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Supervisor de banco é condenado após detetive armado perseguir cliente

Templo do dinheiro, o Banco Safra não quer moradores de rua perto de sua sede na Avenida Paulista - Lucas Lima
Templo do dinheiro, o Banco Safra não quer moradores de rua perto de sua sede na Avenida Paulista Imagem: Lucas Lima
do UOL

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

17/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Segundo MP, superintendente usou métodos da "Chicago mafiosa"
  • Cliente perseguido impunha derrotas judiciais à instituição financeira
  • Detetive tinha barra de ferro de 58 cm, faca de 32 cm e algemas

O superintendente de segurança do banco Safra foi condenado criminalmente pela Justiça por mandar um cliente ser perseguido por um detetive armado. Segundo o Ministério Público, o superintendente de segurança do banco, Sebastião Garozzo, usou métodos da "Chicago mafiosa da década de 20" em 2012 quando colocou um detetive nas ruas de Campinas (SP) atrás um de cliente que impunha derrotas judiciais à instituição financeira.

O perseguidor, Jeferson Fiúza, foi preso. À época dos fatos, ele já tinha sido preso e indiciado por duplo homicídio. Depois, foi preso por porte ilegal de arma.

Na perseguição em Campinas, Fiúza estava munido de 172 cartuchos de pistola calibre 380, uma barra de ferro de 58 centímetros e 765 gramas, com pontas cortantes, uma faca de 32 centímetros, um par de algemas e 1.000 espoletas tipo "Boxer".

O cliente chamou a Polícia Militar, segundo o juiz Abelardo de Azevedo Silveira, da 2ª Vara Criminal de Campinas, afirmou na sentença. "Não fosse a intervenção policial, a perseguição poderia terminar em algum fato de consequências mais graves."

Ele condenou o superintendente de segurança do banco Safra, o oficial da reserva do Exército Sebastião Jesus Garozzo, por coação no curso do processo. O detetive Jeferson Fiúza foi condenado pelo mesmo crime e por porte ilegal de arma de fogo. Garozzo cumprirá um ano de prisão em regime aberto. Fiúza, três.

Procurada, a assessoria do banco Safra disse que não vai comentar o assunto. A reportagem procurou a advogada de Fiúza por telefone e correio eletrônico, mas não obteve resposta.

Lojistas venciam disputa por juros

A família alvo das perseguições é dona de uma rede lojas de calçados de luxo no interior de São Paulo, com sede em Campinas. Por volta de 2010, eles passaram a ganhar uma série de ações cíveis na Justiça contra o banco Safra. O motivo das discórdias era a cobrança de juros feita em taxas maiores do que o combinado nos contratos, que recebiam anotações a lápis. A família criou um blog para divulgar os passos do caso e concedia entrevistas à imprensa.

Em 2012, o Safra contratou uma empresa de consultoria, a Unit, sediada em São Paulo. Em 19 de novembro, a mando das duas empresas, Jeferson Fiúza foi a Campinas num carro, acompanhado de um taxista em outro veículo. Lá, os dois carros perseguiram um dos sócios da família na rede de lojas.

A vítima chamou a polícia. O policial militar Edson Justino abordou Fiúza e ouviu o detetive fazer uma ameaça ao sócio dos lojistas. "Iria se ver com o banco Safra", narrou Justino, em depoimento à Justiça. Para o Ministério Público, a "conduta, por si só, já era ameaçadora".

Ao continuar a abordagem, a polícia localizou o segundo carro, estacionado ao lado da agência do banco Safra. Um dos carros continha 172 munições para pistola calibre 380, algemas, espoletas, uma faca de 32 centímetros e uma barra de ferro de mais de meio metro com ponta cortante.

O juiz Abelardo Azevedo viu crime de Garozzo na ação. "O corréu Sebastião [Garozzo], superintendente do Banco Safra, contratou a empresa Unit Consult para que, por meio de seu funcionário Jeferson [Fiúza], intimidasse a vitima em razão da pendência de diversas ações cíveis movidas por este e demais sócios do grupo contra aquele banco", disse o magistrado na sentença, de 1º de outubro passado.

