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Fórum Econômico Mundial: "novos negócios terão de levar em conta o meio ambiente"

16/07/2020 13h36

Enquanto o mundo ainda luta contra a pandemia de Covid 19, que causou mais de meio milhão de mortes, e no momento em que o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta uma contração do crescimento global de 4,9%, em 2020, um relatório do Fórum Econômico Mundial alerta para a necessidade de uma grande mudança na forma de se fazer negócios. O texto aponta as áreas em que haverá oportunidades numa nova era de empreendimentos que respeite o meio ambiente e a vida no planeta.  

De acordo com o documento, a atual crise destaca a urgência de remodelação na produção de alimentos, do uso da terra e dos oceanos; infraestrutura e construções; além das atividades ligadas à energia e à indústria extrativista. Intitulado "O Futuro da Natureza e dos Negócios", o relatório publicado na terça-feira (14) aponta que a humanidade "precisa se afastar com urgência dos negócios como eles vinham sendo feitos até hoje", já que as condições de vida na Terra também já não são as mesmas.

O mês de maio de 2020 estabeleceu novos recordes tanto para a temperatura quanto para a concentração de carbono na atmosfera. A Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Ecossistemas (IPBES) aponta que um milhão de espécies caminham para a extinção, enquanto US$ 44 trilhões - mais da metade do PIB global - estão em risco porque dependem dos recursos naturais.

A pandemia, portanto, é um apelo sem precedentes - e uma ocasião - para mudarmos a maneira como vivemos, comemos, crescemos, trabalhamos e construímos. "Seguirmos com a mesma estratégia econômica que resultou na situação atual e esperarmos um resultado diferente seria profundamente questionável", alertam Akanksha Khatri e Dominic Waughray, pesquisadores que assinam o trabalho do Fórum Econômico Mundial. "O combate às mudanças climáticas é vital, mas não será suficiente para deter a crise ambiental", completam.

Perda da biodiversidade

Atualmente, "as mudanças climáticas são responsáveis por entre 11% e 16% da perda de biodiversidade, uma proporção que deve aumentar. Contudo, os 85% restantes são causados por outros fatores, sendo os mais significativos a conversão do uso de terra, dos mares e oceanos", afirmam os especialistas.

"Para evitar o colapso dos sistemas, dos quais dependem todas as economias, governos, empresas e cidadãos precisam enfrentar os principais fatores que levam à perda de espécies; avaliar e otimizar coletivamente o uso da terra, especialmente para a agricultura e a urbanização", acrescentam.

Juntos, esses sistemas colocam em risco quase 80% das espécies ameaçadas e representam mais de um terço da economia global, gerando até dois terços de todos os empregos atuais. "Transformar esses três sistemas transformaria o nosso mundo", observa Khatri.

Os autores destacam que "15 transições sistêmicas poderiam gerar até US$ 10,1 trilhões em oportunidades de negócios e criar 395 milhões de empregos, até 2030". Essa agenda de ações pragmáticas poderia "abrir caminho para uma economia global em harmonia com a natureza e mais resistente a choques futuros", destacam.

Só a transformação do sistema para produção de alimentos, uso da terra e dos oceanos, segundo a pesquisa, tem o potencial de criar oportunidades de negócios no valor de quase US$ 3,6 trilhões e 191 milhões de novos empregos, nos próximos 10 anos

Mudanças em infraestrutura e construções podem gerar US$ 3 trilhões e 117 milhões de novos empregos, até 2030. A demanda por trabalho remoto, criada pela Covid-19, é um exemplo de possíveis novos cenários. A Ellen MacArthur Foundation estima que o "compartilhamento" de escritórios poderia reduzir a expansão urbana na Europa em uma área do tamanho da Bélgica.

Já as oportunidades de negócios ligadas à transformação do setor de energia e extrativismo são imensas. Cerca de US$ 3,5 trilhões e 87 milhões de empregos podem ser gerados no período de uma década.

Apoio governamental

De acordo com a pesquisa, "um programa de estímulo global com foco na proteção e restauração da natureza, impulsionando a produtividade de recursos e ampliando novas cadeias de valor poderia gerar empregos, crescimento econômico, saúde pública e igualdade social".

