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Seita: Por que me juntei a uma - e como consegui sair dela

A atriz Allison Mack - Drew Angerer/Getty Images
A atriz Allison Mack Imagem: Drew Angerer/Getty Images

George Wright - Da BBC News

20/04/2019 14h49

Quatro ex-integrantes de seitas explicam as consequências de viver sobre a influência de grupos do tipo e as enormes dificuldades para escapar deles.

A atriz americana Allison Mack (conhecida pelo seriado Smallville) se declarou neste mês culpada da acusação de ter recrutado pessoas para um esquema de tráfico sexual na seita Nxivm (lê-se "nexium").

Keith Raniere, líder desse grupo que começou como um programa de autoajuda, é acusado de montar um sistema de "escravas sexuais" dentro do Nxivm. Promotores afirmam também que os membros tiveram que pagar milhares de dólares por cursos para crescer na seita. Em sua defesa, ele afirma que o sexo era consensual.

Mas o que leva as pessoas a se juntarem a esses grupos? E como elas se reintegram na sociedade quando saem?

A BBC conversou com quatro ex-integrantes de seitas em diferentes cantos do mundo para entender isso:

Renee Linnell

Eu era dançarina até um grupo de meditação virar minha vida de cabeça para baixo

Olhando do lado de fora, parecia a vida perfeita. Cresci na Flórida e em um barco nas Bahamas com meus pais e meu irmão gêmeo, mas eu sempre me senti vazia por dentro e triste. Realmente não me encaixava. A maior parte da minha família morreu antes dos meus 15 anos, e foi quando meu pai morreu. Eu buscava entender: o que acontece depois que morremos, por que estamos aqui?

Quando eu tinha 33 anos, entrei em um grupo de meditação budista tântrica e me sentei para meditar. Eu imaginava que (a sessão) seria feita por uma mulher mais velha com longos cabelos grisalhos. Em vez disso, apareceu uma mulher jovem de terno e salto alto.

Ela colocou música eletrônica, disse "vamos meditar" e colocou seus óculos escuros. Fechei os olhos e tive essa experiência incrível. Tudo fica branco e há muita paz. Percebi que isso era o que eu estava procurando por toda a minha vida. Pensei: "Não me importa quem é essa mulher, não me importo com o que ela diz. Estou em casa".

Demorou um pouco, mas agora percebo que é como qualquer relacionamento tóxico. Se você for ao primeiro encontro e alguém bater em você, você não irá a um segundo encontro. Mas eles começam com o romance, te seduzem, te atraem. E é isso que eles fizeram.

Então, com tantas tarefas passadas por eles, muito do tempo é consumido com o grupo e você começa a se distanciar de amigos, familiares e atividades que você amava. Sem perceber, minha rede de apoio começou a desaparecer e o pensamento de grupo começou a se instalar.

Então, após dois anos, eles começaram a incutir novas dúvidas.

Dizem que você está evoluindo para uma versão iluminada de si mesmo. E tudo do seu "antigo eu" não se aplica mais. Dizem que é como um alcoólatra. Uma vez que você está sóbrio, já não se pode realmente sair com seus velhos companheiros de bebida para bares antigos.

Quanto mais dinheiro ganhamos, mais dinheiro pagamos. Eles justificam dizendo que tudo é energia, incluindo dinheiro. Quanto mais dinheiro você gasta e dá aos professores, mais empoderamento você ganha ali dentro.

Foi tudo abusivo, toda a minha vida se tornou deles. Então o guru me seduziu como consorte, como um professor espiritual que conduz seu aluno como uma amante. Ele lenta mas seguramente começou a me criticar. Nada que eu fazia era bom o suficiente.

Em seitas, como em qualquer relacionamento abusivo, os sinais de alerta estão lá o tempo todo, mas a negação é uma coisa poderosa. Professores diziam "Seu ego é tão grande que você não quer mudar" e eu explicava que queria mudar e me tornar iluminada, mesmo sem entender o que iluminação significava.

Eventualmente tudo desabou. Eu estava no fundo do poço e, em seguida, tive uma experiência de quase morte em (uma queda de) snowboard e depois disso comecei a ouvir claramente, mas não queria admitir isso para mim mesma.

Quase sete anos depois que entrei, me permiti perceber.

Foi muito difícil no começo. Saí de Nova York e me mudei para o Colorado e pensei em me mudar para algum lugar tranquilo e voltar a ficar bem. Em vez disso, me afastei ainda mais e praticamente não consegui sair de casa. Eu tinha pensamentos suicidas, mal comia, dormia o dia todo por quase seis meses.

Então a alegria começou a voltar para a minha vida. Levei cinco anos, e só recentemente comecei a sentir que estava me reintegrando.

Sarah Lionheart

Fui mantida em cativeiro por um guru na Índia

Eu estava fazendo meu doutorado em Consciência e Espiritualidade. Fui a uma palestra e ali havia um monge hindu falando de modo eloquente sobre a consciência e a mente. Decidi treinar com ele.

