Já caiu no golpe de um post patrocinado? Compras nunca chegam e lojas somem

Usuários do Instagram têm sido impactados por publicações patrocinadas de golpistas. O mecanismo é o mesmo: a pessoa está navegando na rede social quando aparece uma publicação patrocinada sobre algum produto que ela tenha interesse. Ela é redirecionada para um site, faz a compra e nunca recebe a encomenda. Dias depois, a loja sai do ar. Até agora, ainda não há uma proteção para isso.
O que aconteceu
Posts patrocinados são usados para aplicar golpes. Golpistas copiam o perfil de lojas verdadeiras nas redes sociais — desde nome até as próprias publicações — e impulsionam os posts como patrocinados para que eles tenham um maior alcance. Assim, o usuário pode se confundir acreditando que está comprando produto de uma loja conhecida ou mesmo cair na tentação de comprar um produto barato à venda em uma loja que, à primeira vista, pode ser lícita.
Páginas parecem reais e preços são atrativos. Carla*, 48, navegava no Instagram quando viu uma publicação patrocinada anunciando jogo de roupas de cama de uma loja conhecida no ramo. Como estava precisando do produto, a página parecia real e o preço era atrativo, ela decidiu comprar. Mas o jogo nunca chegou. Ela ainda recebeu uma mensagem de alguém alegando ser dos Correios, o que seria uma nova tentativa de golpe. Carla percebeu que tinha sido vítima de uma fraude após ver comentários de outras pessoas relatando a mesma situação. O prejuízo foi de R$ 120, que não pôde reaver até hoje — quase seis meses após o caso.
Tudo parecia normal e fui direto para o pagamento. Desconfiei que era um golpe quando começou a demorar muito para entregar. Já tinha passado um mês e recebi uma mensagem que dizia ser dos Correios dizendo que meu pedido estava retido e teria que desembolsar um valor para liberar. Carla, vítima de golpe no Instagram
Golpistas também usam stories do Instagram. Pedro*, 37, teve a sorte de conseguir cancelar a compra alegando ao banco que o cartão foi clonado. Ele navegava no Instagram quando, por meio de uma publicação patrocinada, apareceram os stories de uma loja de tênis. Na publicação, a loja oferecia um produto de uma marca conhecida a um preço promocional. Após efetuar a compra, Pedro começou a desconfiar que o site para o qual foi redirecionado poderia ser fraudulento e fez a operação para cancelar a compra.
Cliquei no site e era um marketplace com todas as cores e tamanhos. Comprei dois tênis. Quando chegou o e-mail de confirmação, percebi que estava meio estranho. Mandei para o meu marido e ele viu que na parte do site que tinha "sobre" e "contato" era só texto, não tinha link para abrir o conteúdo. No mesmo dia mandei uma mensagem para o banco contestando a compra. Acredito que como fiz duas compras iguais, ficou caracterizado como fraude e consegui cancelar. Pedro, vítima de golpe
ReclameAqui coleciona relatos de pessoas impactadas por publicações patrocinadas fraudulentas. "Fiz a compra de um produto e realizei o pagamento via Pix. Após isso, me pediram mais um Pix dizendo que seria para a taxa de entrega, o que já me pareceu estranho, mas como o perfil parecia confiável, fiz o pagamento. Depois disso, simplesmente sumiram! Nenhuma resposta, e o produto nunca chegou. Fui checar com mais atenção e percebi que o perfil é totalmente falso: postagens com comentários comprados, pessoas marcadas de forma enganosa e nenhuma informação verdadeira", escreveu uma usuária.
O que diz a Meta
Análise interna mostrou desconfiança em 70% de novos anunciantes da Meta. Segundo reportagem do The Washington Post, uma análise interna de 2022 descobriu que 70% de novos anunciantes da Meta promoviam "golpes, produtos ilícitos ou produtos de 'baixa qualidade'".
Meta não detalhou políticas internas para liberar publicações patrocinadas. Tilt entrou em contato com a Meta para entender as políticas para que usuários patrocinem conteúdos em suas plataformas. No entanto, a empresa não detalhou os procedimentos.
Atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros não são permitidas em nossas plataformas e estamos sempre aprimorando a nossa tecnologia para combater atividades suspeitas. Também recomendamos que as pessoas denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra os Padrões da Comunidade do Facebook, das Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões de Publicidade da Meta através dos próprios aplicativos. Comunicado da Meta
Em abril, Meta foi alvo de processo da AGU (Advocacia-Geral da União). Segundo o órgão, a plataforma estaria enriquecendo com anúncios falsos, que usam propriedades do governo. Foram identificados pelo menos 1.770 anúncios fraudulentos com objetivo de aplicar golpes financeiros em propriedades da Meta.
Mas problema não está só na Meta. O app de vídeos curtos Kwai também tem sido uma plataforma utilizada por golpistas para impulsionar publicações fraudulentas. Muitos dos golpes feitos hoje no Kwai já estiveram nas redes da Meta e foram desmascarados pelo UOL Comprova. É o caso do que usa a imagem do apresentador Ratinho e as múltiplas tentativas de fraudar o "gov.br".
Debate no Judiciário
Golpes pelas redes sociais geram dificuldade de identificar fraudadores. Lucas Marcon, advogado do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores), explica que o mecanismo de aplicação desse tipo de golpe dificulta a localização do responsável pela fraude, que pode responder pelos crimes de estelionato e lesão de patrimônio.
Um grande problema é que essas lojas aparecem tão rápido quanto surgem. Têm uma duração temporária e muitas vezes são feitas utilizando mecanismos de inteligência artificial. Então existe uma dificuldade de rastrear a origem dela e quem tá por trás disso. E isso se estende também às contas bancárias usadas para as fraudes. Lucas Marcon, advogado do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec
Julgamento no STF pode levar à responsabilização das plataformas. Órgão do Judiciário está discutindo a validade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Normativa estabelece que plataformas só podem ser punidas caso desobedeçam uma ordem judicial de remoção de conteúdo. O STF já formou maioria julgando que o artigo é inconstitucional. No entanto, o julgamento ainda está em andamento e deve retomar nesta semana.
As plataformas estão recebendo dinheiro para impulsionar a fraude aos usuários. Ainda não temos um julgamento que tenha tido paradigma com relação a isso, mas fazendo interpretação do Código de Defesa do Consumidor dá para entender que as plataformas também são responsáveis. Lucas Marcon, advogado do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec
Como se prevenir?
Não se baseie apenas no número de seguidores da página. Muitas lojas clonadas conseguem ter uma base de seguidores significativas por meio de robôs.
Veja se há outro perfil com o mesmo nome nas redes sociais. Às vezes existem diferenças visíveis entre a loja clonada e a loja oficial, como uma letra ou um número no perfil.
Procure se há reclamações na internet sobre a loja em questão. Elas podem indicar que a compra seja fraudulenta. O nome ou o CNPJ das lojas falsas podem aparecer no site do ReclameAqui com vítimas expondo a fraude.
Cheque se comentários estão desativados ou se perfis que comentam nas publicações são de pessoas reais. Lojas clonadas normalmente não têm muitos comentários e os perfis que aparecem elogiando produtos podem ser falsos.
Caso você tenha percebido que foi vítima de um golpe, registre tudo. Anote a página da empresa clonada, site, dados da conta bancária destinatária e comprovante de pagamento. Ao juntar essas informações, faça um boletim de ocorrência e entre em contato com o seu banco e o canal de atendimento a consumidor, como o Procon. É possível entrar com uma ação na Justiça para reaver o dinheiro.
Se o pagamento foi por meio de Pix, tente utilizar o MED (Mecanismo Especial de Devolução). Ele tem um prazo legal de até 80 dias, e quanto mais rápido o procedimento, mais chances de reaver o valor perdido.
É necessário entender que não é porque um conteúdo é patrocinado que ele é lícito e o consumidor pode confiar de olhos fechados. É preciso sempre desconfiar. Enquanto as plataformas não tomarem um cuidado maior nessa gerência dos perfis falsos e do conteúdo patrocinado, os consumidores têm a desconfiança como o seu maior aliado. Lucas Marcon, advogado do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec
*Nomes alterados a pedido dos entrevistados