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Pai de 3 meninas, ele quase morreu em acidente e hoje luta por nova prótese

Marcelo teve a perna amputada após acidente de moto no interior de SP  - Arquivo Pessoal
Marcelo teve a perna amputada após acidente de moto no interior de SP Imagem: Arquivo Pessoal

Bárbara Forte

Do BOL, em São Paulo

22/03/2019 06h00

Marcelo Oliveira Lobo, de 37 anos, estava a caminho da escola das filhas, em Pinhalzinho, no interior de São Paulo, às vésperas do Dia dos Pais, quando se envolveu em um acidente. Ele trabalhava na cidade vizinha de Bragança Paulista (SP) e voltava de motocicleta quando foi atingido por outra moto que não freou na curva, pilotada por um jovem menor de idade. A partir daquele dia, Marcelo teve a vida modificada: ele esteve perto da morte e teve sua perna esquerda amputada.

Sete anos após a batida, ele ainda não recebeu do governo a prótese indicada pelos médicos, usa um modelo que ganhou da empresa onde trabalha há 17 anos e busca, agora, por meio de uma vaquinha virtual, uma nova prótese para que consiga se desenvolver e praticar esportes - uma de suas atividades preferidas antes do acidente.

No relato abaixo, Marcelo conta como, em segundos, sua vida se transformou:

"Eu sempre fui uma pessoa simples, sempre prezei pela minha família. Estou com minha esposa desde os meus 17 anos e tenho três filhas: Maria Clara, de 16 anos, Maria Luiza, de 12, e Maria Carolina, de 11 anos.

Marcelo rodeado pelas mulheres de sua vida: a esposa e três filhas  - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Marcelo rodeado pelas mulheres de sua vida: a esposa e três filhas
Imagem: Arquivo Pessoal
Era véspera do Dia dos Pais, uma sexta-feira, quando eu pedi ao meu chefe para sair um pouco antes do serviço para ir à escola das meninas. Eu estava feliz da vida, pois eu estava num momento muito bom no trabalho, havia acabado de ganhar uma promoção, e também porque iria viajar com minhas filhas e esposa para Olímpia (SP) no fim de semana.

Saindo 15 minutos mais cedo, eu poderia ir com calma na estrada, sem pressa. A escola delas, em Pinhalzinho, ficava a cerca de 20 minutos da empresa onde eu trabalho, em Bragança. Eu já estava praticamente dentro da cidade quando, na última curva, antes de chegar ao município, tudo aconteceu.

Um menino de 15 anos que vinha pilotando uma moto, no sentido oposto, passou reto na curva e me atingiu. Foi muito rápido!"

Ele bateu do lado esquerdo da moto e me quebrou inteiro: a clavícula do lado esquerdo, duas costelas e meu punho quebraram, deu luxação no braço, o fêmur sofreu uma fratura exposta e, do joelho para baixo, ficou tudo estraçalhado.

A primeira grande luta - por um fio

Foi ali que teve início minha primeira grande luta para sobreviver. Eu não me lembro direito do que aconteceu, do jeito que eu caí, do jeito que eu rolei, mas dizem que eu fiquei no chão tentando tirar o capacete, tentando me mexer. Quem estava ali me socorrendo falava para eu ter calma.

Eu tenho um amigo de infância que trabalhava, na época, como técnico de raio-x. Fábio nunca aceitou pedido acompanhar os socorristas. Mas, naquele dia, ele diz que sentiu alguma coisa; o motorista da ambulância o chamou para socorrer uma vítima de acidente de moto e ele foi sem hesitar. Quando viu que se tratava de mim, ele sentiu uma responsabilidade maior ainda em preservar minha vida. Como o Fábio era da área de saúde, ele sabia da gravidade.

Ambulância  - Getty Images - Getty Images
Amigo de infância estava em ambulância que resgatou Marcelo (foto ilustrativa)
Imagem: Getty Images
Eles falaram que a minha perna esquerda estava dobrada, como se estivesse debaixo do meu braço. O Fábio que fez o torniquete, estancou o sangue e agilizou para ir o mais rápido para o Hospital Universitário São Francisco de Assis, em Bragança Paulista, o único que teria condições de me atender. A ambulância de Pinhalzinho, infelizmente, não era muito bem preparada, mas, até o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) chegar, talvez fosse tarde demais.

Quando eu cheguei ao hospital universitário de Bragança, o pessoal diz que eu estava em estado de choque. O médico deu uma injeção de adrenalina no coração e fez massagem cardíaca; deu mais uma injeção e fez a segunda massagem - eu não voltei. Os enfermeiros me disseram depois que, antes de tentar novamente, o doutor falou para a equipe que faria a terceira e última tentativa. 'Se ele não voltar, não tem mais o que fazer'. Ele deu a terceira injeção de adrenalina, massageou e eu voltei.

