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Diretor do São Paulo rebate Textor e explica integridade: 'Não é só aposta'

Roberto Armelin, diretor do São Paulo - Divulgação/Confut Sudamericana
Roberto Armelin, diretor do São Paulo Imagem: Divulgação/Confut Sudamericana
do UOL

Do UOL, no Rio de Janeiro

06/11/2024 05h30

O diretor de compliance do São Paulo, Roberto Armelin, conversou com o UOL sobre as políticas de integridade do clube. Anfitrião de um evento sobre o assunto nos próximos dias — a Semana da Integridade do Esporte 2024 —, ele explicou como esse conceito se aplica ao clube e rebateu as acusações de John Textor, dono da SAF Botafogo, de manipulação envolvendo jogadores do São Paulo no clássico contra o Palmeiras.

Como o assunto integridade dialoga com o cotidiano dos clubes? Como dar um "cheiro de grama" a esse tema que parece tão corporativo?

Integridade é quando se coloca em prática aquilo que se fala, que se pensa. Então, é um desafio de coerência. Quando a gente constituiu aqui o Programa Integridade Tricolor, no começo de 2021, a gente começou um trabalho. É como uma jornada. Ele começa e não tem fim, porque a gente está sempre melhorando. Ele nunca está perfeito, mas a gente vai melhorando. Não só envolve um aspecto de compliance, no sentido de estruturar internamente a governança, o funcionamento do clube em todas as suas áreas. Isso não é diretamente no campo, no cheiro de grama. Mas essa organização reflete em melhores condições para que quem trabalha com o campo, com atletas, tanto o pessoal administrativo mais próximo, quanto comissões técnicas e os próprios atletas.

Tem a parte das apostas e manipulação também, né?

Hoje se fala muito de integridade relacionada a apostas. Mas integridade não é só a questão de não ter manipulação de resultado e só ligada a apostas esportivas. Aliás, quando você fala de integridade em relação a apostas, no fundo você está querendo dizer que o sistema de apostas tem que ser íntegro, não pode ser suscetível de manipulação para não afetar o resultado desportivo, que é a coisa mais importante do que a gente trabalha. A gente trabalha no esporte, Todo mundo tem que trabalhar para que o resultado esportivo seja absolutamente natural e resultante apenas da disputa esportiva. É o que a gente chama de imprevisibilidade. É a essência do esporte, é o que faz o esporte emocionante. No momento em que o esporte não for mais imprevisível, ele perde o interesse. E aí todo mundo vai deixar de dar atenção para o esporte.

E o que vai além das apostas?

É o lado humano. E é aqui que a integridade encosta em valores, em direitos humanos e um desejo muito grande de enfrentar problemas que a sociedade moderna apresenta: de preconceito, de falta de respeito em todos os sentidos. O lado humano é superimportante no nosso programa, por isso que ele não é só um programa de compliance, de escrever um código, de escrever políticas e implementá-las. Temos um olhar muito forte para as pessoas internas do São Paulo. Iniciamos processos para dar para essas pessoas muito melhores condições de trabalhar, de relacionar a vida pessoal com o trabalho. E para que entendam que o mundo mudou, que o mundo não pode mais ser machista, racista, preconceituoso, desrespeitoso e etc., Ou seja, é uma discussão ampla que vai de contratos à convivência, para a gente tratar um pouco mais disso. No fundo, tudo são pessoas. Não adianta pensar só em processos, em contratos, em dinheiro, em campo. Nós precisamos que as pessoas estejam bem para fazer isso tudo. Por isso que a nossa política mais importante, além do código, a gente chama de política de respeito.

Como é que vocês da área de integridade enxergaram a acusação feita pelo Textor sobre a goleada do Palmeiras ano passado, até no âmbito da CPI?

Olha, ninguém está imune a ser criticado com ou sem razão. Nesse caso especificamente, eu tenho convicção de que ele não tinha nenhuma razão. Os relatórios dele, na minha visão, não são substanciais, e o que a gente tinha de informação relacionada àquilo, e até de sentimento interno, é que não aconteceu nada daquilo.

