De patinho feio a cisne: Fluminense faz Renato e humildade darem as mãos

Renato Gaúcho humilde? Não combina. Nunca foi o caso, pelo menos no discurso do próprio Renato. Mas, neste Mundial de Clubes da Fifa, humildade é a palavra que domina a campanha épica do Fluminense. Não é só da boca para fora. A humildade está estampada nas formações usadas nos jogos do torneio, na atitude em campo, nos objetivos traçados e, quem diria, na boca do próprio treinador.
"O patinho feio perde de longe para esses clubes financeiramente, mas dentro do campo é outra história, são 11 contra 11, vai ganhar quem quer mais. Eles querem, mas a gente quer mais", falou Renato, após a vitória por 2 a 1 sobre o Al Hilal, em Orlando. Na semifinal, terça-feira, o Flu vai enfrentar o Chelsea, que neste torneio já perdeu do Flamengo, mas bateu o Palmeiras.
Foi o próprio Renato Gaúcho que usou o termo "patinho feio" para rotular o Fluminense em comparação a outros clubes mais poderosos do torneio. E essa noção levou o treinador a se adaptar, entender as limitações do time e não querer "jogar futebol bonito" no Mundial - e, sim, fazer o que fosse necessário para obter o resultado, mesmo que de uma maneira pouco usual para os times dele.
"O Fluminense é um grande time defensivo". Koulibaly falou isso. Renan Lodi. Simone Inzaghi. Os jornais estrangeiros. Todo mundo elogia a capacidade defensiva do Flu nos Estados Unidos. Uma característica muito mais atrelada ao antecessor de Renato, Mano Menezes, por exemplo. Renato sempre orgulhou de mandar seus times para frente, de vê-los jogando bola.
No Mundial, organizou o time para contra atacar contra o Borussia Dortmund - não ganhou, mas merecia. Segurou um outro 0 a 0 contra o Mamelodi Sundowns, da Äfrica, na partida que valia vaga para o mata-mata. Formou linha de três zagueiros (que virava uma de cinco) para a partida contra a Inter de Milão e repetiu a tática contra o Al Hilal, sempre com a proposta de deixar o adversário mais tempo com a bola e ser veloz no momento de recuperação. O único jogo em que o Flu foi mais parecido com o Flu do Brasileirão e com os times de Renato foi contra o Ulsan, da Coreia. Ali, tinha o favoritismo, dominou, fez gol, mas levou dois e quase botou tudo a perder - antes de se recuperar no segundo tempo. Tomou dois gols do Ulsan. Nos outros quatro jogos somados, tomou só um, o do Hilal, sexta-feira.
"Fico feliz por ter achado um esquema bom contra a Inter, repeti porque temos pouco tempo para treinar. Deu certo e achei melhor continuar, porque eles (o Al Hilal) têm bola aérea forte assim, como a Inter. Soubemos sofrer no final do jogo, controlamos parte dele. Mas um jogo contra um time forte é assim. Soubemos aproveitar as nossas chances."
E, de repente, o time brasileiro que chegou menos badalado ao Mundial é o único vivo. Palmeiras, Flamengo e Botafogo voltaram para casa, enquanto o Fluminense está no seleto grupo de quatro melhores times do planeta. O patinho feio virou cisne.
"(Os jogadores) Me chamam de gênio, me dão banho, apelam, brincam. Maneiro, mas isso é uma família, conversamos bastante, sacaneamos uns aos outros. É importante este ambiente. Estamos aqui há um mês e o nosso ambiente é maravilhoso, não tivemos problemas. Às vezes, precisamos aturar o presidente cantando, mas ele é bom, canta bem. O ambiente é maravilhoso. Quando precisa brincar, brincamos. Quando é hora de trabalhar, trabalhamos. O resultado está aí. Em todos os clubes que passei eu não abro mão do ambiente, ele é fundamental. Todo mundo está se sentindo bem", explica Renato.
"Ele tem muito feeling de dentro de campo. Por ter atuado muito tempo e ter sido um grande jogador, tem muita sabedoria do que acontece em campo e consegue passar isso para a gente. Não é dos mais técnicos, digamos assim, mas tem a palavra do jogador. Muita gente acha que é só resenha, brincadeira, vestiário, mas ele conhece muito dentro de campo", falou o lateral Guga, sobre o comandante.
"Estamos orgulhosos. O nosso grande segredo é a humildade e é assim que vamos seguir", disse o colombiano Arias.
Para a semifinal contra o Chelsea, o técnico terá de voltar a ser criativo. Freytes e Martinelli estão suspensos, o que pode atrapalhar a formação encontrada com três zagueiros e volantes que gostam de ter a bola. Mas Renato já tem a solução.
"Não me preocupa. Eles estão bem, eu confio em todos do grupo. Sempre falo para eles que o jogador tem de treinar forte para jogar forte. Em qualquer momento ele é chamado, ele tem de estar preparado. Meus jogadores estão preparados. Eu cobro nos treinos a intensidade e a atenção nos vídeos. O Martinelli faz um grande Mundial assim como os outros meias, assim como o Freytes... Por uma lesão ou uma suspensão tem de mudar, mas o jogador que for jogar não me preocupa porque eu confio em todos eles e quem entrar vai dar conta do recado."
Antes do jogo contra a Inter, uma reportagem da "Gazzetta dello Sport" lembrava que Renato era o "playboy" que chegou à Roma como "o Gullit branco" e nunca aconteceu dentro de campo. Mas hoje, ainda com o corpo em forma e com "cabelos grisalhos", Renato transmite a seriedade que, antes, não transmitia.
No Brasil, Renato ainda tem a imagem, justa ou injusta, de falastrão e "pouco profissional", uma espécie de Zé Carioca dos treinadores. Algum torcedor dirá que prefere um Zé Carioca do que um professor Pardal. Sem inventar, Renato ouve a comissão técnica, ouve o capitão, Thiago Silva, e toma, humildemente, as decisões que precisa tomar. Por enquanto, é uma decisão boa atrás da outra. O grande exemplo foi o diálogo flagrado entre os dois, Renato e Thiago, durante a partida contra a Inter. Thiago dá uma orientação tática, prontamente aceita pelo treinador.
Uma pessoa de dentro do Fluminense dizia ontem no estádio de Orlando que preferia enfrentar o Chelsea do que o Palmeiras, pois isso já garantiria o clube como o melhor do Brasil na competição. Parece um pensamento pequeno, considerando que o Flu está a dois passos de um título inimaginável. Mas reflete o sentimento de parte da torcida. É um passo por vez. Assim, o patinho feio virou cisne e voou mais alto que todos os outros patos.