Já foi a primeira vitória, comemoração até de quem eu não conhecia"

A segunda grande luta - a primeira cirurgia

É aí que entram os ortopedistas que fizeram muita diferença na minha vida:

O doutor Daniel era pequenininho, magrinho. Eu me recordo que, logo após sair da UTI (Unidade de Terapia Intensiva), o encontrei e ele contou os detalhes da minha primeira cirurgia. Ele falou assim: 'Marcelo, você se lembra de mim?'. E eu me desculpei, pois realmente não lembrava de nada. Aí ele falou: 'Você não tem noção da responsabilidade que me deu no dia do seu acidente, quando você entrou na UTI. Você estava num estado que não tinha condição nenhuma de falar, de fazer qualquer gesto, e eu não sei de onde você tirou forças, mas você pegou no meu braço, olhou no meu olho, e falou assim:

Doutor, não me deixa morrer porque eu tenho três filhas para criar"

Aí ele completou: 'Marcelo, eu já estava motivado para fazer o meu trabalho, eu já tenho uma certa experiência, eu sou bom no que eu faço, mas a responsabilidade que você me deu, você não sabe o quanto você me motivou, o quanto você me deixou preocupado caso eu não conseguisse te ajudar a sair daquela'.

Eles fizeram a cirurgia e, ao final, após cinco horas de tentativa de reconstituir a minha perna, o médico falou para eu levantar a mão direita. Eu levantei. Aí ele falou para eu levantar a mão esquerda, e eu levantei.

Depois desse momento, ele me contou que falou para a equipe inteira: 'Galera, eu estou muito feliz com o que eu estou vendo hoje. Eu nem sei se esse rapaz vai sobreviver, pode ser que ele morra daqui umas horas, porque a gente sabe que a situação dele é muito crítica. Mas eu estou muito feliz porque, quando um paciente me responde como ele me respondeu agora, a gente sabe que, lá dentro dele, ele está lutando para se manter vivo'. Os profissionais ficaram emocionados. Muitos deles, depois, contaram-me a mesma história. Essa foi a segunda luta, para sobreviver à cirurgia. Eu já tinha perdido muito sangue, mas queria muito estar vivo.

A terceira grande luta - coma e amputação

Marcelo pediu a enfermeiras que dissessem o quanto ele amava a esposa (foto) antes de ser induzido ao coma  - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Marcelo pediu a enfermeiras que dissessem o quanto ele amava a esposa (foto)
Imagem: Arquivo Pessoal
Dois dias após a cirurgia, no domingo do Dia dos Pais, eu estava muito fraco. Eles resolveram me induzir ao coma, falaram que iam me intubar, me deixar naquele estado de tranquilidade, para meu corpo se fortalecer.

Eles falaram que eu pedia muito, para todo mundo, que dissessem à minha esposa e às minhas filhas que eu as amava muito. Eles me acalmavam, diziam que eu mesmo poderia falar a elas depois que eu me recuperasse. E eu pedi a todos os enfermeiros para que, caso eu não voltasse, eles dissessem para elas o que eu sentia.

Meu maior medo era de morrer"

Foram dez dias em coma, toda a cidade entrou em campanha por doação de sangue, mais de 200 bolsas foram coletadas no banco de sangue da região.

Num dos dias eu fiquei muito mal. Eu já estava havia dois dias com o aparelho fazendo 100% da função da respiração por mim quando uma médica que me atendia falou para minha esposa que, se ela tivesse muita fé, era a hora de ela usar a fé dela, porque, se eu piorasse mais um fio de cabelo, eles não teriam mais o que fazer por mim.

Foi quando os ortopedistas - o doutor Daniel, que eu mencionei antes, e o doutor Valter, que cuida de mim até hoje - chegaram para a minha esposa e para a minha mãe e pediram autorização para amputar a minha perna. Eles alegaram que o procedimento poderia evitar que a infecção ocasionada pelas fraturas chegasse a outras áreas do corpo.

Elas não titubearam e falaram para ele que me queriam vivo, não importava como"

Dois dias depois da amputação, eu já tinha saído do coma. Foi o momento em que eu mais sofri. Quando você volta do coma, você volta muito acelerado. Acredito que os medicamentos atrapalham muito e eu vivi umas experiências muito ruins. Fisicamente e espiritualmente, pois eu tive muitas alucinações, sentia como se fosse uma guerra entre forças que queriam que eu vivesse e outras que eu partisse.

A notícia da amputação

Quando eu saí do coma, eles esperaram eu estar um pouco melhor fisicamente, mas não muito lúcido, ainda, para falar da amputação. Um grupo médico com cerca de oito pessoas se reuniu no quarto onde eu estava internado para dar a notícia.

Marcelo ao lado de fisioterapeuta em reabilitação  - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Marcelo ao lado de fisioterapeuta em reabilitação
Imagem: Arquivo Pessoal
'Não sei como você vai enxergar isso, mas o fato de você estar vivo, aqui, agora, conversando com a gente, foi porque, infelizmente, a gente precisou amputar a sua perna. Ou felizmente, vai depender do seu ponto de vista', disse um deles.

