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Grama sintética causa mais lesões? 'Não há consenso', diz especialista

do UOL

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

19/02/2025 05h30

O debate sobre gramado sintético voltou à tona no futebol brasileiro após jogadores de grandes clubes — que, logicamente, não utilizam este tipo de piso nos respectivos estádios — se manifestarem de forma contrária. Botafogo, Atlético-MG e Palmeiras, por exemplo, contra-atacaram e emitiram notas em defesa do tipo de campo. Mas o que diz a medicina especializada sobre a grama artificial?

Tem maior incidência de lesões?

O UOL conversou com Gustavo Arliani, ortopedista e diretor médico da Newon, sobre o tema. Ele ressalta que não há estudos conclusivos que apontem maior número de lesões em gramados sintéticos, e salienta que, ao longo dos anos, houve evolução do material utilizado.

Uma coisa importante a se falar é que os gramados sintéticos foram evoluindo ao longo do tempo. Hoje, temos gramados já na quarta geração de tecnologia. Estudos vêm sendo publicados sobre o tema, comparando o esporte no gramado artificial versus o natural e não há um consenso, evidência científica que mostre maior número de lesões em um tipo de gramado que em outro.
Gustavo Arliani

"Há um estudo nacional que também fez essa comparação. A amostra de lesões em grama sintética ainda não é tão grande porque não são tão numerosos os gramados aqui no Brasil. Talvez, a comparação fique um pouco mais difícil, mas mesmo nessa pequena amostra, não há uma grande diferença nesse padrão", completou.

Nomes de peso do futebol brasileiro publicaram a manifestação. Neymar (Santos), Thiago Silva (Fluminense), Lucas Moura (São Paulo), Gabigol (Cruzeiro), Dudu (Cruzeiro), Cássio (Cruzeiro), Memphis (Corinthians), Garro (Corinthians), Gerson (Flamengo), Arrascaeta (Flamengo), Coutinho (Vasco), Bruno Henrique (Inter), Alan Patrick (Inter) e David Luiz (Fortaleza) usaram seus perfis para publicar a mesma mensagem.

"Futebol profissional não se joga em gramado sintético" é o lema principal desse movimento. A mensagem dos jogadores dá a entender que a insatisfação é mais com os efeitos do sintético na qualidade do jogo.

Botafogo, Palmeiras e Atlético-MG se manifestaram. Os dois primeiros usam grama sintética em seus estádios e o time mineiro está colocando em seu campo.

"O Botafogo investiu na construção de um gramado FIFA Quality Pro para garantir melhores condições de jogo a todos os atletas. Chega a ser hipocrisia pensar a defesa irrestrita do gramado natural enquanto diversos estádios do Brasil (...) apresentam qualidade que, estes sim, podem gerar sérias consequências físicas e pôr em risco a carreira de atletas de base e profissional", disse o Botafogo.

"Não há qualquer comprovação científica de que o risco de lesão em campos artificiais seja maior do que em campos naturais. Pelo contrário: recente estudo publicado pela revista "The Lancet Discovery Science" aponta que a incidência de contusões em jogos de futebol disputados em gramados artificiais é inferior à de lesões em campos naturais", apontou o Palmeiras.

Os trabalhos com maior evidência científica, hoje, são as revisões sistemáticas. Um desses trabalhos foi o citado pela Leila [Pereira, presidente] e pelo Palmeiras. São estudos que congregam uma série de outros, e tentam somar os dados para dar o que seria um consenso ou ter maior número de dados para poder dar uma resposta à determinada pergunta. E, hoje, essas revisões sistemáticas não mostram diferença de padrão ou número de lesão. Talvez, essa diferença do número de jogos em cada gramado faça chamar mais a atenção para as lesões quando elas ocorrem em grama não natural.
Gustavo Arliani

O médico aponta que a diferença dos gramados já foi alvo de estudos voltados a outras modalidades. "Na NFL [liga de futebol americano] já é mais discutível. Alguns estudos, de mais consenso, já falam em mais lesões na grama artificial, comparado com à grama natural. No futebol, tem estudos nos Estados Unidos, pela MLS, na Europa e aqui no Brasil um pouco. No geral, o número de estudos publicados é pequeno e ficam mais concentrados talvez nesses pontos".

Do ponto de vista médico, hoje, não há restrição alguma, tanto que a Fifa permite o uso dos gramados sintéticos e, inclusive ela faz inspeção anual para a aprovação. A própria Fifa tem o seu comitê médico, que analisa esses fatos.

Há, porém, diferenças entre o gramado natural e o sintético, e Gustavo Arliani indica a questão do maior impacto. "A foto escolhida pelos jogadores na postagem mostra as gramas em profundidade e elas são diferentes. O gramado sintético tem um piso por baixo, depois ele vai ter todo aquele tapete da grama sintética, alguns deles usam uma borrachinha ou outro material para poder amortecer o impacto, tanto para a bola não pingar muito como também para não ter o impacto nas articulações dos atletas. A velocidade da bola de um gramado para o outro, a resistência que o atleta faz ali para correr, é diferente. E tem a questão do costume também".