Nenhum dos nossos atletas se envolveu, nem de longe, em nenhum desses casos. Portanto, a gente simplesmente respondeu da forma institucional que o Júlio (Casares) sabe muito bem fazer. Para nós, o negócio passou. Ele realmente, o Textor, ano passado viveu uma decepção muito grande. E aí, a forma dele reagir é uma questão pessoal dele, ele tem o direito de reagir como ele quer. Só não acho legal acusar outros.

Como essa política do São Paulo casa com a recepção e organização do Fórum de Integridade no Esporte, semana que vem?

É um projeto da Aliança Global de Integridade do Esporte (Siga), mas era também um projeto do São Paulo. E a gente se reuniu ano passado para fazer a primeira edição em conjunto. A ideia do Jogo pela Integridade é uma ideia nossa, que começou em num evento chamado Jogo pela Ética. Para resumir a ideia, é muito menos um jogo e muito mais uma experiência comportamental. Falo de respeito, de cuidar das pessoas, de como isso é importante e vital, até para que a gente consiga o que qualquer organização quer. Se uma organização trabalha visando ao dinheiro, ela depende de pessoas. Se uma organização, como a nossa, trabalha visando vitórias e títulos, precisa de pessoas.

O jogo pela integridade tem como essência uma experiência comportamental, visando ao respeito acima de tudo. Os times têm homens e mulheres misturados. E não tem árbitro. Então, o que a gente quer com essa diferença? Obviamente, ninguém quer mudar a regra do futebol. Mas a gente coloca as pessoas numa situação que elas são obrigadas a respeitar os diferentes. E como não tem um terceiro para dizer se a bola é de um ou de outro, se saiu ou não, se é falta ou não, as pessoas têm que ter uma consciência de resolver entre elas e de uma forma madura.

E aí você sai dessa experiência e olha para trás, o que aconteceu ali? Um negócio diferente, né? Isso planta. A ideia é que plante uma dúvida na pessoa para que ela mude a forma de pensar, de lidar com as pessoas diferentes, entender que a diversidade é a coisa mais natural que existe, porque não existem duas pessoas iguais, nem dois gêmeos univitelinos são iguais.

Mas o quanto essas ideias chegam de fato aos jogadores do profissional?

A gente está num projeto que está começando. A gente traz ex-jogadores e jogadoras para participar. Então, ano passado, participaram jogadoras da base do São Paulo. Neste, jogadoras da base. Os elencos profissionais estão disputando campeonatos, a gente não quer colocá-los em risco. Mas, por enquanto, a coisa chega, sim, numa conversa de bastidor, de ex-jogador comentando como é que foi a experiência, da gente comentando aqui internamente como é que a coisa funciona. Nós não temos uma discussão profunda com os jogadores ainda a respeito dessa reflexão. O que a gente faz é um trabalho com a política de respeito, com os nossos atletas, para que eles a sigam. Se não seguir, tem a política de consequências. A gente teve um caso que é público, de um atleta que teve um comportamento que não era de acordo com essa nossa norma, o nosso código de ética. Ele acabou sendo desligado, que é o caso do Pedrinho. Então, isso mostra que o São Paulo, de fato, tem a sua coerência, no sentido de falar e praticar.

Como é que você vê esse ambiente de discussão sobre esses valores da integridade no ambiente do futebol brasileiro? Tem gente engajada?

O mundo, em geral, precisa se engajar nisso. Estou te falando isso para dizer que o futebol não é diferente e pior que nenhum segmento da economia. Acho que tem coisas acontecendo aí no país que mostram que determinadas organizações precisam melhorar bastante. Alguns profissionais de alguns clubes fundaram o Movimento pela Integridade no Futebol, em fevereiro do ano passado. O Atlético-MG esteve com a gente desde o princípio e é um clube que está muito maduro nisso, é nosso grande parceiro. E esse movimento a gente começou devagar e a gente passou a estimular outros clubes a participarem, então nós já temos o Cruzeiro, o Náutico, Santos, Paraná Clube e outros clubes com os quais a gente conversa, que querem fazer parte. É um movimento para que a gente troque experiências, compartilhe o que está dando certo, quais as dificuldades, para fomentar que os clubes se desenvolvam também com esse tipo de olhar interno e externo.

