Um título de glória! Há 30 anos, o Bahia chegava ao topo do país
A sensação de que o futebol nacional abria espaço para uma nova malemolência ficou ainda mais forte no dia 19 de fevereiro de 1989. Há 30 anos, o Bahia segurava o empate em 0 a 0 com o Internacional e via uma forte geração de baianos saltar da hegemonia estadual para ditar o ritmo da equipe campeã brasileira de 1988.
- A gente já tinha uma base muito boa, que foi campeã estadual em 1986 e 1987, sob o comando do Orlando Fantoni. Mas, depois da chegada do Evaristo (de Macedo) em 1988, ele foi dando espaço para João Marcelo, Charles, Zé Carlos... E assim formou um time ideal. que foi tricampeão estadual. Nosso elenco tinha 28 jogadores, 16 baianos para a disputa do Brasileiro! - diz o goleiro Ronaldo, ao LANCE!.
Decisivo na reta final daquele Brasileirão, Bobô não esconde o que pesou para o Tricolor de Aço desbancar favoritos e ganhar o troféu:
- Todos tínhamos muita ambição e também queríamos superar desafios. Boa parte da imprensa ficava colocando o Bahia como "azarão". Além disto, Charles, Zé Carlos, eu, queríamos chegar à Seleção Brasileira. Era uma equipe dedicada. Ainda pesou muito a forma como o Evaristo de Macedo confiou na gente.
PRIMEIRA FASE ALTOS, BAIXOS E... A MARCA DO PÊNALTI
Porém, o Tricolor de Aço esteve à beira de desafinar na competição. Na Primeira Fase, a equipe obteve apenas três vitórias nos dez jogos e não garantiu sua vaga (ficou na terceira colocação do Grupo B, atrás dos classificados Vasco e Grêmio).
- Pereira e eu fomos começando a nos ajustar mesmo no decorrer da competição. Mas a gente teve muito jogo difícil nesta Primeira Fase. Foram duas derrotas por 3 a 0, justamente para o Fluminense e o Internacional... A gente penou muito com a troca de jogadores, mas o Evaristo nos ajudou a engrenar - afirmou o zagueiro João Marcelo.
O regulamento do Brasileirão de 1988 ainda previa uma curiosa regra nas duas primeiras fases: a vitória valia três pontos. No entanto, em caso de empate ao fim dos 90 minutos de uma partida, estava prevista uma decisão por pênaltis, valendo um ponto extra. Camisa 8, Bobô revelou que se surpreendeu na época:
- Estranho aquilo, né? Um regulamento esquisito, era uma época em que mudavam regulamento todo ano. A gente ficava cansado nos 90 minutos e ainda tinha de bater pênalti. Foi bem diferente mesmo.
Artilheiro do Bahia na competição, com nove gols, Zé Carlos relembrou uma situação curiosa:
- Olha, eu era o cobrador oficial do time no tempo normal. Tive a sorte de converter as minhas cobranças. Aquilo dava emoção para o torcedor, mas era difícil para nós, porque a torcida "marcava" quem errava (risos).
A HORA DA GUINADA
A reação do Bahia começou a acontecer pelas mãos de Evaristo de Macedo. Após o início irregular na Segunda Fase, houve uma série de mudanças: Ronaldo entrou na meta no lugar de Sidmar, João Marcelo se firmou de vez na zaga e, no ataque, Renato perdeu a vaga para o jovem Charles.
- Eu nunca imaginei que ia chegar em um time e, logo no início, ser campeão brasileiro - disse o atacante, recordando o que Evaristo pediu a ele quando foi confirmado como titular:
- Quando eu iniciei, a pressão era muito grande em cima do Bahia. Eu vinha de competições do Sub-20, mas ele me garantiu que eu tinha um potencial forte, me deu tranquilidade para seguir.
Bobô apontou outro mérito do então treinador do Tricolor de Aço ao deixar a equipe "afinada":
- Ele não pediu contratações à diretoria. Preferiu dar prioridade aos jogadores que já estavam no elenco, casos de João Marcelo, Ronaldo, Charles...
