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Há 40 anos, humanos mandavam para espaço música e mensagens ao desconhecido

Elwood Smith/The New York Times
Imagem: Elwood Smith/The New York Times

Dennis Overbye

03/09/2017 04h00

Quando decolaram há 40 anos, as duas espaçonaves carregavam gravações com imagens e sons da terra, saudações do presidente Jimmy Carter e instruções para tocá-las.

Em 20 de agosto e em cinco de setembro de 1977, dois robôs chamados Voyager foram despachados para explorar o sistema solar e a vasta escuridão além dele.

O que resultou da expedição foi uma releitura do que o mundo poderia ser e quais estranhos berços da geologia e da química teriam o poder de dar origem a outras formas de vida.

Era uma aventura de Star Trek real, mas a tripulação ficou em casa, comunicando-se com suas duas espaçonaves através de bits de dados.

Programas de computador recém lançados foram mandados e os dados retornaram — incluindo fotos de baixa qualidade das novas paisagens e a gravação de sussurros e gemidos dos campos de plasma dos planetas. Tudo isso era realizado por um cérebro robótico com a mesma capacidade de memória de um relógio digital antigo.

Sonda espacial Voyager - Reprodução/Nasa - Reprodução/Nasa
Sonda espacial Voyager
Imagem: Reprodução/Nasa

As naves espaciais tinham sido projetadas para fazer o que os cientistas chamaram de "Grand Tour", aproveitando-se de um alinhamento planetário que ocorre a cada 175 anos.

A Voyager 1 e a Voyager 2 utilizariam a gravidade dos planetas para se lançar de Júpiter para Saturno e depois para Urano e Netuno e então ir além da borda do domínio solar diretamente para o espaço interestelar.

Ao final, apenas metade da viagem — para Júpiter e Saturno — foi aprovada. Mas a equipe da Voyager preparou as malas para uma viagem muito mais longa. Quando decolaram, há 40 anos, as duas espaçonaves carregavam gravações com imagens e sons da terra, saudações do presidente Jimmy Carter e instruções para tocá-las.

A ideia era que as Voyagers observariam o universo e deixariam algo para quem um dia as encontrasse.

Os emissários robóticos cruzaram o sistema solar e passaram por diferentes administrações presidenciais, guerras, escândalos e o desastre da Challenger, que aconteceu enquanto a Voyager 2 se afastava de Urano.

Em cada pulo planetário, os membros da equipe das Voyagers, um pouco mais velhos e mais grisalhos, reuniam-se no laboratório de propulsão a jato em Pasadena, Califórnia, para uma maratona de uma semana de descobertas, um rápido circo da ciência.

A Voyager I fez a primeira observação da lua de Io, uma das luas de Júpiter (foto) - Nasa - Nasa
A Voyager fez a primeira observação da lua de Io, uma das luas de Júpiter (foto)
Imagem: Nasa

Com imagens sendo enviadas de volta pelas sondas, o que até então, nos maiores telescópios do mundo, havia parecido pontos distorcidos, transformou-se em vários mundos.

Na terra, alguns teóricos afirmavam que estavam se concentrando em uma suposta teoria de tudo, o sonho de Einstein de uma equação tão simples que pudesse ser inscrita em uma camiseta.

Mas, no espaço, os cientistas descobriam que tais teorias não ajudavam em nada quanto à infinita capacidade da natureza de inventar e surpreender. Cada novo mundo revelado pelas Voyagers era mais um quebra-cabeça.

Em algum momento anterior presumiu-se que as luas dos outros planetas, tão longe do Sol e tão perto das origens do sistema solar, seriam apenas enfadonhas bolas de gelo, mortas geologicamente e de todas as outras formas possíveis.

Mas a Voyager 2 avistou vulcões jorrando cachoeiras de enxofre da superfície da lua mais interna de Júpiter, a Io. Durante uma inspeção mais detalhada, viram que os anéis de Saturno — as joias do sistema solar — portam 10 mil ranhuras, como em um disco de vinil, trançadas, torcidas e patrulhadas por pequenas luas.

Titã, a lua de Saturno - Nasa - Nasa
Titã, a lua de Saturno
Imagem: Nasa

A Voyager 1, por sua vez, analisou uma espessa e esfumaçada atmosfera de Titã, onde chuvas de nitrogênio e metano caem sobre um monte de lama congelada de hidrocarbonetos e em lagos oleosos e, em seguida, sai em direção ao espaço interestelar.

A Voyager 2 cruzou até Urano, misteriosamente tombado sobre o próprio eixo e rodeado por anéis que o faziam parecer um alvo.

A sonda passou pelo repousante metano azul de Netuno, marcado por uma mancha escura, e depois por sua lua, Tritão, uma pedra de gelo que solta, como um sorvete cremoso, nitrogênio lançado por gêiseres.