Para o juiz, Fiúza, "nitidamente, tentava intimidar a vítima Airton perseguindo-a durante todo o dia e os diversos objetos apreendidos em sua posse a reforçar, ainda mais, o caráter intimidador da perseguição".

Em sua defesa, Garozzo disse que o banco contratou a empresa para descobrir uma suposta panfletagem com difamação contra o Safra. No entanto, Fiúza não portava nenhuma máquina fotográfica para verificar a alegada distribuição de panfletos. Os advogados também não exibiram nenhum papel para provar que isso estava acontecendo.

Juiz diz que viagem tinha "objetivo espúrio"

O juiz Abelardo Azevedo diz que o motivo alegado pelos advogados do banco para a viagem de Fiúza não estava comprovado. "A ideia de que se tratava de uma investigação cai por terra, na medida em que seria impossível a suposta 'produção de provas' mencionada por Sebastião [Garozzo] sem os aparatos necessários para tal comprovação".

O acusado nem sequer portava câmera fotográfica ou qualquer outro item que pudesse demonstrar a suposta investigação. Pelo contrário, portava diversas munições, barra de ferro, algemas e faca, um verdadeiro arsenal na empreitada de intimidar a vítima Airton [Campos]"
Abelardo Azevedo, juiz

Para o magistrado, a contratação da Unit antes da intimidação "não afasta o objetivo espúrio que motivou a contratação". Azevedo considerou "bastante questionável" o fato de a companhia do homem mais rico do Brasil (Joseph Safra) contratar ume firma de consultoria de pequeno porte.

O Ministério Público de São Paulo fez um acordo para suspender o processo em relação a Elias Alves, dono da Unit.

Requeiro a condenação dos acusados (...) ao corréu Sebastião Jesus Garozzo tendo em vista a intensidade do dolo de sua conduta, eis que ostentava posição de destaque em instituição bancária de renome internacional e agiu, ao concorrer com a coação no curso do processo, como se estivesse na Chicago mafiosa da década de 20!"
João Carlos de Moraes, promotor

Para ele, trata-se de um crime cometido por pessoas "representando um bilionário conglomerado financeiro, e visando a opressão de desafetos que efetivamente estavam tendo vitórias na Justiça Cível".

Detetive chegou a alegar "fetiche sexual"

O juiz disse que, na delegacia, Fiúza usou de ironia ao explicar o motivo do uso do arsenal. "Alegou, em tom irônico, que '... o par de algemas é porque possui fetiche sexual'", narrou Azevedo. A faca de 25 centímetros "era para descascar laranja e a barra de ferro para ajudar na chave de roda, caso o pneu furasse", respondeu o detetive, ao ser preso em flagrante em novembro de 2012.

O taxista acompanhou Fiúza na ação, mas não foi denunciado. Ele disse não saber que havia armas em um dos carros. A Polícia Militar e a Promotoria creem que havia mais pessoas envolvidas na ação, tendo em vista que surgiram várias pessoas na delegacia após a prisão do detetive, mas não foi possível comprovar a participação deles. "Sua perseguição estaria sendo monitorada por outras pessoas", disse o promotor João Carlos Moraes.

Detetive foi condenado de novo

Poucas semanas antes da condenação por Abelardo Azevedo, Fiúza já havia sido condenado. Em 6 de setembro passado, a juíza Ana Lúcia Queiroga, da 16ª Vara Criminal de São Paulo, sentenciou o detetive a dois anos de prisão em regime aberto por porte ilegal de arma de fogo.

Em 16 de agosto de 2016, por volta das 21h, Fiúza foi detido em flagrante numa parada de ônibus da estação de trem do Grajaú (zona sul de São Paulo). Ele estava com uma pistola Glock 380 e cinco munições, mas sem autorização de uso. Houve uma confusão entre vendedores ambulantes e seguranças da CPTM (Companhia Paulista de Trens Urbanos), que apreendiam mercadorias.

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