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Após reestruturação, Samu de São Paulo atende menos pessoas e demora mais

Fachada da base do Samu, no Jardim Angela, zona sul - Alexandre Moreira/Folhapress - 20.nov.2017
Fachada da base do Samu, no Jardim Angela, zona sul Imagem: Alexandre Moreira/Folhapress - 20.nov.2017
do UOL

Alex Tajra e Beatriz Montesanti

Do UOL, em São Paulo

09/07/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Após prefeitura extinguir bases e levar Samu para hospitais, serviço fica mais lento
  • UOL comparou períodos idênticos em 2018 e 2019 para atestar a piora no atendimento
  • Secretaria afirma que sistema está se consolidando e vai funcionar melhor que o anterior

O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de São Paulo piorou desde que a prefeitura realizou, em fevereiro deste ano, uma reestruturação do sistema.

Dados obtidos pelo UOL via Lei de Acesso à Informação mostram que o tempo de atendimento de ambulâncias aumentou e o número de chamadas atendidas diminuiu comparando os meses de janeiro a maio de 2019 em relação aos mesmos meses de 2018.

Segundo mostram os números, o tempo médio de atendimento de uma ambulância em fevereiro deste ano, quando as mudanças começaram a ser implementadas, foi de 79 minutos. No ano passado, nesse mesmo mês, foi de 69 minutos. A diferença representa um aumento de 13% no tempo médio de atendimento.

Os valores são referentes ao tempo decorrido entre a abertura de uma solicitação e a chegada da equipe ao local do chamado. Não está contabilizado, nesse caso, o tempo de prontidão, que é entre a transmissão do chamado a uma equipe e a saída da base para realizar o atendimento. O levantamento considera os atendimentos de todos os níveis de prioridade.

A Secretaria de Saúde argumenta que o processo de reestruturação do Samu foi consolidado somente em junho e que os resultados "poderão ser medidos nos próximos meses" (veja mais abaixo).

A título de comparação, a diferença entre os meses de janeiro, antes de haver qualquer alteração no sistema de atendimento, foi de apenas 1% (de 77 minutos em 2018, para 78, em 2019). Ainda, segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), o trânsito diminuiu na cidade neste mesmo período, portanto esse fator não poderia explicar a lentidão.

Atendimento ficou mais rápido na zona leste de SP

Analisando por região, o tempo médio de atendimento só diminuiu na zona leste, ainda assim com exceção do mês de maio, quando foi mais lento que em 2018. As que sofreram maiores diferenças entre ano passado e este, em termos de aumento do tempo médio, foram as regiões sul e sudeste. No caso da primeira, por exemplo, houve aumento de 20 minutos no tempo médio de atendimento em maio, quando comparado ao mesmo período de 2018.

Em relato ao UOL, um médico do Samu afirmou que a zona sul é, geograficamente, mais intrincada, pois abriga algumas represas da cidade (Guarapiranga, que abastece mais de 4 milhões de pessoas, é uma delas). "As bases anteriores foram pensadas para contornar o problema das represas. Quando se altera as posições geográficas dessas bases, sem levar em considerações as barreiras físicas, você prejudica o atendimento", diz, sob condição de anonimato.

"Esse foi o pior quadrimestre da história do Samu, desde que o serviço foi criado em 2004. Foi o pior não só em tempo de resposta, mas em número de atendimentos também", afirma o médico.

Em relação ao número de chamadas atendidas pelo serviço da Secretaria Municipal de Saúde, os efeitos após a reestruturação são ainda maiores: foram 12.148 atendimentos em abril deste ano, 21,6% a menos que os 15.514 atendimentos realizados em abril de 2018. Os números representam menos da metade das chamadas feitas ao Samu, já excluídas ligações solicitando outros serviços, pedidos de informações e trotes.

Após a reestruturação, o único mês em que houve incremento do número de atendimentos foi em maio: 14.815, contra 13.714 no mesmo período do ano passado (aumento de 8%).