Eu nunca me diverti tanto como jornalista de ciência quanto nessas semanas de encontros em Pasadena, na qual meus colegas e eu — um pouco mais velhos e grisalhos, porém mais humildes do que sábios em relação aos truques que a natureza pode pregar — nos reunimos para ver os cientistas observando seus novos mundos.

As telas das televisões na sala de imprensa mostravam as imagens mais recentes das naves espaciais Voyager. Tínhamos a mesma visão dos cientistas.

Se em algum mundo distante houvesse uma placa anunciando "Beba Coca-Cola" ou uma pirâmide, o que chamamos de "a equipe de imprensa da sala de imagem" teria tido a chance de ver tudo em primeira mão.

Deixando de lado anos de aprendizado sobre reserva e sobre a manutenção do vício de se comunicar na voz passiva, os cientistas da Voyager tiveram que desenrolar o discurso das notícias diárias e se aventurar em explicações que sabiam que teriam que rever poucos dias depois sobre aquilo que havíamos visto algumas horas antes.

Parte da alegria em torno do documentário "The Farthest: Voyager in Space", veiculado pela PBS recentemente, é reviver esses momentos de perplexidade e ambição intelectual.

Foi nos encontros da Voyager que conheci meus colegas do meio jornalístico e aprendi, em nossos jantares, que tinham a capacidade de beber muito mais antes dos aperitivos do que eu durante todo o jantar.

Outras noites foram passadas na companhia de pesquisadores da ciência e astrônomos de planetários ao som das baladas espaciais de Jonathan Eberhart, correspondente da Science News e conhecido cantor de folk. Uma banda de rock chamada Banda Equatorial Titan tocava em festas e reuniões.

Em 1986, o ônibus espacial Challenger explodiu com sete astronautas dentro - Reprodução/CBSNews - Reprodução/CBSNews
Em 1986, o ônibus espacial Challenger explodiu com sete astronautas dentro
Imagem: Reprodução/CBSNews

Suspendemos a música na manhã de 28 de janeiro de 1986, depois que a Voyager 2 passou por Urano, quando o ônibus espacial Challenger explodiu com sete astronautas a bordo, incluindo Christa McAuliffe, professora no espaço.

Naquela manhã, as televisões de uma agitada redação no Jet Propulsion Laboratory exibiam Urano em uma tela e a nuvem em formato de Y da explosão na outra. Lá pelo meio-dia, meus amigos de jornalismo já haviam arrumado as malas e partido para Houston ou para o Cabo Canaveral, na Flórida.

A Voyager 2 continuou sua viagem. Quando chegou a Netuno — o porteiro do nosso sistema planetário, agora que Plutão não conta mais —, os engenheiros do laboratório haviam instalado antenas ao redor da Terra para ouvir em uníssono, capturando os bits de dados que fluíam de quase cinco bilhões de quilômetros de distância.

Chuck Berry estava entre as músicas enviadas ao espaço - Gijsbert Hanekroot/Redferns - Gijsbert Hanekroot/Redferns
Chuck Berry estava entre as músicas enviadas ao espaço
Imagem: Gijsbert Hanekroot/Redferns

Chuck Berry, cuja música foi incluída nos registros das naves espaciais, veio ao laboratório para tocar em uma festa de despedida das Voyagers.

Ainda haveria um último ato. Em 1990, enquanto ascendia no vazio, a equipe da Voyager 1 comandou que ela girasse suas câmeras para trás, tirando um retrato de família dos planetas que estava para sempre deixando para trás.

A Terra aparece na imagem como o famoso "pálido ponto azul" em uma luz difusa, "uma partícula de pó suspensa em um raio de sol", como o astrônomo e sábio cósmico Carl Sagan descreveu mais tarde.

As câmeras das Voyagers estão desativadas, mas as sondas continuam a transmitir informações sobre as condições no espaço mais profundo.

Em outubro de 2012, medições do campo magnético e de raios cósmicos indicaram que a Voyager 1 atingira a borda da bolha magnética que o Sol estende como um guarda-chuva sobre os planetas, bloqueando a radiação externa.

A Voyager 1 estava no espaço interestelar, o primeiro artefato humano a escapar do sistema solar. Ela e sua gêmea seguirão circulando pela galáxia, mesmo depois de deixar de nos enviar informações.

Na plenitude do tempo galáctico, as Voyagers podem ser encontradas, mas até lá a raça humana pode estar extinta há muito tempo. Os registros dentro das Voyagers podem ser os únicos remanescentes físicos, a última evidência solitária do que vivemos nessa cidade das estrelas, entre essas ilhas de gelo e rochas.

Naquela época, nós ficávamos ansiosos por uma exploração espacial que duraria para sempre. Foi mágico, e todos nós estávamos na mesma nave espacial.

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