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Epicentro de explosão no México vira local de busca por restos humanos

Maria Isabel encontra supostos pedaços de carne humana e de roupa em local de explosão em Tlahuelilpan, no México - Eloísa Farrera
Maria Isabel encontra supostos pedaços de carne humana e de roupa em local de explosão em Tlahuelilpan, no México Imagem: Eloísa Farrera
do UOL

Eloísa Farrera

Em Tlahuelilpan (México)

17/02/2019 04h01

"Isso é carne. Olhem! E isso é um dente." "Este é um pedaço de calça com zíper e carne." "Isso é gordura humana e esses são restos de ossos."

No final de janeiro, uma semana depois da explosão de um oleoduto no México, amigos e parentes dos 91 mortos na tragédia procuravam por conta própria os restos de seus entes queridos no epicentro do estouro.

Já não há corpos, todos foram levados pelos peritos, mas eles continuavam cutucando entre a terra e as plantações de alfafa com hastes e varas para encontrar alguns pertences, alguma parte de roupa ou restos humanos que ajudem a identificar seus parentes.

"Aqui estavam três sobrinhas minhas: Beatriz, Norma Angélica e Karina. Elas vieram de Tlaxcoapan (município vizinho a  Hildalgo, onde ocorreu a explosão) e não voltaram", disse María Isabel García Flores, 49, enquanto movia a terra entre soluços.

"Veja! Isso é carne", ela exclamou de repente. "Como você sabe que é carne humana?", perguntaram.

"Por causa da maneira como se desfaz. O plástico não se desfaz tão facilmente", insiste.

A poucos metros de Maria Isabel estavam Diana, Juan e Pedro, que guardavam como sentinelas um pedaço de terra escura onde horas antes eles haviam encontrado algumas chaves e um celular.

Eles não têm certeza, mas acreditam que "El Zorro" ou "El Poke", dois de seus amigos, podem ter morrido lá.

"Isso não foi roubo nem ambição. Foi uma necessidade", diz Diana.

A explosão do oleoduto se deu enquanto diversas pessoas coletavam petróleo que jorrava de um cano que havia se rompido.

"As pessoas que vieram por causa da gasolina não fizeram os buracos. Aqui as pessoas vieram dizendo: 'mesmo que seja pro meu carro, pra andar dois, três dias. O desespero do povo foi muito grande", disse Diana, que preferiu não revelar o seu nome verdadeiro.

A tragédia de Tlahuelilpan ocorreu quase um mês depois de o novo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, empreender uma dura ofensiva contra o roubo de combustível em todo o país, o chamado "huachicoleo".

A perfuração de oleodutos é uma das práticas mais comuns dos últimos anos, especialmente em áreas rurais de baixa renda como esta, Hidalgo, muito próxima de uma refinaria da Petróleos Mexicanos (Pemex).

Para evitar esses roubos, Obrador decidiu fechar os oleodutos, que geraram escassez de combustível por pelo menos 15 dias em dez dos 30 estados. Motoristas tiveram de esperar duas, quatro e até 12 horas nos postos para abastecer seus carros. O plano afetou muitas pessoas, embora quase 80% dos cidadãos apoiem sua estratégia.

Em Tlahuelilpan também entenderam a urgência de lutar contra o "huachicoleo". Hidalgo é o segundo Estado do país com o maior número de desvios clandestinos, depois de Puebla.

No entanto, como "Diana" e o próprio Obrador dizem, a necessidade do povo é grande.

Os jatos de combustível que subiam até seis metros de altura de um oleoduto que horas antes havia sido furtado por possíveis "huachicoleros" chamaram a atenção de centenas de pessoas em Hidalgo.

Entre 600 e 800 pessoas foram às plantações de alfafa em San Primitivo, a grande maioria convocados pelo Facebook, para conseguir encher uma jarra, um balde ou uma garrafa com gasolina para seus carros.

Parecia um dia de festa. Todo mundo estava feliz em pegar combustível "de graça". Nem o Exército, agora acusado de inação por falta de protocolos e autoridade, poderia impedir a farra. Horas depois, o lugar se tornou um inferno. Apenas os corpos carbonizados jaziam no campo de alfafa verde. Quatro dias após a explosão, o marco zero ainda cheira a gasolina e, às vezes, a carne queimada.

Dezenas de pessoas fazem procissão com música e orações no centro de Tlahuelilpan, no México - Eloísa Farrera - Eloísa Farrera
Dezenas de pessoas fazem procissão com música e orações no centro de Tlahuelilpan, no México
Imagem: Eloísa Farrera

De acordo com as primeiras hipóteses, uma faísca, provavelmente causada pelo atrito das roupas sintéticas das pessoas, foi o suficiente para causar uma das piores tragédias do México nos últimos tempos. "Há um antes e depois de Tlahuelilpan", disse o governador de Hidalgo, Omar Fayad.

Hoje, esta cidade de quase 20 mil habitantes está de luto. "Agradeço a Jesus por ter me encontrado, por ter me salvado", cantou uma das procissões que partiu da igreja no centro de Tlahuelilpan em direção ao panteão municipal. "Meu coração está morrendo, porque o amor da minha alma, porque o amor da minha alma, sozinho me deixou", cantou outro grupo de cerca de 80 pessoas que caminhavam acompanhadas de tambores e trombones, mas todos com os olhos fixos no chão. Tristes.

"Essa tragédia nos machuca muito. Havia muitos inocentes, muitos jovens e crianças que nada tinham a ver com esse "huachicol". Em Tlahuelilpan todos estão tristes, agoniados, desesperados. Agora, o que será de todas aquelas mães que foram deixadas sozinhas com as crianças? A maioria são jovens mães com dois ou três filhos pequenos", disse Amalia Rodríguez, 45, que é a favor da luta que a Obrador travou contra o "huachicol", mas espera que isso leve a uma redução no preço da gasolina (cerca de 20 pesos por litro) e, com isso, da cesta básica.

"Ninguém merece morrer desse jeito. É uma tragédia para todos (...) E, sim, há uma necessidade, mas você também tem que usar a lógica. Como sabemos, a gasolina é inflamável e muitas pessoas trouxeram coisas que poderiam gerar uma faísca", disse Sarai García, um estudante de 20 anos de Hidalgo, que também é a favor da ofensiva do governo federal contra o roubo de combustível. "Às vezes as pessoas dizem: 'nós roubamos o governo [com o huachicoleo]', mas, do meu ponto de vista, não roubamos do governo, nós nos roubamos como país porque causamos mais violência e mais mortes. Isto não é apenas [responsabilidade] do governo, mas de uma sociedade completa".

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