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SP desrespeita 3,5 mi de deficientes com burocracia, vãos e linhas lotadas

Raiz deixa calçada na rua Coronel Melo de Oliveira, na Vila Madalena, com desnível intransponível para cadeirantes - Cleber Souza/UOL
Raiz deixa calçada na rua Coronel Melo de Oliveira, na Vila Madalena, com desnível intransponível para cadeirantes Imagem: Cleber Souza/UOL
do UOL

Cleber Souza

Do UOL, em São Paulo

07/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Cerca de 3,5 milhões vivem em São Paulo com algum tipo de deficiência
  • Cidade tem diversos problemas de acessibilidade, como buracos e linhas de ônibus lotadas
  • Burocracia também emperra vida já difícil de pessoas com deficiência

Cerca de 3,5 milhões de pessoas vivem na cidade de São Paulo com algum tipo de deficiência, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esse número equivale a 25% da população paulistana, ou uma a cada quatro pessoas.

Apesar do número representativo, sofrem com cotidianos problemas de acessibilidade e inclusão em transporte público, saúde, educação e infraestrutura urbana.

Os problemas estão nas linhas de ônibus lotadas, nos vãos dos trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e do Metrô, nas calçadas e ruas esburacadas.

A dona de casa Meyre Aparecida Valentim, 28, tem duas filhas: Gabrielly, 4, e Vitória, 7. A primeira nasceu com hemimelia tibial, caracterizada como uma deficiência no osso que faz a pessoa ter tamanhos diferentes nas pernas e consequente dificuldade para andar. Elas moram em Vila Santo Estefano, na zona sul da capital.

Gabrielly - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabrielly brinca com boneca com prótese na perna semelhante à sua
Imagem: Arquivo pessoal
Às terças e quintas, Meyre leva Gabrielly até a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) de ônibus para tratamento. A irmã mais velha tem de ir junto. Como têm medo de perder o horário da consulta, saem 20 minutos mais cedo para pegar um ônibus que só passa a cada 30 minutos.

"A gente pegava essa linha às 7h, mas eu não conseguia sentar com ela. Mesmo com a pessoa deficiente, alguns não respeitam. Então tenho que carregá-la no colo muitas vezes", conta. "No Metrô, ela já foi puxada por um senhor porque estava sentada em um lugar preferencial", afirma Meyre.

A atitude das pessoas é também o motivo de maior reclamação da coordenadora de terapia ocupacional Lina Borges, 58, que atua há 28 anos na AACD. "A acessibilidade física e estrutural, particularmente, acho até fácil de resolver. Agora, a 'atitudinal' é a que caminha de forma lenta para a acessibilidade e a inclusão", disse.

Ela relata, por exemplo, já ter presenciado pessoas não cederem assentos para deficientes e reclamado da demora de um ônibus que parou para acolher cadeirantes. Sobre infraestrutura, pede mais calçadas acessíveis e sem os obstáculos como a raiz da árvore que ilustra esta reportagem e impede a passagem de uma cadeira de rodas.

A qualidade das calçadas não é boa, mas ainda assim São Paulo ficou em primeiro lugar em um ranking sobre as calçadas do Brasil, divulgado em setembro pela Mobilize Brasil. Apesar do topo na lista, teve uma média bem abaixo do ideal: tirou 6,93, distante da nota 8 que seria a recomendada.

Burocracia emperra vida já difícil

O processo para garantir benefícios é outro problema apontado por familiares e pessoas com deficiência.

Serviços como o Atende+ e o Bilhete Único Especial PCD (Pessoa com Deficiência) exigem paciência. O tempo médio para consegui-los é de até um ano e dependem de avaliação médica e de outros requisitos exigidos pela SPTrans (São Paulo Transporte), responsável pelas linhas de ônibus na capital.

Os pedidos de cadeiras de rodas demoram, em média, até um ano e meio através do SUS (Sistema Único de Saúde).

A mãe de Gabrielly conta que nem tentou o Atende+ por conta da burocracia. "Eu não consigo trabalhar porque cuido das minhas duas filhas. Se eu usar o Atende+, não tenho com quem deixar a mais velha, Vitória. Eles não permitem que eu a leve junto [no Atende+], então levo as duas nas consultas de ônibus normal. É um processo muito burocrático. O tempo de espera dificulta muito."

Sem acesso à escola na Bela Vista

Pais também relatam que escolas públicas municipais não atendem as necessidades especiais de seus filhos.

Stela e seu neto Luan - Rivaldo Gomes/Folhapress - Rivaldo Gomes/Folhapress
Cerca de 60 alunos deficientes ficaram sem aulas devido a obras entregues com problemas na EMEF Celso Leite Ribeiro Filho, na Bela Vista
Imagem: Rivaldo Gomes/Folhapress

Na EMEF Celso Leite Ribeiro Filho, na Bela Vista, região central, eles relatam que, mesmo após obras serem feitas, o prédio ficou inacessível a crianças cadeirantes. Há rampas malfeitas, portas com largura inadequada e degraus e salas não inclusivas.

Segundo Wellington Souza, 29, ex-presidente do conselho de pais e autônomo, o secretário de Educação, Bruno Caetano, esteve no local e pediu 90 dias para solucionar os problemas, além de prometer a contratação de estagiários e de uma nova professora para acompanhar os alunos com deficiência.

Ele reclama que a escola não possui um currículo adaptativo para as crianças com deficiência. "Por mais que os professores sejam excelentes e tentem dar uma educação de qualidade, o que falta é uma adaptação curricular para esses alunos especiais", afirmou o autônomo.

O que dizem os órgãos públicos

Procurada pelo UOL, a STM (Secretaria de Transportes Metropolitanos) diz que todas as estações do Metrô são acessíveis e 66 das 94 estações da CPTM são acessíveis. Afirma que trabalha para adequar as outras 28.

Já a prefeitura disse em nota que o objetivo é ampliar a acessibilidade em serviços públicos.

Sobre a EMEF Celso Leite Ribeiro Filho, a Secretaria Municipal de Educação afirma que construiu uma SRM (Sala de Recursos Multifuncionais). Também haverá a contratação de mais um professor para esta sala, destinada ao atendimento da educação especial.

A escola recebeu também um novo carrinho escalador, que permite a locomoção de cadeirantes pela escada. Além disso, um processo para obras de acessibilidade na unidade está em andamento.

Segundo a secretaria, há 11 estagiários de apoio e 3 AVEs (Auxiliares de Vida Escolar) para apoiar o desenvolvimento pedagógico de alunos com deficiência.

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