Antes que eu notasse, estava completamente viciada. Então ele me disse: "Não posso te ensinar mais, você precisa ir ao meu guru na Índia que é absolutamente iluminado. Esta é a sua chance".

A razão pela qual eu estava vulnerável era que minha infância me deixara ansiosa por uma família na qual me sentisse verdadeiramente importante. Eu sabia que queria me livrar daquela dor emocional.

Depois de três dias no ashram na Índia, me lembro de um dia almoçar e de, lentamente, perceber minhas unhas arranhando a parede, escorregando e perdendo a consciência. A próxima coisa que notei era que eu estava no quarto que eles tinham me dado, e o guru estava em cima de mim. Eu não saí daquele quarto por três meses.

O que me desnorteava quando cheguei em casa é que não conseguia explicar às pessoas o que havia acontecido. Ele em cima de mim, eu paralisada, desconectada, e uma ou duas horas mais tarde eu estaria sentado lá pensando: "Não é por isso que vim aqui, achei que ele deveria ter as melhores intenções no coração."

Então ele me acusou de não se comportar corretamente. Você não acreditaria nos truques da mente que eles usam. Ele dizia: "É por causa da sua educação católica que você não gosta disso".

Isso foi no outono de 1987. Eventualmente, percebi que iria enlouquecer e morrer lá se não pensasse em um plano realmente bom.

Minha primeira tentativa de fuga não funcionou e só piorou as coisas. Então, passei a fingir que achava maravilhoso estar ali. Depois, disse que queria que um monge da Inglaterra fosse até lá com outro monge de Bangalore e celebrarmos que eu era sua consorte "e como isso era maravilhoso". Ele acreditou em mim.

Por fim, esses dois vieram e expliquei ao monge inglês o que estava acontecendo. "Eu perdi muito peso, estou doente, tenho certeza que minha mente está começando a ir embora e preciso de ajuda." Ele respondeu: "Você tem que fazer o que o guru lhe diz para fazer. Sempre".

Eu pensei naquele momento: talvez eu tenha entendido tudo errado.

Na noite seguinte, conversei com o monge de Bangalore, que não conhecia. Quando lhe contei, ele explicou que isso acontecera antes e esperavam que o guru tivesse parado. Ele me tirou de lá e cuidou de mim.

Ele me contou sobre o caso de uma outra garota, que enlouqueceu e foi internada em um hospital psiquiátrico. O irmão que havia entrado ali se enforcou.

O que as pessoas não entendem é quando você se senta na frente de um homem ou mulher com toda a pompa e todo o incenso, e eles dizem que você precisa ser mais amorosa e gentil e fazer essas orações e ajudar todos os seres sencientes, sentir seu coração aberto, você sente: "Sim, eu quero ser essa pessoa pura, eu sou muito grata a você".

Aquele sentimento aberto e puro é, na verdade, tudo você que faz, mas acha que foi esse guru fez algo.

Para mim, o controle coercitivo foi realmente implacável - 24 horas por dia, 7 dias por semana - e a dinâmica de manipulação e gaslighting era semelhante ao que vivi com a minha família.

Se você é emocionalmente saudável com uma infância saudável, na qual você se sentiu uma pessoa querida e importante e que seus sentimentos valiam algo, acho que você não seria tão facilmente levado por isso.

Como ajudar alguém que está em um culto desse tipo?

O Centro de Informações de Seitas, uma ONG baseada no Reino Unido que dá suporte a membros de seitas, seus familiares e amigos, lista 22 coisas que devem ou não ser feitas para ajudar.

Entre elas:

  • Sempre acolha de volta ao lar um membro de seita, não importando o que foi dito
  • Não subestime o poder de um seita sobre seus membros
  • Não ridicularize as crenças das pessoas
  • Registre todos os nomes, endereços e telefones de pessoas ligadas à seita
  • Não fale: "Você está em uma seita, está sofrendo lavagem cerebral"

Jane Rickards

Pensei que ele fosse Deus

Meus pais estavam em guerra durante minha juventde, então eu não estava segura. Passei a ter muito medo de fantasmas e coisas assim porque meus irmãos disseram ter visto algo do tipo. Eu, que era a caçula, fiquei muito assustada.

Anos depois, procurei quem tratava de "questões espirituais" em Londres e foi assim que me deparei com a pessoa que me arrastou para seus horrores. Ele se anunciava como um xamã americano-indiano. E eu pensava que estava apenas sendo curiosa.

Fui até o primeiro encontro e fiquei fascinada porque imaginei esse velho cinza de barba, cheio de sabedoria, chegando ao palco. Mas era um cara jovem, americano, cabelo comprido, tipo hippie e a mensagem era de paz e amor. Foi fantástico.

Passei uns três meses nos bancos dos fundos, mas então fiquei um pouco mais ousada e perguntei a ele sobre uma amiga que estava me deixando preocupada. Esta foi a primeira vez que eu tive contato visual com ele, e eu me senti derretendo por dentro com aqueles grandes olhos cheios de compaixão. Ele disse: "Não se preocupe com ela, ela está bem. Você é quem pode realmente me ajudar muito." Foi isso.

