'Inimigos' de Trump salvam Mundial de Clubes da frieza do futebol europeu
O que seria do Mundial de Clubes dos Estados Unidos sem a alma e o brilho de árabes, latinos e africanos? Protagonistas na arquibancada, torcidas como a do Wydad (Marrocos), do Espérance (Tunísia), e dos clubes sul-americanos são, ironicamente, uma pequena representação de uma fatia da sociedade que não é bem-vinda no país de Donald Trump.
Principais alvos da política de deportação
O show à parte destes povos no torneio dos Estados Unidos têm sido uma chama de alegria em meio ao mar de angústias vivido nos últimos meses. Empunhando uma de suas bandeiras pela eleição, Trump tem o objetivo de realizar a "maior deportação da história".
A linha dura aplicada a estes estrangeiros causou receio entre os ilegais que sonhavam com o Mundial. Alguns, por precaução, preferiram evitar ir aos jogos com medo de que o Serviço de Imigração e Alfândega bata a porta dos estádios. Quem foi, porém, só teve motivos para curtir.
Sem uma varredura mais forte até aqui, sobrou espaço para o show à parte nas arquibancadas. As festas de brasileiros, argentinos, marroquinos, tunisianos, mexicanos e egípcios, dentro e fora das arenas americanas, têm rodado o mundo e dividido espaço com o campo e bola.
"Nós, africanos, somos apaixonados por futebol. Isso nos diferencia. Por isso nós fazemos essas festas bonitas nas arquibancadas. Nós amamos futebol", disse Reamy Chaar, torcedor do Espérance, da Tunísia, país árabe situado no continente africano.
Africanos de influência árabe se destacam com 'melhor torcida do mundo'
O Lincoln Financial Field, casa do Eagles, tem sido o palco dos jogos na Filadélfia. Por lá, quem tem se destacado são os africanos de influência árabe.
Trump aplicou sanções severas a outros povos que não têm times representados no Mundial. Somália, Chade, Sudão, Eritreia, República do Congo, Líbia e Guiné Equatorial estão com acesso negado nos Estados Unidos.
Os africanos que entraram nos EUA têm se divertido. Na partida do Flamengo contra o Espérance, os tunisianos já haviam feito muito barulho. Depois, no jogo entre Manchester City e Wydad Casablanca, foi a vez dos marroquinos roubarem a cena.
Eleitos por sites especializados a "melhor torcida do mundo", os Winners - nome dos ultras do Wydad - transformaram o Lincoln num caldeirão vermelho, com fumaça, sinalizadores, bandeirão e muita, mas muita cantoria durante todo o jogo mesmo perdendo desde o segundo minuto de partida.
Um dos sinalizadores, inclusive, foi atirado em direção ao goleiro brasileiro Ederson. Apesar do artefato não tê-lo atingido, a partida chegou a ser paralisada. A Fifa não informou se punirá o clube.
Nós somos os melhores fãs do mundo porque somos mais do que uma família. Nós amamos muito nosso clube. Não somos nós que dizemos que somos a melhor torcida do mundo. Outros times, outros fãs da cidade veem isso no estádio. Nós temos os melhores ultras do mundo. É por isso que nós somos o número 1
Hassan Youssef, torcedor do Wydad Casablanca
País de Monterrey e Pachuca, México tem 44% dos imigrantes ilegais dos EUA
Os torcedores de Monterrey e Pachuca também têm feito uma festa bonita nos Estados Unidos. Os mexicanos também são motivo de preocupação para Trump, já que, segundo o Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS), representam 44% dos 11 milhões de imigrantes ilegais que vivem no país.
Os números, porém, estão em queda, segundo o órgão: "Apesar desta tendência decrescente a longo prazo, o México continua sendo, de longe, o maior país de origem da população imigrante não autorizada", diz o organismo.
O atual presidente apertou o cerco contra o vizinho e já são mais de 40 mil mexicanos deportados desde o início do ano.
Brasileiros tomam conta de pontos icônicos
Os brasileiros, de um modo geral, têm sido maioria nos estádios do Mundial até aqui. Mais do que o apoio nas arquibancadas, o que tem chamado a atenção da população americana são as ocupações em pontos icônicos dos Estados Unidos.
Fluminense e Palmeiras, por exemplo, lotaram a Times Square nas vésperas de seus jogos. As imagens no famoso ponto turístico de Nova York rodaram o mundo e renderam elogios do presidente da Fifa, Gianni Infantino, que parabenizou os palmeirenses em uma postagem em sua rede social.