Porém, para que tais mudanças sejam bem-sucedidas, elas precisarão da confiança e apoio de cidadãos e governos. Pelos cálculos do Fórum Econômico Mundial, uma transformação positiva voltada para a natureza exigirá US$ 2,7 trilhões em investimentos público-privados, até 2030. Esses valores serão essenciais para catalisar as mudanças na escala necessária. "Isso é muito dinheiro, mas pouco se comparado com o pacote de estímulo da COVID-19, de US$ 2,2 trilhões dos Estados Unidos, ou os US$ 3,3 trilhões que devem ser perdidos pelo setor do turismo internacional", observam os autores do relatório.

Fazendas em alto mar

Um dos elementos-chave dessa mudança é o crescimento da população mundial e da demanda por proteínas. "Considerando que nem todo mundo vai virar vegetariano da noite para o dia, a proteína animal continuará sendo importante", explica Twan Voogt, da International PAN Ocean Aquaculture, empresa holandesa do ramo de piscicultura em alto mar. "Esses novos negócios têm de ser bons para as pessoas e para o planeta, mas também precisam ser lucrativos", acrescenta.

Um dos maiores incentivos a esse tipo de projeto é a eficiência, explica Voogt. "Para produzir um quilo de carne, você deve alimentar o bovino com 8 quilos de comida. Já para produzir um quilo de frango, você precisa de 1 quilo de ração. Com os peixes é a mesma coisa, sendo que você não depende de terra e nem de água potável para viabilizar a cultura desses animais", compara.

Porém, "enquanto na pesca tradicional você apenas retira peixes, diminuindo a quantidade e variedade da vida marinha, nas fazendas em alto mar você produz de forma mais sustentável", diz.

Peixes também podem poluir

Enquanto governos começam a diminuir as cotas para pesca, já de olho no desequilíbrio ambiental, a primeira solução foi montar redes para a criação de pescado em costas marítimas, especialmente de tilápia e salmão. O problema imediato foi a "incidência de doenças, uso de produtos químicos e a pressão sobre as espécies selvagens", escreve David Robinson Simon, advogado de Los Angeles e defensor do consumo sustentável. Nesse sentido, o autor do livro "Meatonomics" lembra que a

piscicultura em larga escala continua sendo um assunto contestado, embora tais evidências não sejam verificadas em todos as iniciativas desse tipo.

Voogt explica que a poluição existe quando se produz peixes, em escala industrial, em águas rasas, uma vez que os excrementos dos animais contaminam o fundo do mar. "Depois de 10 anos, o nível de oxigênio cai e isso tem muito impacto no meio ambiente. Além disso, como os peixes nadam na sujeira, eles ficam doentes e precisam de antibióticos. Isso sem falar nas redes de plástico, que contêm bactérias e podem rasgar com as tempestades, cada vez mais frequentes, indo parar nas praias", afirma em entrevista à RFI.

A solução do futuro, ele aponta, "são as grandes fazendas no meio do oceano, a mais de cem quilômetros da costa, onde os peixes são criados dentro de redes de cobre, quase no seu habitat natural, a centenas de metros de profundidade, onde as correntes marítimas dispersam os excrementos".

Essas fazendas em águas profundas "podem produzir de dez a vinte mil toneladas de peixe por ano", afirma. "Eles são alimentados com uma dieta de pequenas sardinhas, mas também já é possível alimentá-los com insetos e algas", diz.

Projetos desse tipo estão em estudo em países como Brasil (na altura da costa do nordeste) México, Índia e China. Segundo o especialista, dinheiro para custear esse tipo de empreitada não tem sido dificuldade. "O financiamento está disponível, porque há vários fundos que querem produzir de forma mais limpa e que sejam lucrativos". Além disso, "a tecnologia também não é um problema, já que usamos os navios e equipamentos da indústria do petróleo, agora voltados para outro fim. No futuro, esperamos que essas embarcações possam ser movidas a baterias, gás natural ou hidrogênio", conclui.

 

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