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O que a descoberta de um novo tipo de humano nas Filipinas pode significar?

Arqueólogos apresentam ossos do Homo luzonensis - Noel Celis/AFP
Arqueólogos apresentam ossos do Homo luzonensis Imagem: Noel Celis/AFP

21/04/2019 04h00

Em uma caverna nas Filipinas, cientistas descobriram um novo ramo da árvore genealógica humana.

Pelo menos 50 mil anos atrás, uma espécie humana extinta viveu no que é agora a ilha de Luzon, relataram pesquisadores recentemente. É possível que o Homo luzonensis, como a espécie está sendo chamada, tivesse menos de um metro de altura.

A descoberta acrescenta cada vez mais complexidade à história da evolução humana. Não foi um progresso simples, como já pareceu ser. Em vez disso, nossa linhagem assumiu inúmeras formas, exuberantes e estranhas, durante seu desenvolvimento.

Nossa espécie, Homo sapiens, agora habita um mundo comparativamente solitário.

"Quanto mais fósseis as pessoas tiram do solo, mais percebemos que a variação existente no passado excede em muito o que temos hoje", disse Matthew Tocheri, paleoantropólogo da Universidade de Lakehead, no Canadá, que não estava envolvido na descoberta.

No início dos anos 2000, Armand Salvador Mijares, aluno de pós-graduação da Universidade das Filipinas, buscava vestígios dos primeiros agricultores do país na Caverna Callao, em Luzon, e decidiu cavar um pouco mais fundo.

Pesquisadores da ilha indonésia de Flores descobriram os ossos de uma espécie humana extraordinária, de cerca de 60 mil anos de idade. Os cientistas a chamaram de Homo floresiensis.

Algumas características eram semelhantes às nossas, mas o Homo floresiensis era mais parecido com outros hominíneos (termo que os cientistas usam para os seres humanos modernos e outras espécies em nossa linhagem).

O Homo floresiensis fazia ferramentas de pedra, por exemplo. Mas os adultos tinham apenas 90 centímetros de altura e um cérebro minúsculo. Essa estranha combinação levou a debates sobre quem, exatamente, seriam seus antepassados.

Os fósseis mais antigos de hominíneos, que datam de mais de seis milhões de anos, foram todos encontrados na África. Durante milhões de anos, os hominíneos foram macacos bípedes baixos e com cérebro pequeno.

Começando aproximadamente há 2,5 milhões anos, uma linhagem de hominíneos africanos começou a desenvolver traços novos - cara mais achatada, cérebro maior e corpo mais alto, entre outras características. Esses foram os primeiros membros conhecidos de nosso próprio gênero, Homo.

Só mais tarde, cerca de 1,8 milhão de anos atrás, os primeiros fósseis de Homo surgiram fora da África. Uma espécie comum foi o Homo erectus, que se espalhou para o leste e o sudeste da Ásia. O mais jovem fóssil de Homo erectus, descoberto na Indonésia, pode ter apenas 143 mil anos de idade.

Nossa própria linhagem continuou evoluindo na África. O Homo sapiens surgiu há cerca de 300 mil anos, e há apenas 100 mil anos começamos a sair do continente. Há cinquenta mil anos, nossa espécie havia chegado à Austrália. (Alguns pesquisadores acreditam que a data deveria ser ajustada para 65 mil anos atrás.)

Uma hipótese, então, é que o Homo floresiensis evoluiu do Homo erectus. Então, esta era a pergunta dos arqueólogos filipinos: os hominíneos poderiam ter chegado a Luzon, além de Flores?

"Isso me inspirou a voltar e a ir fundo", disse em uma entrevista Mijares, hoje professor da Universidade das Filipinas.

Em 2007, ele voltou à Caverna Callao. Enquanto sua equipe escavava o solo da caverna, os pesquisadores chegaram a uma camada de ossos. No início, Mijares ficou desapontado com os fósseis, que pertenciam principalmente a veados e outros mamíferos.

