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Bielsa conquista ingleses com rifa, McDonalds e trajeto a pé até o treino

@LUFC/Twitter
Imagem: @LUFC/Twitter
do UOL

Marcus Alves

Colaboração para o UOL, de Londres (ING)

24/04/2019 04h00

Quase todas as manhãs, Marcelo Bielsa deixa o seu apartamento na região de Wetherby e caminha por 45 minutos, com fones de ouvidos, até chegar ao CT do Leeds United. Ao longo do caminho, invariavelmente, costumava ser parado em seus primeiros meses por repórteres oferecendo uma carona. A resposta era sempre negativa, embora acompanhada, na maioria das vezes, por um sorriso. O seu trajeto se tornou folclórico na cidade do norte da Inglaterra.

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A obsessão pelo argentino chegou ao ponto de seus compatriotas e, claro, outros torcedores peregrinarem pela vizinhança na expectativa de esbarrar no técnico e o seu inconfundível uniforme de treino.

Um pouco em cada lugar, Bielsa já foi flagrado em McDonalds após um jogo de pré-temporada do Leeds, fazendo compras sozinho no mercado e, possivelmente em seu canto favorito, relaxando entre uma leitura ou outra no Costa, uma das principais redes de café do país.

Essa devoção tem motivo de ser.

Faz 15 anos que o tradicional time inglês está longe da Premier League e, após encerrar a última temporada no 13º lugar, resolveu quebrar a banca, oferecer o maior salário de sua história a um treinador e trazer Bielsa direto de seu repouso na Argentina. A aposta tem surtido efeito: praticamente com o mesmo elenco, a equipe briga na parte de cima para subir para a primeira divisão.

O longo hiato marcado por consecutivas frustrações em campo, trocas sucessivas no banco de reservas e crises políticas pode chegar ao seu fim em maio. Para isso, será preciso seguir reproduzindo a parceria que tem funcionado tão bem fora das quatro linhas.

A princípio, ao assinar contrato por dois anos com o Leeds, Bielsa, que já chegou a negociar com Santos, Athletico Paranaense e outros clubes brasileiros, foi alojado em um spa de alto padrão no bairro de Rudding Park. Sem a companhia da esposa e da filha, que passam a maior parte do tempo em Rosário, na Argentina, o comandante de 63 anos logo enjoou da vida de hotel e pediu a mudança para Wetherby.

Com uma rotina pacata, acorda todas as manhãs para fazer sua caminhada até o CT e, na primeira ordem do dia, dedica um tempo para responder torcedores de todo o mundo. Não se furta nem mesmo de retornar convites locais para jantares com uma ligação para justificar a negativa.

Essa simpatia é replicada em sua rotina com ações como distribuir pirulitos para crianças no desembarque do ônibus do time, convidar torcedores para acompanhar os treinos e organizar uma rifa interna.

No início do ano, Bielsa pediu à diretoria da equipe que comprasse um carro, um laptop, um celular e uma TV de última geração para 'brindar' os funcionários que o rodeiam, entre outros, a cozinheira da cantina do clube. É por ações assim que ele virou rapidamente uma figura adorada no dia a dia.

Esse laço se estende até mesmo aos jogadores em circunstâncias que, inicialmente, tinham tudo para se voltarem contra ele.

Bielsa adotou concentração em um hotel, mesmo na véspera de partidas a serem disputadas em casa, se mostra rígido ao extremo com o controle de peso e não restringe os treinos a uma sessão diária. Essas são todas práticas pouco comuns nos gramados ingleses.

O argentino é adepto da tese de que, se um atleta está cansado, ele precisa treinar ainda mais.

O argentino Marcelo Bielsa, treinador do Leeds United - Site oficial do Leeds United - Site oficial do Leeds United
Imagem: Site oficial do Leeds United

Mas não dá para dizer que ele apenas cobra de seu grupo e não retribui o esforço, no entanto. Como parte de suas exigências para melhorar a estrutura para o elenco, o Leeds realizou uma reforma em suas instalações cujo custo estimado não ficou nada barato para os seus cofres: ao redor de 600 mil libras (R$ 3 milhões).

Não existe qualquer moleza na luta pela volta à Premier League. Exceção feita a um período em fevereiro, não houve qualquer folga superior a três dias desde o início da temporada.

A exemplo de seu discípulo Jorge Sampaoli, que desperta fascinação semelhante na Vila Belmiro, Bielsa não concede entrevistas exclusivas e abre espaço para essas histórias somente nas dependências do clube. Dá duas coletivas por semana, uma antes e outra depois de cada compromisso, ficando um pouco mais de tempo com os repórteres ao fim de cada uma delas para um papo mais informal.

Longe de qualquer fluência no inglês, se vira através de um intérprete e mobilizou a imprensa local a aprender um pouco de espanhol, como consequência.

Só assim, claro, para quem sabe um dia topar uma carona até o CT em suas caminhadas matinais. Uma possibilidade pouco provável antes de conseguir cumprir o seu objetivo e reconduzir o Leeds à elite. Nas últimas rodadas, a equipe viu seu desempenho despencar e, ao que tudo indica, não assegurará o acesso direto, sendo obrigada a passar pelos playoffs pela sonhada vaga.

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