Manifestação dos jogadores

"Preocupante ver o rumo que o futebol brasileiro está tomando. É um absurdo a gente ter que discutir gramado sintético em nossos campos.

Objetivamente, com tamanho e representatividade que tem o nosso futebol, isso não deveria nem ser uma opção. A solução para um gramado ruim é fazer um gramado bom, simples assim.

Nas ligas mais respeitadas do mundo os jogadores são ouvidos e investimentos são feitos para assegurar a qualidade do gramado nos estádios. Trata-se de oferecer qualidade para quem joga e assiste.

Se o Brasil deseja definitivamente estar inserido como protagonista no mercado do futebol mundial, a primeira medida deveria ser exigir qualidade do piso que os atletas jogam e treinam.

FUTEBOL PROFISSIONAL NÃO SE JOGA EM GRAMADO SINTÉTICO!"

Nota do Palmeiras

"Diante da publicação realizada conjuntamente por alguns jogadores contra a utilização de gramados artificiais no futebol brasileiro, a Sociedade Esportiva Palmeiras esclarece que:

- O campo sintético do Allianz Parque é certificado pela Fifa, que realiza inspeções anuais desde a sua implementação, em 2020, a fim de aferir que o piso siga os mesmos parâmetros de um campo de grama natural em perfeito estado;

- Não há qualquer comprovação científica de que o risco de lesão em campos artificiais seja maior do que em campos naturais. Pelo contrário: recente estudo publicado pela revista "The Lancet Discovery Science" aponta que a incidência de contusões em jogos de futebol disputados em gramados artificiais é inferior à de lesões em campos naturais;

- Diferentes levantamentos realizados por veículos de imprensa mostram que o Palmeiras, ao longo dos últimos cinco anos, é o clube da Série A do Campeonato Brasileiro com menor número de lesões;

- O clube respeita a opinião dos atletas que manifestaram preferência por campos de grama natural e considera urgente o debate sobre a qualidade dos gramados do futebol brasileiro; este problema, contudo, não será solucionado com críticas rasas e sem base científica".

Nota do Botafogo

"Ciclicamente a discussão sobre o uso do gramado sintético vem à tona no futebol brasileiro. Nunca com embasamento científico, sempre com narrativas ou justificativas emocionais. O Botafogo traz fatos: sagrou-se campeão da América e Brasileiro sendo o clube que mais disputou jogos em 2024 (75 no total) em todo o mundo. Em 2023 e 24, com a implementação do gramado sintético, houve um aumento expressivo de partidas realizadas e, mesmo assim, reduziu-se o índice de lesões por jogo, sendo um dos clubes com menos indisponibilidade de atletas ao longo da temporada. O Glorioso ofereceu ao torcedor uma qualidade de espetáculo internacionalmente reconhecida e um recente clássico contra o Palmeiras foi comparado a "Jogo de Premier League". Aos que alegam desequilíbrio em competições, o Botafogo foi o melhor visitante do Campeonato Brasileiro.

Este mesmo gramado já foi elogiado em dezenas de ocasiões por jogadores e técnicos de times do futebol brasileiro e sul-americano, que reconhecem a qualidade e a condição oferecida aos atletas.

O Botafogo investiu na construção de um gramado FIFA Quality Pro para garantir melhores condições de jogo a todos os atletas. Chega a ser hipocrisia pensar a defesa irrestrita do gramado natural enquanto diversos estádios do Brasil - sufocados por um calendário intenso ao longo do ano - apresentam qualidade que, estes sim, podem gerar sérias consequências físicas e pôr em risco a carreira de atletas de base e profissional.

Construiu-se também um Núcleo de Saúde e Performance de primeiro nível no CT, com equipamentos e profissionais altamente capacitados. Futebol requer investimento em ciência e cuidados, como o Botafogo tem promovido nos últimos anos.

Embora respeite a opinião dos atletas que se manifestaram e reconheça a importância do debate, o Botafogo sugere a todas as partes (imprensa, jogadores, torcedores de todos os clubes) que se aprofundem sobre o tema e reafirma a sua posição de defesa do gramado sintético.

O Clube reforça seu compromisso com a excelência e a saúde dos seus atletas, além de seguir buscando sempre o melhor para o futebol brasileiro, valorizando o espetáculo com bons palcos e conforto para os jogadores entregarem a melhor performance".

Nota do Atlético-MG

Referente às publicações realizadas por alguns atletas a respeito da utilização de gramados artificiais no Brasil, o Atlético informa que:

O Clube respeita a opinião desses atletas, porém ressalta que não há estudos científicos que comprovem aumento do risco de lesões em gramados artificiais.

O gramado sintético que está sendo implementado na Arena MRV é o Quality Pro Stadium, que possui autenticação da FIFA Quality Pro, a mais alta certificação mundial para gramados sintéticos de futebol.

O Atlético reforça a necessidade de um amplo debate sobre a qualidade dos gramados no Brasil, sejam eles naturais ou sintéticos, para que o produto futebol seja cada vez mais valorizado.

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