O que salvou vida de surfista brasileiro que quase apagou em onda gigante
Há cerca de um mês, o surfista brasileiro Thiago Jacaré, especializado em ondas gigantes, viveu o momento mais tenso de sua carreira profissional. O atleta de Laje de Jaguaruna (SC) caiu da prancha ao tentar descer uma onda em Nazaré, em Portugal, e levou um caldo sinistro - foram cinco ondas em sequência e mais de um minuto sem respirar até ser resgatado por um jet-ski.
Um surfista sem preparo dificilmente sobreviveria, mas a atual geração de big riders (surfistas de ondas gigantes) faz com que até um momento de extremo desespero (veja no vídeo acima) como esse não resulte em algo mais grave - ou até mesmo na morte.
Com a ajuda do próprio Thiago Jacaré, entrevistado com exclusividade pelo UOL Esporte, nossa reportagem tenta, com essa matéria, esclarecer quais são os fatores essenciais para que os praticantes do surf de ondas gigantes sobrevivam a situações como esta.
A ausência de um deles já seria suficiente para levar até mesmo o mais experiente surfista à morte. Além disso, o catarinense de 36 anos conta o que teria feito de diferente na hora de dropar a onda em Nazaré, agradece todos os responsáveis pelo seu salvamento e revela se voltou ou não para a água depois de viver um dos momentos mais tensos de sua vida.
Cursos de apneia, natação, academia...
Todo e qualquer treino faz diferença na hora em que é preciso superar uma situação de risco. Hoje, os conhecimentos de mergulho em apneia - técnica usada para permanecer o maior tempo submerso sem o auxílio de equipamentos para a respiração - são essenciais para quem quer se arriscar no surfe de ondas grandes. Natação, academia, corrida... Tudo também é válido.
"A galera está cada vez mais preparada. Hoje o 'big surf' tem treinamentos específicos. Natação, quanto mais nadar trancando a respiração, mais apneia você pega; correr cantando é muito bom; fortalecimento do corpo, fortalecer a massa seca em academia, e os treinamentos tanto de yoga como de apneia. Nadar debaixo da piscina, carregar peso, nadar o máximo de tempo sem respirar e fazendo esforço. Atividades físicas sem respirar", afirma o surfista.
Tranquilidade, acima de tudo
Desesperar, jamais. Tentar manter o controle da situação é outro fator apontado como essencial por Thiago Jacaré, por mais que uma série de ondas gigantes esteja indo em sua direção. E foi o que o surfista brasileiro fez: usou todo seu conhecimento para sobreviver.
"Eu não apaguei, mas tomei cinco ondas na cabeça e, se tomo mais uma, apagava. Sei disso porque, quando fui subir no slad [local onde o surfista é carregado pelo jet-ski], não tinha nem força. Puxei força não sei de onde. Mas lembro que meu braço não ia. Eu agarrei com muita força, rasguei todos meus dedos, e quase caí. Se tomo mais uma [onda], acho que apagava. Uma foto me mostra com as pupilas dos olhos bem dilatadas. Isso é bem próximo da morte. É praticamente zero oxigênio no corpo", recorda Thiago Jacaré.
"Um dos principais fatores foi a tranquilidade. Eu consegui ficar calmo. Vi vários depoimentos, alguns até debochando: 'ah, mas tá tranquilo, o cara conseguiu respirar no intervalo de cada onda'. Que nada. Não tem como você respirar numa quantidade de espuma daquela ali. É pior, você se afoga. Aí eu estava morto. E durou quatro minutos todo procedimento. Fiquei desde a primeira onda na cabeça até a última sem respirar. Não deu. Eu tranquei [a respiração], podia ir água para o pulmão, aí iria complicar", acrescenta.
Logística para o resgate
"Hoje, Nazaré está em outro nível". A frase dita pelo próprio Thiago Jacaré - que já surfou algumas das ondas mais desafiadoras do mundo - mostra bem o que o pico representa atualmente para os 'big riders'. Não só pelas condições que o local oferece, mas por toda estrutura que existe para que os surfistas possam pegar ondas com o máximo de segurança possível.
"Não se compara com nenhum nível de logística no mundo. Os caras estão muito avançados na questão de logística, resgate, rádio, comunicador, bombeiro na beira de praia, socorrista... O município de Nazaré monta uma logística muito legal, com muita segurança. E, para surfar Nazaré com mais de cinco metros, tem que ter dois jet-skis", aponta o brasileiro.