Mas quando Philip Piper, arqueólogo da Universidade das Filipinas, analisava os achados, notou algo que se assemelhava a um osso do pé humano. Era pequeno, disse Mijares, "e havia algo estranho nele". Mas o achado pouco revelava.

Em 2011, em outra escavação, ele e seus colegas encontraram fósseis mais semelhantes aos dos humanos, incluindo dentes, parte de um fêmur e ossos da mão. Em 2015, encontraram mais dois molares, datados de pelo menos 50 mil anos.

No total, os fósseis vieram de três indivíduos. E eram notáveis.

Os dentes tinham uma forma peculiar. Alguns dianteiros tinham três raízes, por exemplo, enquanto os da nossa espécie têm em geral somente uma. E eram minúsculos.

"Esses dentes adultos são menores que os de qualquer hominíneo conhecido", disse Debbie Argue, paleoantropóloga da Universidade Nacional da Austrália, que não esteve envolvida no estudo. "Será que esses dentes pertenciam a adultos ainda menores que o Homo floresiensis?"

Os pesquisadores não encontraram ossos suficientes para estimar a altura do Homo luzonensis. Mas ele tem sua própria mistura estranha de traços. Um osso do dedo do pé, por exemplo, parece quase idêntico aos dos primeiros hominíneos que viveram na África há mais de três milhões de anos.

"A combinação de características é algo que nunca vimos antes", disse María Martinón-Torres, diretora do Centro Nacional de Pesquisa da Evolução Humana da Espanha, que não esteve envolvida no novo estudo.

Em conjunto, concluíram Mijares e seus colegas, a evidência apontou para uma nova espécie de Homo.

Tirar esse tipo de conclusão de alguns ossos é arriscado, reconheceu Huw Groucutt, paleoantropólogo do Instituto Max Planck de Ecologia Química.

No entanto, disse ele, "acho que o argumento para uma nova espécie parece muito convincente nesse caso".

O Homo erectus pode ter sido o antepassado dos pequenos hominíneos de Flores e Luzon - talvez levados para as ilhas por tempestades, agarrados a árvores. Pode até ser possível que o Homo luzonensis descenda de hominíneos que vieram a Luzon centenas de milhares de anos antes.

No ano passado, outra equipe de cientistas que trabalhava em outra caverna em Luzon encontrou os ossos de um rinoceronte que havia sido abatido. Perto desses restos mortais, descobriram também ferramentas de pedra que datam de 700 mil anos.

No mínimo, os dois estudos indicam que havia hominíneos em Luzon há 700 mil anos e há 50 mil anos. A questão agora é se eles pertenciam à mesma população.

"Acho que provavelmente são a mesma linhagem", disse Gert Van den Bergh, arqueólogo da Universidade de Wollongong, na Austrália, e coautor do estudo do ano passado. Ao longo de centenas de milhares de anos, especulou, o Homo erectus encolheu para se adaptar à vida em Luzon.

Tocheri discorda dessa interpretação.

"Acho difícil aceitar a ideia de que a ilha tenha diminuído o Homo erectus", disse ele. Em vez disso, sugere, os pequenos hominíneos locais podem ter tido antepassados pequenos - talvez pequenos hominíneos da África que vieram para a Ásia e acabaram em Flores e Luzon, fugindo dos maiores.

"Mas isso faz com que nos perguntemos: se estamos encontrando essas coisas lá longe, deve haver um registro delas através de todo o continente que nos leve de volta à África", acrescentou Tocheri.

A análise dessas possibilidades exigirá mais fósseis de Homo luzonensis - e talvez fósseis vindos de algumas das muitas ilhas ao longo da costa do sudeste da Ásia.

"Vejo isso como uma oportunidade incrível para várias experiências paralelas sobre a evolução humana nessas ilhas", disse Van den Bergh.

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