Sobre o evento em si, o que você espera de reflexo a partir desse dia de discussões, desse jogo da integridade?

O principal objetivo é reunir muitas cabeças boas com os mesmos propósitos de gerar resultados para um mundo melhor, de um mundo mais respeitoso, de um ambiente de futebol, do esporte, mais respeitoso, mais humano. E criar projetos a partir dessa convivência. A gente tem o Movimento pela Integridade no Futebol, que é um projeto, mas que ainda é um fórum de discussões. Eu acho que a grande ambição deve ser identificar projetos que realizem coisas, que efetivamente transformem realidades. Seja no que diz respeito a projetos de educação para enfrentar o problema da manipulação de resultados ou outros problemas também na formação dos jovens. E até numa perspectiva de sustentabilidade mesmo, que é uma coisa que os clubes ainda não estão olhando.

A gente não precisa transformar o São Paulo no Greenpeace. É só fazer o que a gente faz com o olhar consciente das coisas e a gente pode impactar positivamente, inspirar outras pessoas e comunidades para acordar e ter essa consciência. E assim a gente vai devagarinho ajudando a melhorar o ambiente desse planeta.

E qual o principal choque ou conflito, talvez, que essa nova mentalidade pode causar para o dia a dia?

É um pouco o que acontece em toda empresa. A empresa está acostumada a fazer de um jeito e para você mudar o jeito de fazer é sempre uma dor. Porque a área está acostumada com uma forma... Isso acontece muito com empresa familiar, por exemplo, que precisa evoluir, modernizar para crescer e etc. É um paralelo que a gente pode fazer. Tinham áreas que estavam acostumadas a fazer as coisas de um jeito, com pouca tecnologia, às vezes. Aí você traz um sistema, um software, para facilitar a vida das pessoas, para deixar o processo mais seguro. Enfim, choca. E a pessoa vai ter que se levantar, vai ter que estudar, aprender a fazer aquilo de uma nova forma. E é normal, é um processo que está acontecendo, mas é nítido que isso está colaborando para que o ambiente de trabalho melhore no sentido das coisas fluírem, das pessoas estarem até um pouco mais leves nesse sentido.

Essa discussão da integridade é comportamental? Como é que isso abrange o aspecto econômico-financeiro que faz essa roda inteira girar?

A integridade corporativa é um valor que deve permear toda organização. Agora, quando você está promovendo uma mudança, um choque cultural de governança grande, como nós estamos fazendo aqui, isso demora um certo tempo. Existem processos arraigados que a gente precisa mudar com o tempo. Não dá para simplesmente apertar um botão e fazer a coisa rodar de forma diferente. Então, o programa de integridade está presente no clube inteiro, em todas as áreas todas as áreas participam das nossas conversas em relação a isso e algumas mudanças de procedimento já aconteceram e outras estão sendo estão acontecendo. Tem o desafio de comunicação: comunicar muita coisa para muita gente, e não é só avisar, mandar um e-mail. Eu tenho que explicar para a pessoa, e às vezes só uma fala não é suficiente. Principalmente quando você está num processo de mudança de cultura.

Com popularização das bets aqui no Brasil, com um hiato entre a permissão e a regulamentação, como é que o clube tem se posicionado em relação a esse assunto?