Mesmo tendo um desempenho superior em campo na Segunda Fase, o Bahia também ficou na terceira colocação. Só que, desta vez, a equipe se garantiu nas quartas de final: o Vasco, que ficou em primeiro lugar do Grupo B nos dois turnos, abriu vaga para a equipe.
- Isso prova que, mesmo com as oscilações, a nossa campanha foi muito boa. Nosso time foi "ganhando corpo" com o decorrer da competição e ainda contou muito com a torcida, que empurrava demais a gente na Fonte Nova - disse João Marcelo.
'FOI UM DRAMA': AS QUARTAS DE FINAL CONTRA O SPORT
Nas quartas de final, o Bahia quase viu seu ritmo atravessado pelo Sport. Bobô foi categórico ao falar sobre o empate em 1 a 1, no jogo de ida, na Ilha do Retiro:
- O jogo em Recife foi um drama! Era uma rivalidade regional muito forte, nós estávamos disputando uma partida com um time que era muito parecido com o nosso.
Autor do gol de empate, Charles também tem recordações do embate:
- Nossa, foi muito difícil. No mata-mata, eles foram os únicos que não perderam para a gente. Levaram o jogo para a prorrogação... Mas aquele mata-mata ajudou muito a crescer nossa autoestima.
De acordo com Zé Carlos, o então técnico do Sport, Carlos Gainete, soube neutralizar os avanços do Tricolor baiano:
- Foi, de longe, o nosso pior jogo. A gente ia carregando a bola, tentava chutar, mas eles conseguiam parar. Tentamos de tudo, mas nada.
Ronaldo contou que os momentos de tensão na Fonte Nova duraram até a reta final:
- O Sport tinha o Nando, Edson, era um time que jogava muito no contra-ataque e que lutou muito até a prorrogação. Eu me lembro de fazer duas defesas difíceis no finzinho!
Com o empate em 0 a 0 ao fim dos 120 minutos, o Bahia garantiu sua vaga, devido ao gol marcado como visitante.
DEPOIS DO CARNAVAL, VEM... SEMIFINAL COM FONTE NOVA LOTADA
Como o calendário do Brasileirão de 1988 já invadira o ano de 1989, a semifinal proporcionou uma situação inusitada: o jogo de ida ocorreu em uma Quarta-Feira de Cinzas. Charles revelou que, em prol do título, todos deixaram de lado os dias do tradicional Carnaval na Bahia:
- É complicado, porque a Bahia é um lugar muito festivo, né? Mas a gente tinha de ser profissional. O Evaristo não liberou não (risos).
O adversário seria o Fluminense, que não trazia boas lembranças: tinha vencido por 3 a 0 o Tricolor de Aço na Primeira Fase. Mesmo assim, a equipe de Evaristo de Macedo lançou-se á frente.
- A gente acreditou muito. Mesmo no jogo do Rio, criávamos jogadas, esteve perto de marcar. Conseguimos um empate sem gols, que era um resultado bom - declarou Bobô.
O goleiro Ronaldo contou que o desafio foi árduo no Maracanã:
- O Fluminense era favorito. Tinha Delei, Washington, Romerito... Mas a gente jogou com inteligência e eu consegui fazer boas defesas.
A confiança por uma ida à final rendeu a presença maciça da torcida no jogo de volta:
- Eram mais de 120 mil pessoas na Fonte Nova! Quando a gente tomou o gol (de Washington, aos dois minutos) foi um choque. Mas, depois, voltamos a ter calma e conseguimos a virada. A gente era muito centrado nisso, de que podia fazer gols em todos os jogos e contamos com os dois gols do Bobô - disse Zé Carlos.
VIRADA PARA O TÍTULO
Em busca de seu segundo título nacional (o Bahia já se sagrara campeão da Taça Brasil em 1959), o Tricolor de Aço tinha pelo caminho mais um favorito. O Internacional retornava à decisão e vinha repleto de confiança.
- Eles tinham dado um "chocolate" na gente no Beira-Rio na Primeira Fase, ganhando da gente por 3 a 0. Mas, na época, estávamos com uma limitação no elenco, não vínhamos bem - afirmou o goleiro Ronaldo.