Uma onda a mais, e Thiago Jacaré - como foi dito pelo próprio - dificilmente conseguiria manter-se consciente. Portanto, outro fator extremamente importante é o trabalho realizado pelos jet-skis. Por conta das ondas, o resgate pode não ser imediato. Mas com a ajuda de toda uma equipe que existe por trás, os veículos dificilmente demoram a tirar o surfista da água.
"O resgate foi fundamental. A galera envolvida, o cara que estava em cima com o rádio orientando o piloto... É um conjunto, Nazaré não funciona sozinho. Um ajuda o outro. Ele orientou todos os passos do piloto", conta.
Colete salvador
Hoje em dia, os principais 'big riders' do mundo não caem na água sem um colete especial que permite ao surfista um rápido retorno à superfície. E não só isso. O equipamento serve para proteger partes do corpo que podem ser atingidas na queda da onda ou durante o caldo.
"Fora a questão tranquilidade, o colete da Nob me salvou, foi um fator muito importante. O que salvou a minha vida, além de eu conseguir me manter tranquilo, foi esse colete. Se não tivesse com ele, eu teria quebrado a coluna, com certeza", analisa Thiago Jacaré.
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"Não tinha avistado tanta onda"
Como fiquei sem parceiro, fiz dupla com o David Langer [surfista americano]. Primeiro puxei a Michaela Fregonese [surfista curitibana] e depois pedi para ele me puxar. Momentos antes de a gente cair no mar, estávamos em cima do penhasco.
Todo mundo faz isso, vai ver o mar de frente para depois cair. Sendo assim, analisamos que nesse dia seriam só esquerdas, porque a onda estava muito de frente para as pedras. A direita era mortal, e optamos por surfar esquerda. O swell tinha ondas de 15 a 20 metros, com séries maiores. Eu cheguei e surfei quatro esquerdas, só que as maiores eu não conseguia pegar porque tinha muito crowd.
Então eu acabei esperando mais lá fora, e nisso chegou o local Nuno Santos com seu parceiro e ficaram esperando as séries de direita mais lá fora. Fissurado, resolvi colocar uma pilha no meu parceiro para me rebocar numa direita, só não imaginava que atrás viriam mais quatro grandes ondas. E logo fui na primeira".
Retorno no dia seguinte
"No dia seguinte voltei para água. Não retornei no mesmo dia pois estava muito debilitado após ter tomado as ondas na cabeça. Fui encaminhado para os primeiros socorros, e os bombeiros tiveram muita técnica.
Quando saí na areia estava muito mal, não conseguia respirar. Estava verde, branco, roxo, com a pupila dilatada, e fiquei uma hora ofegante, tentando respirar, recebendo oxigênio. Minha pressão estava muito baixa. Voltei para a água no dia seguinte".
"Vi uma sombra muito grande e ouvi uma explosão"
"Não consegui nem sentir medo, não deu tempo. As pessoas falam que quando tá perto da morte passa um filme pela cabeça. Não deu tempo de passar nada.
Eu me toquei que estava na roubada porque, quando tomei a onda na cabeça e levantei do caldo, já estava de frente para o penhasco, e olhei para cima e a multidão estava apavorada. E um cara apontou para trás e eu olhei a onda...
Comecei a olhar da base e não deu nem tempo de olhar para cima. Escureceu. Eu vi uma sombra muita grande e ouvi uma explosão. Aí vi que estava numa roubada. Eu estava com muito constrangimento de ter caído ali na frente das pedras. Essa foi minha principal preocupação. E minha primeira imaginação é que eu ia ser explodido nas pedras. Não tinha isso fora da cabeça".
Teria feito diferente?
"Vendo o vídeo da onda, teria tomado outra atitude. Teria pego a segunda ou a terceira onda, que foram muito maiores. Estava com aquelas espumas brancas, listrando a onda, e gigante. Foi a maior série do dia".
"Amo aquela onda"
"Depois de tudo, só tenho a agradecer às pessoas que me ajudaram, à Nazaré e a Deus. Acredito muito na fé de Deus que, tudo que você faz, tem que fazer com consciência. Estava bem consciente, bem preparado. Amo aquela onda, aquela direta. Os caras até me apelidaram como o 'homem da direita'".