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Pastora lésbica promove inclusão e igualdade de direitos em igreja LGBTQI+ em Cuba

09/12/2019 16h03

Elaine Saralegui Caraballo é uma das raras pastoras cubanas a assumir sua homossexualidade e a militar pelos direitos LGBTQI+ na ilha comunista. Líder da Igreja da Comunidade Metropolitana em Cuba, ela contou à RFI como é estar a frente de uma instituição religiosa que acolhe fiéis de todas as orientações e identidades sexuais, promovendo, além da religiosidade, a inclusão e a igualdade de direitos.

Enviada especial da RFI a Havana

Em pleno debate sobre a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a Igreja da Comunidade Metropolitana em Cuba (ICM) se tornou uma espécie de refúgio para as pessoas LGBTQI+ da capital Havana e Matanzas (noroeste), onde estão localizadas suas unidades. Com a forte campanha de evangélicos conservadores, que conseguiu retirar o artigo que autorizaria o matrimônio para todos do referendo constitucional, em fevereiro deste ano, um dos principais desafios da instituição liderada pela pastora Elaine, de 42 anos, é lutar contra o fundamentalismo religioso, que se expande em Cuba.

"Todas as configurações de famílias precisam ser representadas na igreja. Estamos em uma luta por direitos iguais para todos e nós temos a responsabilidade de estar ao lado dos fiéis. Afinal, as igrejas são espaços frequentados por cidadãos que estão vivendo essas mudanças. Não podemos ficar à margem dessas questões", defende a pastora. "O que muitos não entendem é que os LGBTQI+ não pretendem interferir nas vidas, nas famílias ou nos direitos de ninguém. Ao contrário, o que pregamos é a necessidade de expandir os direitos, e que eles sejam para todos", reitera.

Inclusão dentro das igrejas

De formação originalmente batista, desde o seminário, Elaine se interessou pelas questões da comunidade LGBTQI+, devido à sua orientação sexual. Mas percebeu que não havia formação sobre esses temas dentro da igreja.

"Como seminarista, sempre refleti de que forma a religião poderia acolher as pessoas LGBTQI+. Por isso, sempre tive intenção de desenvolver um projeto para promover a inclusão dentro das igrejas. No seminário, a questão de gênero se restringe ao homem e à mulher e nada mais além disso", explica.

Durante a faculdade de Teologia, a jovem criou vínculos com acadêmicos das Ciências Sociais. A iniciativa deu vazão à realização das Jornadas Sócioteológicas de Cuba, abrindo caminho dentro da Igreja Batista para temáticas relacionadas à comunidade LGBTQI+. No entanto, as lideranças da instituição não viram com bons olhos a adesão de pessoas trans ou seguidores de outras religiões afrocubanas.

Em 2015, Elaine conheceu religiosos da Igreja da Comunidade Metropolitana em Cuba, fundada nos Estados Unidos, em 1968, em plena revolução sexual. A jovem se surpreendeu com a filosofia de abertura e integração de pessoas LGBTQI+ e começou a participar de eventos da instituição durante as Jornadas contra a Homofobia e a Transfobia.

"A partir de então, o ativismo se tornou algo inerente à prática religiosa. Comecei a entender que deveria lutar por nossos direitos dentro da sociedade, mas também dentro da igreja", relembra.

Com orientação teológica liberal, ecumênia e interconfessional, a ICM é atualmente a única igreja em Cuba a realizar uniões religiosas entre pessoas do mesmo sexo. A instituição participou ativamente dos debates sobre a nova constituição do país e conta com o apoio de organizações como o Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex), dirigido pela ativista Mariela Castro, filha do ex-presidente Raúl Castro.

O apoio deixa clara a posição do governo contra o avanço do fundamentalismo religioso no país, onde evangélicos protagonizam uma guerra aberta contra a comunidade LGBTQI+. "Fazem grandes campanhas, utilizando vídeos bem elaborados, e até mesmo personagens jovens, nos quais difundem informações mentirosas. Consideram que todo o projeto de ensino de educação sexual nas escolas e as políticas públicas de inclusão e em prol da diversidade do governo cubano favorecem a 'ideologia de gênero'", observa a pastora.

Como combater o fundamentalismo religioso

Elaine cobra de outras instituições religiosas uma posição mais inclusiva para combater o fenômeno. "Muitas igrejas aceitam a frequentação de membros LGBTQI+ desde que 'se comportem'. Isso dá margem a episódios frequentes que nos chocam. Recentemente um casal de gays foi repreendido em uma igreja batista porque um deles, durante o culto, colocou o braço por cima do ombro do outro. Ou seja, criticam que um casal de dois homens ou duas mulheres possam demonstrar afeto. Mas é normal que um casal hétero se abrace ou se dê as mãos na igreja. Por isso digo que essas não são instituições que podem se definir como 'abertas'. Elas apenas toleram a presença de quem não é hétero, impondo regras que não valem para todos", afirma.

Elaine também critica que, dentro da filosofia de impor comportamentos, muitas igrejas que se autoclassificam de progressistas não acolhem todos os membros da comunidade LGBTQI+ entre seus fiéis, negando acesso a pessoas trans, por exemplo. "Por isso questiono: se são igrejas realmente abertas, onde estão os trans de sua comunidade? Que aceitem essas pessoas, mas respeitando sua identidade, sua cultura, com todo o brilho, maquiagem, saltos altos, saias curtas, perucas", reitera.

Para a pastora, o fundamentalismo religioso é especialmente perigoso porque, além de impedir a evolução da sociedade, muitos líderes de igrejas ultraconservadoras têm fortes intenções políticas, comprometendo o princípio de Estado laico em vigor em Cuba desde a Revolução de 1959. Essas aspirações, segundo ela, ficaram mais claras após a criação da Aliança das Igrejas Evangélicas Cubanas, depois que algumas instituições desertaram o Conselho das Igrejas de Cuba (CIC) - organização que reúne todas as confrarias cristãs do país.

Em um artigo publicado na "Q de Cuir", revista digital cubana LGBTQI+, Elaine chama atenção para o apoio dos evangélicos conservadores a personalidades e movimentos extremistas, até mesmo no Brasil. "Em seus perfis no Facebook, essas igrejas e seus líderes manifestam empatia até ao Estado de Israel e ao sionismo cristão, enaltecem figuras fascistas como Jair Bolsonaro, Donald Trump e promovem notícias sobre lugares onde se derrotou a 'ideologia de gênero'", escreve.

Esperança no Código da Família

Se dentro da comunidade LGBTQI+, 2019 foi marcado pelo recuo do direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, a pastora deposita suas esperanças no Código da Família. O debate começa no ano que vem para a aprovação em 2021 do texto que deve estabelecer as novas regras de união para todos. Por outro lado, Elaine percebe que as igrejas ultraconservadoras já começam a se organizar para acirrar as discussões sobre a questão.

Consciente da necessidade de articulação, Elaine também continua, junto às atividades pastorais, a mobilizar os fiéis para essa próxima etapa importante para a comunidade LGBTQI+ de Cuba. "Somos uma igreja muito ativista. Em Havana, entre nossos fiéis, já contamos com vários membros do Cenesex. Já em Matanzas, onde a ICM tem uma tradição religiosa mais forte, estamos atraindo pessoas que antes não eram religiosas ou que também são seguidores de religiões afrocubanas. Essa característica destaca ainda mais a pluralidade da nossa igreja", finaliza.

*** Com apoio de Leslie Salgado

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