Além disso, o paciente tem comorbidades, como ser portador do vírus HIV e ter diabetes. O nome do paciente não foi divulgado para preservar a privacidade dele.

O juiz Bruno Montenegro, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Natal, entendeu a legitimidade na recusa do paciente sobre as transfusões de sangue, "visto que tal procedimento, para ele, implicaria em tratamento degradante, por afronta direta às suas crenças".

"Ao menos à primeira vista, entendo que deve preponderar a autonomia da vontade do requerido, pessoa adulta, consciente, em plena condição de exercer seus direitos mais caros. Deve ser obedecido o dever de esclarecimento, ao paciente, acerca dos desdobramentos, dos efeitos e das consequências de sua opção, por intermédio de informações adequadas e detalhadas", diz a decisão do magistrado.

O juiz afirma que, caso a liminar fosse aceita e a transfusão de sangue realizada, não haveria possibilidade de reversão dos efeitos da medida para o paciente, sendo assim, não poder atender aos requisitos de concessão da tutela de urgência. "Uma vez permitida a transfusão compulsória de sangue, os direitos titularizados pelo demandado estariam irremediavelmente afrontados. E o pior: com a chancela do Poder Judiciário", justifica Montenegro.

Liberdade de convicção e crença

O magistrado destacou que a recusa de tratamento pelas Testemunhas de Jeová parece ser tendência em julgamentos registrados na Itália, na Espanha, nos EUA, no Canadá e na Argentina, e apontou que a Corte Europeia de Direitos Humanos possui jurisprudência em favor do princípio da autodeterminação e autonomia pessoal na escolha de tratamento médico por parte de adulto capaz, tendo decidido que a liberdade de aceitar ou recusar determinado tratamento médico é protegida pelo direito à autodeterminação pessoal, liberdade de convicção e crença, devendo ser respeitada a opção do paciente, não importando se tal opção possa ou não ser rotulada como irracional.

Desta forma, o juiz afirmou que como o paciente está esclarecido sobre todos os possíveis riscos. "Pouco importa o acerto ou desacerto do dogma sustentado pelas Testemunhas de Jeová. O que se discute e se busca tutelar, aqui, é direito ostentado por cada um de seus membros, de orientar sua própria vida consoante o padrão ético estabelecido por sua própria convicção ou abandoná-lo a qualquer tempo, livremente, se lhe aprouver", explica.

Na decisão, Montenegro reforça que as Testemunhas de Jeová acreditam que Deus permite o consumo da carne de animais, mas impõe a abstenção em relação ao sangue, o qual representaria a alma e a vida. "É dizer: essa religião professa a crença segundo a qual a introdução de sangue no corpo, seja pela boca, seja pelas veias, deságua em violação às leis de Deus, por contrariar os dogmas previstos em diversas passagens bíblicas", destaca.

O magistrado afirma ainda que a medicina evoluiu com tratamentos alternativos que podem oferecer aos pacientes que são Testemunhas de Jeová e que, quando não há escolha, eles optam pela resignação. A decisão traz ainda que somente quando não for possível obter o consentimento informado e quando não existir documento de declaração antecipada de vontade, o médico poderá adotar todos os tratamentos de que dispuser e que entender melhor para o paciente.

Paciente está lúcido, diz hospital

A direção do hospital Giselda Trigueiro informou, por meio da Sesap (Secretaria de Estado da Saúde Pública), que não recorrerá da decisão do juiz e que respeitará a decisão do paciente e de sua família.

O hospital ressaltou, no final da tarde de hoje, que o paciente está lúcido e assinou um Termo de Ciência e Responsabilidade de que está se recusando a realizar o tratamento indicado pela equipe médica.

"A equipe do hospital segue com o tratamento intensivo do paciente, mantendo toda a atenção com o objetivo de conseguir recuperá-lo da doença", disse em nota enviada ao UOL.

Estado tem mais de 54 mil casos de covid-19

Atualmente, o Rio Grande do Norte contabiliza 54.268 pessoas infectadas pelo novo coronavírus e 1.960 mortes desde o início da pandemia. Há, atualmente, 28.243 pessoas recuperadas da doença. Os dados são do último boletim epidemiológico da Sesap (Secretaria de Estado da Saúde Pública), divulgado na tarde de hoje.

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