Topo
Notícias

Decreto de Bolsonaro frustra defensores de acesso a armas; indústria aprova

Pedro Ladeira/Folhapress
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress
do UOL

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

16/01/2019 04h01Atualizada em 16/01/2019 15h48

O decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que facilitou a posse de armas de fogo, assinado na terça-feira (15), decepcionou representantes de organizações que defendem a expansão do direito de ter uma arma. Para eles, os critérios da nova legislação ainda são restritivos. 

"Foi uma flexibilização limitada", disse o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, na noite da última terça em entrevista à GloboNews.

E são justamente esses limites que frustraram quem esperava abertura mais ampla no uso das armas. 

A principal crítica se deve ao fato de que Bolsonaro não retirou a necessidade de a Polícia Federal analisar a necessidade de posse de arma. Em tese, a PF será menos restritiva nas autorizações a partir de agora. Mas defensores do direito de armamento ouvidos pelo UOL esperavam que essa análise fosse totalmente abolida. 

PF terá de justificar se negar a autorização para posse de arma

A versão antiga do decreto 5.123 de 2004, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento, diz que a declaração de efetiva necessidade deveria "explicitar os fatos e circunstâncias justificadoras do pedido, que serão examinados pela Polícia Federal".

Já a nova versão deste trecho prevê a presunção da "veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade", sem dispensar o exame pela PF.

Na prática, isso significa que a PF terá de se justificar caso recuse a liberação da posse de arma para alguém.

Para o presidente da ABPLD (Associação Brasileira Pela Legítima Defesa) e coronel da Polícia Militar paulista, Jairo Paes de Lira, o decreto manteve "uma larga margem de interpretação discricionária da autoridade policial a respeito da questão da efetiva necessidade".

Segundo o coordenador do Cepedes (Centro de Pesquisas em Direito e Segurança), Fabricio Rebelo, a definição de situações em que se presume que há necessidade da posse de arma é incompatível com o Estatuto do Desarmamento.

"Ficou uma redação até dúbia. Colocou-se que há presunção de veracidade da declaração de efetiva necessidade, mas continuou a previsão de que ela será analisada pela Polícia Federal", afirmou.

O presidente do Instituto Defesa, Lucas Silveira, criticou o fato de o decreto não abordar o porte de arma, que é o direito de andar armado -- a posse prevê o direito de ter armas em casa ou em estabelecimentos comerciais. 

"Bolsonaro criou um critério para a efetiva necessidade para a posse, e nem sequer tratou do porte, que é o ponto central que deveria ter sido tratado. A posse já existe desde sempre. O que é proibido é o porte de armas, e Bolsonaro, que se elegeu fazendo arminhas com as mãos, nos decepcionou e não falou sobre o assunto", disse. Porém, Bolsonaro explicou que a alteração sobre porte de arma só pode ser feita através de projeto de lei para mudar a legislação atual.

Direito à legítima defesa, disse Bolsonaro ao assinar decreto

UOL Notícias

Taxa de homicídios como critério

Lira e Rebelo também questionaram o uso da taxa de homicídios como critério para permitir a posse de armas para quem mora em estados onde o índice é superior a 10 assassinatos por 100 mil habitantes.

Segundo Rebelo, o critério é "absurdo" e não é técnico. "Ele vincula a legítima defesa ao crime de homicídio, quando nossa legislação penal admite a legítima defesa contra qualquer crime. Quer dizer que em uma área com baixa taxa de homicídio, mas com altíssima incidência de roubo, o indivíduo vai ficar sem a possibilidade de defesa porque só se vinculou ao crime de homicídio". 

Já para Lira, o critério por taxa de homicídios "viola os direitos dos cidadãos de serem tratados igualmente." 

"O direito de legítima defesa é amplo, que nós reputamos constitucional, porque é baseado no artigo 5º da Constituição", disse. "Mas alguns deles não podem ser preservados a não ser com a utilização de armas de fogo, nas ocasiões em que o Estado armado, por via do dispositivo de segurança pública, falha ao cidadão comum. E essas ocasiões são muitas, infelizmente."

Outro alvo de críticas foi a determinação de que armas devem ser guardadas em cofres ou em "local seguro com tranca" em residências onde há crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental.

Cofre é alvo de críticas

Lira citou o trecho do Estatuto do Desarmamento que já prevê como crime a "omissão de cautela", ou seja, permitir que uma arma caia nas mãos de menores de idade ou de uma pessoa com deficiência mental.

"Se a pessoa se omitir da cautela, já é crime. Não há necessidade de impor um cofre ou um compartimento especial que vai custar R$ 600 para o cidadão que já tem dificuldade de obter dinheiro para a compra de um prosaico revólver, de uma prosaica pistola, para a defesa de si, para a defesa do lar." 

Lucas Silveira afirmou que Bolsonaro criou "uma restrição sobre armas que nem os governos desarmamentistas que o antecederam tiveram a ousadia de propor, que é a obrigação de cofre para armazenamento da arma."

Lira elogiou, no entanto, a ampliação do prazo de validade do registro para 10 anos -- não sem uma ressalva. "O registro deveria ser um documento permanente. Não há sentido algum em fazer renovação do registro de arma de fogo. O registro informa que o cidadão adquiriu uma arma de fogo após haver cumprido todas as obrigações que a lei lhe impõe", disse.

Associação da indústria aprova decreto

A Aniam (Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições), no entanto, divulgou nota em que afirma que Bolsonaro, "dentro das limitações do Decreto, foi muito feliz nas medidas estabelecidas, cumprindo com o que foi prometido em sua campanha eleitoral." 

"As mudanças focaram no que realmente impossibilitava os cidadãos de terem uma arma de fogo para proteção pessoal, de sua família e propriedade, acabando com a discricionariedade na análise dos pedidos para o registro de armas de fogo e definindo as situações de efetiva necessidade", disse a entidade.
 
A Aniam declara ainda que, "diferentemente dos boatos de que haveria uma restrição do número de armas que poderiam ser adquiridas, o decreto na verdade não limitou, sendo permitido até quatro armas pela efetiva necessidade, e não excluindo a aquisição em quantidade superior a esse limite, desde que se apresentem fatos e circunstâncias que a justifiquem, conforme legislação vigente."

Apesar dos elogios, as ações da fabricante de armas Taurus despencaram mais de 20% na terça após o anúncio do decreto de Bolsonaro. A queda, no entanto, pode apenas ter refletido um movimento de venda de ações para embolsar lucros após a alta que a Taurus teve no segundo semestre de 2018, diante da possibilidade -- e depois da confirmação -- da eleição de Bolsonaro. 

Notícias