Para completar, o Colorado abriu o placar, com Leomir. Mesmo assim, o Bahia se lançou à frente:
- Nosso time era muito veloz, muito leve e armava bons contra-ataques. O Evaristo sempre buscou o que as pessoas falam que hoje é o "futebol moderno" - lembrou Bobô.
O camisa 8 igualou o placar ainda na etapa inicial. Em seguida, garantiu a virada ao marcar de bico.
- A gente tinha o Bobô numa fase excepcional! - constatou Ronaldo.
'TESTADOS PSICOLOGICAMENTE': O JOGO DECISIVO
Os dias que antecederam a decisão do Campeonato Brasileiro de 1988 foram desafiadores para o elenco do Bahia. A imprensa esportiva ainda dava o posto de favorito ao Internacional:
- Fizeram uma pesquisa entre jornalistas de todo o país e somente 10% diziam que o Bahia ia vencer. Aquilo me deixou com mais gana para o jogo. Comecei a pensar: 'Eu não vou tomar gol, eu não vou tomar gol' - lembrou o goleiro Ronaldo.
Bobô confessou sobre os dias que antecederam a decisão:
- Fomos testados psicologicamente. Pesou muito a nossa confiança no título, de que podíamos fazer história.
O zagueiro João Marcelo contou o que contribuiu para a equipe conter o ímpeto do Colorado:
- A gente já conhecia bem as jogadas do Internacional. Sabia que o Nilson gostava de dar uma "cavadinha", que o Maurício arriscava na diagonal para tentar uma jogada no segundo pau. Isso fez a gente se fortalecer e segurar o empate em 0 a 0.
Em campo, o Tricolor de Aço fez uma partida acirrada com o Inter no Beira-Rio, mas desperdiçou oportunidades:
- Mesmo com toda pressão, que é normal, tivemos boas chances. Bobô obrigou o Taffarel a fazer duas defesas, o Osmar teve uma chance. Era uma forma de a gente jogar. Atacava para se defender - disse Zé Carlos.
Após 90 minutos em compasso de espera, a torcida do Bahia tinha motivos de sobra para voltar a entrar em ritmo de Carnaval.
'Ô, ELEGÂNCIA!': BOBÔ, O CAMISA 8 QUE JOGOU POR MÚSICA
A cadência com a qual o Bahia partiu para o título do Brasileiro de 1988 foi feito por um camisa 8 cantado em verso e prosa. Bobô não só foi a referência do Tricolor de Aço como marcou gols cruciais na semifinal e na final da competição.
O meia opinou sobre seu poder de decisão surgir justo nas partidas contra Fluminense e Internacional:
- Sempre gostei de jogos difíceis, decisivos. Além disto, a equipe estava muito em sintonia. Isto contribuiu muito para que eu crescesse e ajudasse.
Seu companheiro de Bahia na conquista, Charles detalhou a relevância de Bobô para o título:
- Teve papel importantíssimo. Na reta final, marcou gols que foram fundamentais para nós chegarmos ao título.
O ótimo rendimento no Bahia rendeu a Bobô uma reverência musical. Em 1989, o camisa 8 foi mencionado na canção "Reconvexo", de Caetano Veloso. Ao falar sobre o verso "quem não amou a elegância sutil de Bobô", o meia se emociona:
- Foi um "presentaço". Para mim, foi uma surpresa muito grande ouvir "Reconvexo" e estar em uma música de Caetano (Veloso), gravada por (Maria) Bethânia. Eu me sinto um imortal. Mas os meus amigos é que brincam. Ficam me chamando até hoje: "Ô, elegância! Ô, elegância!".
Passados 30 anos, o Bahia ainda deixa lembranças do ritmo do seu futebol ao país:
- Nós somos um marco no Nordeste. Do mesmo jeito que o Luiz Caldas tinha
"estourado" como um dos precursores do axé. Resgatamos esta grande importância da nossa região no futebol - garantiu Ronaldo.
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