Educação é a chave para enfrentar esse problema. A manipulação de resultado é uma doença. O vício em apostas é uma doença. E você não pode lidar com uma doença só tratando o sintoma. Então, ok, quem transgrediu, quem manipulou tem que ser punido. Óbvio, né? Mas se a gente não educar as pessoas, ensinar por que não pode fazer... Não só que não pode fazer. O caso realmente é muito grave, a manipulação de resultado e o vício, a ludopatia, são graves. Conheço famílias que já estão em situação ruim. A gente tem, de fato, que enfrentar, punir e identificar. É o que se faz no programa de compliance, por exemplo: prevenir, identificar e tratar. O tratamento nem sempre é uma punição. Agora, o fundamental é educar, e é isso que a gente faz aqui. A nossa política de apostas foi implementada antes da regulamentação. Mas como você bem falou, o tempo entre aprovar a lei e regulamentar foi exagerado e o governo, nessa sua omissão, criou um monstro. Porque permitiu que as pessoas se viciassem, se acostumassem a fazer coisas do jeito que não deveriam. Então, a responsabilidade disso daí é do governo.

Existe algum caminho possível dentro desse conceito de educação? Você entende que esse aspecto do vício é remediável a curto prazo, ou talvez a gente vai ter que sangrar um pouquinho?

Eu vou ser realista. Eu acho que o problema já está instalado e já está feio. Eu acho que a gente tem que educar, do começo, todo mundo, não só atletas. Vamos lembrar que, na base, 5% devem se tornar atletas profissionais. Os outros 95% ficam na sociedade para fazer outras coisas. A gente não quer essas pessoas viciadas. Então, educação para quem ainda a gente consegue moldar. A gente precisa fortalecer o ser humano para que ele tome boas decisões para si e para o entorno. Isso é fundamental, desde já. Agora, a gente tem que usar todas ferramentas. A tecnologia é fundamental para monitorar e procurar agir o mais rápido possível e evitar que as consequências disso: uma doença que já existe. Para mim, é uma doença crônica. A gente não pode vacilar. Então, não é deixar a responsabilidade para o clube, para a federação, para o governo. Todo mundo tem que fazer a sua.

Quem tem maior poder de transformar a atitude de atletas são os clubes.

E aí eu costumo provocar, até em algumas reuniões e congressos: acho que todo clube tinha que ter um agente de integridade, não só focado em apostas, mas em tudo, porque o esporte é baseado em valores. A gente tem que ser protagonista nisso, o esporte, o futebol, porque o futebol tem uma visibilidade que pode fazer muito bem com esse protagonismo, nessa base, com esse foco, digamos assim, humano.

Como é que vocês medem o nível de integridade do clube? Existe algum tipo de indicador de performance?

Eu posso te dizer que não está no estágio que a gente quer, mas é porque a gente tem uma régua muito alta em relação a isso. É um processo de transformação cultural importante, de muitas pessoas. Mas você tem razão quando você pergunta de um indicador. Esse é um objetivo do nosso projeto aqui, ter esse indicador. Nós ainda não temos. Então, como é que a gente mede? Eu meço, por exemplo, pelo uso do canal interno de relatos. O canal existe, ele funciona, e ele trata o que tem que ser tratado. Então, esse é um termômetro que a gente tem e que nos leva a concluir que nós melhoramos. Mas, de fato, eu não tenho um indicador assim, e é possível tê-lo, mas a gente ainda está fazendo algumas transformações de governança e assim que a gente conseguir terminá-las, aí vai ser possível fazer, de fato, a implementação de um indicador melhor.

Com tantas pautas relevantes, como trabalhar com todas elas sem poder hierarquizar? Manipulação, racismo, luta contra homofobia, etc.

Não tem hierarquia e o que a gente tem que fazer é cuidar de cada uma. É como se fossem pilares, um do lado do outro. Só que às vezes eles se entrelaçam e a gente vai cuidando de todos, com equipe, com organização e com amigos. A gente vive num momento de mundo de muita disputa, de muito egoísmo. Mas o poder da colaboração, da cooperação, a força resultante disso é extraordinária. E vamos ver o que sai disso. Tenho certeza que ninguém sai igual de como entrou.

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