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Nomeação de apadrinhados testa promessas de Bolsonaro

Jean-Philip Struck

11/01/2019 16h36

Família Bolsonaro emplaca indicações de amigos no governo enquanto filho do vice-presidente triplica salário após promoção em banco público. Pelo Twitter, presidente ironiza críticas.Cinco dias antes do primeiro turno da eleição presidencial de 2018, Jair Bolsonaro afirmou que "o desaparelhamento do Estado" e "o fim das indicações políticas" eram remédios para "salvar o Brasil". A promessa de acabar com o empreguismo e dar preferência para pessoas de perfil técnico foi repetida em entrevistas e na propaganda do então candidato no horário político na TV.

Mas, menos de duas semanas após o seu início, o governo Bolsonaro já vem registrando a mesma prática que foi corriqueira em governos do PT e do MDB: a nomeação de apadrinhados políticos e amigos para cargos burocráticos, alguns deles estratégicos e bem remunerados. Entre os indicados estão amigos do próprio presidente e de seus filhos, da primeira-dama e até o filho do vice-presidente.



A promoção relâmpago

O caso que chamou mais atenção envolve Antonio Hamilton Rossell Mourão, filho do vice-presidente da República, Hamilton Mourão. Funcionário de carreira do Banco do Brasil, Mourão Filho foi indicado poucos dias depois da posse do pai a um cargo de assessor especial pelo novo presidente do banco, Rubem Novaes. A nomeação triplicou o salário de Mourão Filho, que ganhava cerca de 12 mil reais por mês na função de assessor empresarial. Com a nova função, seu salário passou para 36,3 mil reais.

O vice-presidente defendeu a nomeação e sugeriu que seu filho não havia subido mais na carreira anteriormente por "perseguição" de gestões anteriores justamente por causa do parentesco. Só que segundo o jornal conservador Gazeta do Povo, Mourão Filho recebeu oito promoções durante gestões petistas. O jornal também apontou que em seu atual cargo, de assessor empresarial, Mourão Filho teria que galgar mais três postos antes de chegar a assessor da presidência do banco sem a necessidade de indicação.

Várias contas de extrema direita de apoio a Bolsonaro nas redes sociais tentaram minimizar a indicação. A tática envolveu divulgar um currículo para supostamente atestar a qualificação de Mourão Filho e até mesmo a disseminação de uma versão mentirosa de que o ocupante anterior do cargo era um petista que ganhava 100 mil reais por mês.

No entanto, mesmo com esse esforço, a nomeação repercutiu mal entre grupos conservadores, como o Movimento Brasil Livre (MBL), e militantes de direita.

"Filho de Vice-Presidente nomeado pra cargo público com salário de 37 mil? Essa não é a 'Nova Era'. Essa é a 'Era Sarney', escreveu no Twitter o apresentador conservador Danilo Gentilli.

As indicações dos filhos

A primeira crise pública do governo Bolsonaro envolveu a indicação de um apadrinhado político. Alecxandro Carreiro não tinha qualquer experiência em comércio exterior, mas foi nomeado no início do mês para a presidência da estratégica Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), um serviço ligado ao Itamaraty para promover exportações brasileiras e atrair investimentos externos. Além disso, segundo a imprensa brasileira, ele mal falava inglês, um requisito para o cargo, e tinha como credenciais acadêmicas passagens por universidades mal avaliadas pelo Ministério da Educação (Mec).

Carreiro conseguiu o cargo ao ter seu nome incluído em uma indicação conjunta apresentada por deputados do PSL e chancelada por um dos filhos do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). A indicação causou mal-estar entre os funcionários da Apex. A situação piorou ainda mais quando Carreiro começou a demitir vários funcionários antigos para, por sua vez, nomear aliados, sem qualquer período de transição.

Mas Carreiro acabou não durando nem dez dias no cargo. Nesta quarta-feira (09/01), o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, anunciou no Twitter que Carreiro havia pedido demissão. No entanto, Carreiro apareceu para trabalhar no dia seguinte e despachou normalmente, se recusando a abandonar o cargo a não ser que Bolsonaro tomasse a decisão. A confusão – amplamente noticiada – só foi encerrada no final do dia, quando o presidente anunciou a saída definitiva de Carreiro do cargo e a escolha de outro nome.

Segundo diversos jornais brasileiros, o estopim para a saída de Carreiro foi uma crise entre ele e Letícia Catelani, diretora-executiva da Apex. Catelani, por sua vez, foi nomeada para o cargo, que tem salário de 43,6 mil reais, no dia 7 de janeiro por indicação de outro filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Ativista de direita e dona de uma importadora, ela chegou a ser expulsa da Executiva Nacional do PSL em 2018 após atritos com outros dirigentes. Desde então, vinha se aproximando ainda mais do chanceler Araújo e do deputado Eduardo. Em julho de 2018, em uma reportagem da revista Época sobre empresários que apoiavam Bolsonaro, Catelani disse: "Não me vitimizo, acredito na meritocracia."

Os amigos do casal presidencial

Não foram apenas os filhos do presidente que emplacaram apadrinhados no governo. Uma amiga da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, foi anunciada recentemente para cuidar da Secretaria Nacional das Pessoas com Deficiência, ligada ao novo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Priscila Gaspar é deficiente auditiva e atuou como interprete de libras durante a campanha de Bolsonaro. Ela também frequenta com a primeira-dama a Igreja Batista Atitude, no Rio de Janeiro.

Já o próprio presidente Bolsonaro indicou um amigo para o cargo de gerente executivo de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobras. Carlos Victor Guerra Nagem é funcionário da Petrobras há 11 anos, mas antes dessa indicação nunca havia ocupado cargo comissionado na estatal. No seu currículo também constam passagens pela Escola Naval e duas candidaturas malsucedidas a deputado e vereador no Paraná em 2002 e 2016. Em uma dessas campanhas, contou com o apoio do próprio Bolsonaro, que apareceu em um vídeo afirmando que Nagem era seu "amigo particular".

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, negou em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo que a indicação de Nagem para o novo cargo tenha motivação política.

Após a repercussão do caso, o presidente da República e um de seus filhos foram às redes sociais rebater as críticas e atacar a imprensa, que destacou a amizade entre Jair Bolsonaro e o indicado.

Numa mensagem no Twitter, o presidente listou parte do currículo de Nagem e disse: "Apesar de brilhante currículo, setores da imprensa dizem que é apenas 'amigo de Bolsonaro'". Logo depois, disse "Peço desculpas à grande parte da imprensa por não estar indicando inimigos para postos em meu governo!"



Um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro, também escreveu: "Está decretado pela mídia: Bolsonaro não pode convidar pessoas que ele conheça, capacitadas e obedientes da lei para seu governo! Só inimigos e estocadores de vento!"

Curiosamente, o presidente também apagou parte do teor de uma mensagem em que defendeu Nagem. Na noite de quinta-feira, ele havia publicado no Twitter uma imagem com o currículo do amigo e escrito "A seguir o currículo do novo Gerente Executivo de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobras: a era do indicado sem capacitação técnica acabou, mesmo que muitos não gostem. Estamos no caminho certo!"

Pouco mais de quarenta minutos depois, apagou a mensagem e publicou uma nova versão sem o trecho que falava de indicados sem capacitação técnica. "A seguir o currículo do novo Gerente Executivo de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobras, mesmo que muitos não gostem, estamos no caminho certo!", escreveu o presidente na nova publicação.

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