Já os flamenguistas, literalmente, vestiram Rocky Balboa de rubro-negro. A concentração da torcida antes do jogo contra o Espérance foi na escadaria do Museu de Arte da Filadélfia, que conta com uma estátua do boxeador dos cinemas.
O Brasil está no Top-10 de países que mais exportam imigrantes para os EUA, e a relação entre os governos não é das mais amistosas. Ilegais brasileiros estão na mira dos EUA e um episódio da deportação de 88 brasileiros causou tensão em janeiro deste ano.
Invasão de torcida do Boca contrasta com tensão em Miami
Já a torcida o Boca Juniors invadiu uma praia de Miami. Milhares de argentinos realizaram o famoso "banderazzo" nas areias e coloriram o local de azul e amarelo.
O xeneizes esgotaram os ingressos de seus três jogos, sendo os de Benfica e Bayern de Munique, em Miami, e Auckland City, em Nashville.
A festa na partida diante do Bayern de Munique, em Miami, fez muita gente pensar que o Mundial estava sendo disputado em plena La Bombonera, o mítico estádio do clube.
O clima de festa contrasta com o ambiente de tensão na cidade, que tem a maioria de sua população formada por latinos. São cerca de 70,2%, o que representam mais de dois milhões de pessoas.
Duelo de torcidas latinas em Los Angeles
Em Los Angeles, com um público de mais de 57 mil pessoas, o Mundial teve seu primeiro duelo de torcidas, com as arquibancadas rigorosamente divididas ao meio pelas hinchadas do River Plate e do Monterrey.
O duelo das torcidas foi melhor que o do campo. A torcida do River seguiu a toada argentina de cantar o tempo todo e subia o tom quando a do Monterrey gritava alto.
Os mexicanos eram mais reativos ao jogo. Quando o time atacava, faziam mais barulho do que os adversários.
Fora ou dentro do estádio, não houve incidentes graves. Um voluntário com um mega fone avisava que bandeiras do Monterrey só podia entrar pelos portões da frente do estádio, e bandeiras do River pelo outro lado. As bandeirinhas de plástico foram uma marca dos dois lados.
Um sinalizador de cada lado conseguiu furar a revista e foi aceso no começo da partida.
Frieza e 'terceirização'
Do lado dos europeus, o que se vê é frieza terceirizada. Muitos dos que comparecem ao estádio com a camisa de um time do Velho Continente são americanos ou estrangeiros que simpatizam com o clube, mas não são necessariamente fanáticos.
Nas arquibancadas, não tem se notado nem uma organização para que fiquem aglomerados atrás dos gols, como tem feito latinos, africanos e asiáticos.
No jogo contra o Flamengo, por exemplo, a torcida do Chelsea compareceu em número reduzido e a única vez que foi ouvida foi pouco depois do gol que abriu o placar, quando bateram palmas e gritaram um tímido "Chelsea!".
Trump ordena que operações sejam intensificadas em cidades-sedes
O clima, por enquanto, é "suave" para os imigrantes no Mundial de Clubes, mas o panorama pode mudar. Na última segunda-feira, Donald Trump ordenou que se intensifiquem as operações no país, citando nominalmente três cidades, duas delas sedes do torneio: Los Angeles e Nova York.
Nós devemos ampliar os esforços para deter e deportar imigrantes ilegais nas maiores cidades dos Estados Unidos, como Los Angeles, Chicago e Nova York, onde milhões e milhões de imigrantes ilegais residem
Donald Trump
Operações recentes do ICE (departamento de alfândega e imigração) renderam uma série de protestos, principalmente em Los Angeles, desencadeando episódios de violência. Como resposta, Trump enviou quatro mil guardas nacionais e 700 fuzileiros navais para a cidade, que posteriormente adotou um toque de recolher a partir das 22h.
No último sábado, diversas manifestações contra Trump se espalharam pelo país. O ato foi batizado de "Dia Sem Reis".
EUA ataca Irã
O clima festivo dos jogos no Mundial contrasta com a tensão que vive o país-sede atualmente. Além de toda a guerra contra os imigrantes, Donald Trump anunciou ataque ao Irã, que está em guerra com Israel.
"Concluímos nosso ataque muito bem-sucedido às três instalações nucleares do Irã, incluindo Fordow, Natanz e Esfahan", escreveu o presidente americano nas redes sociais.
"A gente fica preocupado. Vim com meus filhos e minha esposa para nos divertirmos, não para nos preocuparmos com guerra", disse o flamenguista Cláudio Fonseca, que comprou os jogos da fase de grupos do Rubro-Negro.