Na hora passava um filme na minha cabeça, de toda a minha trajetória. E eu fiquei pensando em como era minha vida antes, como seria daquele dia para frente. Realmente não é fácil receber uma notícia como aquela. Mas, acredite se quiser, eu não consegui ficar triste.

Marcelo com a família toda reunida   - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Marcelo com a família toda reunida
Imagem: Arquivo Pessoal
A única imagem que me vinha na cabeça era eu de pé, porque eu não tinha me visto ainda sem a perna, meio que com a coluna abaixada, recebendo as minhas filhas. Elas vindo correndo me dar um abraço. Minha esposa e todos os meus amigos e familiares atrás delas.

A médica perguntou se eu estava bem, o que eu queria fazer. E eu perguntei: 'Doutora, o único jeito de eu estar aqui foi vocês terem amputado a minha perna?'. Ela disse que foi. Aí eu falei: 'Se o único jeito foi esse, eu sei que vocês fizeram o melhor. Eu estou feliz por estar vivo. Eu quero voltar para a minha família, para os meus estudos, quero voltar a trabalhar, a praticar esporte, atividade física. Eu não sei como vai ser. Mas, se é nesta condição que Deus permitiu que eu estivesse vivo hoje, é porque eu sei que eu vou conseguir superar isso.

Eu topo viver, seguir em frente. Eu não sei o quanto eu vou sofrer, mas eu topo"

O corpo médico não esperava minha reação, porém eu sabia que a luta não era só por mim, mas por todas as pessoas que estavam na torcida, que oraram. A parte psicológica não foi um problema para mim. Essa felicidade em estar vivo, o amor que eu tenho pela minha família, tudo isso foi muito maior.

A quarta grande luta - direitos negados

Claro que eu tive quedas, desânimos. Mas eu fiquei mais estressado, até hoje me atrapalha um pouco, não com a questão de ter uma deficiência física, mas com o processo para conseguir uma prótese digna para um trabalhador, um pai de família.

Marcelo já participou de competições de corrida com muleta, pois não tem prótese adequada  - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Marcelo já participou de competições de corrida com muleta, pois não tem prótese adequada
Imagem: Arquivo Pessoal
Eu fiquei no hospital por 42 dias, contando os 14 dias dentro da UTI. Quando eu saí de lá, eu estava bem debilitado, bem magrinho, com 44 quilos. Quatro meses depois, o médico me autorizou a colocar a prótese. Foi aí que começou uma das minhas maiores lutas depois da luta pela minha vida.

Vai fazer sete anos que eu amputei. Sempre contribuí com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e ainda não consegui a prótese correta pelo governo. O modelo que eu tenho hoje foi a empresa que me deu. Porém a peça que eles me deram é para quem está aprendendo a andar, para quem está se reabilitando.

A minha prótese atual me limita muito, os movimentos são lentos e eu não consigo fazer muita coisa. Às vezes, chego a cair"

Foram quatro anos longe do trabalho. Durante esse período, eu voltei para a atividade na academia, fui fortalecendo aos pouquinhos, com cuidado. Depois de um tempo, Daniel Dias, aquele atleta paraolímpico, me ajudou com o espaço para treinar, fortalecer. Eu até comecei a gostar de natação, do que não gostava antes.

Em 2016, o médico do INSS me liberou para trabalhar, mesmo sem a prótese adequada (foi disponibilizado um modelo distinto do prescrito pelo médico de Marcelo), prometendo que o correto viria até o fim daquele ano. Até hoje, em 2019, não veio.

Apesar de não ter a prótese correta, Marcelo tenta se adaptar para fazer atividades físicas  - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Apesar de não ter a prótese correta, Marcelo tenta se adaptar para fazer atividades físicas
Imagem: Arquivo Pessoal
Depois que eu comecei a trabalhar, eu fiquei na natação por mais seis meses, mas não consegui manter a rotina. Eu conquistei uma bolsa para voltar a estudar - acabei de me formar em engenharia de produção - e precisei focar no trabalho e nos estudos. Meu trabalho é o mesmo de quando eu saí na época do acidente, de técnico de processos, um pouco mais administrativo do que braçal.

Para não ficar parado, eu acordo às 5h, vou à academia, faço minhas atividades físicas para ter o mínimo de condicionamento, e busco, a partir de uma vaquinha virtual, a oportunidade de não parar nunca mais e ter uma prótese que me ajude a 'voar'".

Posicionamento do INSS

Ao BOL, o INSS afirma que concedeu uma prótese a Marcelo, mas não confirma que o modelo estava errado. O órgão diz ainda que vai verificar qualquer possível falha no caso e pede que o segurado entre com outro pedido de processo de aquisição e que, assim, será avaliada a necessidade de substituição da prótese.

Vaquinha virtual

Causa: conseguir R$ 142 mil para prótese após amputação transfemural (perna esquerda)

Como contribuir? Doando qualquer valor por meio do site de financiamento coletivo. Até a publicação desta reportagem, a vaquinha havia arrecadado 2% da meta. O prazo termina em 13 de abril.

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