Logo minha mente foi controlada por ele. Eu perdi toda a conexão com o mundo exterior. Eu perdi contato com minha família. Eu lhe dei dinheiro e rapidamente disse que era sua esposa.

Então o sexo começou, algo que claramente eu não queria, mas tive que fazer porque achava que ele era Deus. Não havia dúvida em minha mente que ele era pelo menos Cristo ou Buda.

Nós viajávamos muito e rapidamente eu comecei a ter ataques de pânico e comecei a ficar muito doente. Em cerca de um ano eu perdi completamente o rumo.

Tentei me matar, mas ele tinha nos avisado antes para nunca tentar se matar porque ele estaria do outro lado esperando. E seria ainda pior. Essa foi a única coisa que me parou. Eu soube depois que ocorreram suicídios antes no grupo.

A dinâmica sempre se resumia a ele nos colocando no inferno a fim de curar demônios para que pudéssemos nos tornar seres humanos melhores que poderiam ajudá-lo a salvar o planeta. Ele estava drogado e nós tivemos que tomar drogas.

Eu inicialmente fui expulsa porque estava custando dinheiro por causa dos remédios. Eu escapei para o interior, suportei o inverno, mas na primavera eu estava desesperada para voltar porque eu ainda achava que ele era Deus e que eu não era boa o suficiente. Eu realmente fiz isso, mas depois percebi que tinha conseguir ver o mundo exterior e queria ir embora.

Nos primeiros três dias depois de sair, eu senti um barato porque pensei que estava livre. Eles chamam isso de período de lua de mel. Depois disso, me deteriorei mentalmente ao ponto de ter um colapso mental total. Eu tentei me reintegrar, mas perdi tudo e não consegui sair por alguns meses. Eu estava em um estado terrível.

Eu ainda estava tentando entender o que era o medo e ainda estava pensando que não era forte o suficiente para superá-lo. Eu estava muito suscetível a sua manipulação - por um lado, dizendo que eu era forte e, por outro, dizendo que eu precisava de ajuda e não era boa o suficiente.

Recebi ajuda psicológica profissional, que me ajudou a conseguir limpar o controle mental a que eu fui submetida e desmascarar esse mito do controle de poder.

Daniel Durston

Nasci dentro de um culto

Para nós, eu acho que foi o abuso emocional, psicológico e mental que causou o maior dano. Eu acho que minha família particularmente - e isso foi dito por um dos ministros da seita - foi muito rigorosa.

Tudo se tornou ainda mais ameaçador quando pais justificavam suas ações por meio de versos escolhidos e eu entendi por que metade dos meus irmãos foram embora e disseram que isso não tinha nada a ver com Deus.

Meu irmão Alex era como eu, muito questionador. Mas essa seita mantém você conformado. Conformar é uma palavra que sempre me incomodou. Quando temos que nos conformar, é um problema. Em ter que se conformar, indo para essas reuniões três vezes por semana, buscando o nosso melhor, não crescendo com uma TV - Alex era como uma primavera que só queria florescer.

Alex tinha 23 anos quando tirou sua vida.

No funeral, eu me lembro de um líder do culto dizendo algo como "Ele está salvo! Agora ele vai para o céu". Por mérito de quê? Por que ele parou de respirar? Por que o coração dele parou? Isso é lixo religioso.

Eles têm essa estranha crença no culto de que quando você morre é de alguma forma quando você está salvo. Que tipo de Deus, uma vez que você está vivo, diz: 'Desculpe, você ainda não está salvo'? Não faz sentido. Muitos cultos fazem isso, e é assim que eles exercem controle sobre as pessoas.

Eu recebi acompanhamento, mas percebi que havia uma rachadura. Era uma profissional especializada em trauma, abuso sexual, abuso de álcool - eu até paguei um pouco mais -, mas percebi que isso era uma coisa que estava fora de seu alcance. Ela simplesmente não conseguia entender.

Uma seita como essa não é apenas um conjunto de doutrinas religiosas, ou interpretações, é uma maneira pela qual uma pessoa é condicionada socialmente. Eles treinam você para ser socialmente retardado.

Uma coisa comum com todos nós irmãos é que éramos sem rumo. Nós não fomos encorajados na educação, não fomos encorajados em qualquer talento que tivéssemos. Eles não foram cultivados.

Eu saí da Nova Zelândia quando tinha 26 anos. Meus pais moram no Arizona (EUA) e temos muito pouco contato. Eles não mostram nenhum interesse em mim, minha esposa ou nossos filhos.

O abuso físico contra crianças é errado, mas pode ser identificado e condenado. Você pode buscar a cura e um caminho para a restauração.

Mas numa seita, todo aspecto dos seres holísticos que somos é violado. Onde você começa (a arrumar) essa bagunça? Como você começa a descompactar isso sem desmoronar no processo?

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