Bases foram deslocadas para hospitais

A mudança nas bases do Samu começou no final de fevereiro, mas foi concluída apenas no começo de abril, mês que registrou a maior diferença em termos de tempo de atendimento e número de chamadas atendidas.

Em suma, a reestruturação consistiu no fechamento de 31 bases modulares e a descentralização das equipes assistenciais do serviço. Funcionários e equipamentos foram deslocados dessas bases para salas -- muitas vezes improvisadas -- em hospitais e unidades de saúde da cidade.

Base do Samu no Pronto Socorro Bandeirantes, no Butantã; médicos e enfermeiros criticam estrutura precária e insalubre - Reprodução - Reprodução
Base do Samu no Pronto Socorro Bandeirantes, no Butantã; médicos e enfermeiros criticam estrutura precária e insalubre
Imagem: Reprodução

Segundo a portaria que determinou a mudança, o objetivo é "ampliar os pontos de assistência e cobertura pré-hospitalar móvel", promover o "sinergismo" entre as equipes e "potencializar os recursos gerenciais e administrativos da rede".

A prefeitura argumenta que mais bases serão abertas (a secretaria fala em 78) até o ano que vem, o que poderia melhorar o atendimento.

Os números obtidos via Lei de Acesso e médicos do sistema que falaram ao UOL, no entanto, dizem o contrário.

Diretor do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo), Gerson Salvador chamou de "tragédia anunciada" as mudanças realizadas.

"As bases ficavam próximas a vias expressas da cidade, que davam fácil acesso às ambulâncias, que conseguiam chegar mais rápido aos locais. Agora, para sair dos hospitais é um transtorno. Os números mostram que essa é uma estratégia equivocada e não visava aumento da eficácia."

Nova base do Samu no Hospital Municipal do Campo Limpo, zona sul de São Paulo - Reprodução - Reprodução
Nova base do Samu no Hospital Municipal do Campo Limpo, zona sul de São Paulo
Imagem: Reprodução

Gerson cita como exemplo a base transferida para o Hospital Municipal de Campo Limpo, onde a equipe passou para o quinto andar do prédio. "Os socorristas precisam pegar elevador para atender uma emergência. Em outros lugares, precisa validar ticket de estacionamento para sair com a ambulância. Isso tudo atrasa o tempo de atendimento", diz.

Funcionários sugeriram usar bases dos Bombeiros

O UOL apurou que médicos e outros funcionários do Samu teriam sugerido à prefeitura uma alternativa: instalar as novas estruturas em bases do Corpo de Bombeiros, da Guarda Civil Metropolitana ou nos parques municipais. Estes locais estariam mais aptos ao "regime de prontidão", conforme descrito por um médico à reportagem. A Prefeitura não confirmou se houve esse diálogo.

O Simesp afirma que a reestruturação tem como principal objetivo a contenção de gastos. Levantamento feito pelo sindicato aponta que a prefeitura vai economizar R$ 7,4 milhões ao ano com o fechamento das bases modulares, já que cada estrutura custa cerca de R$ 20 mil por mês aos cofres públicos.

Para médicos ouvidos pelo UOL, a reestruturação faz parte de um projeto da prefeitura de terceirização do setor.

Muitas das salas disponibilizadas pela prefeitura para as equipes apresentam condições de insalubridade, conforme mostram vídeos aos quais a reportagem teve acesso (veja abaixo).

Outro lado

Em nota à reportagem, a Secretaria de Saúde argumenta que o processo de reestruturação do Samu foi consolidado somente em junho e que os resultados "poderão ser medidos nos próximos meses". Segundo a prefeitura, os números de maio demonstram que mais chamadas foram atendidas pelo serviço.

"Estes números reforçam que o plano de descentralização e integração do SAMU, que aproxima as bases dos locais das ocorrências, vai proporcionar o aumento da disponibilidade de ambulâncias e da produtividade das equipes. Fatores-chave para a melhora do serviço móvel de urgência e emergência prestada à população na cidade de São Paulo", diz a pasta em nota.

Vídeos mostram condições precárias das novas bases do Samu em SP

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